Jornada Mundial da Juventude

Há consenso no Parlamento sobre amnistia pela visita do Papa, mas é preciso afinar os pormenores

A proposta de lei do Governo para a amnistia de jovens no âmbito da visita do Papa vai seguir para debate na especialidade. O Governo justificou a delimitação etária com a criminalidade “transitória” e “efémera” nesta faixa etária. Os partidos não consideraram a resposta suficiente, mas mostraram-se dispostos a “trabalhar” na próxima fase

Ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro
ANTÓNIO COTRIM/LUSA

O PSD não quer “incerteza jurídica” sobre a idade, a Iniciativa Liberal (IL) defende um perdão de multas para todos e o Bloco de Esquerda quer incluir os menores de 16 anos: há um consenso bastante alargado no Parlamento sobre a amnistia e perdão de penas que o Governo aprovou para assinalar a visita do Papa Francisco, que chega a Portugal a 2 de agosto para a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) Contudo, falta afinar pormenores, sobretudo no que diz respeito à limitação etária do perdão aos jovens entre os 16 e os 30 anos. Todos os partidos concordaram em “trabalhar” estas “questões técnicas” na especialidade.

Apesar de não ser a primeira amnistia concedida pela visita de um alto representante da igreja católica, a limitação por idade levantou dúvidas de constitucionalidade da proposta de lei aos próprios serviços do Parlamento e a constitucionalistas ouvidos pelo Expresso. Esta terça-feira, a medida foi levada ao parlamento e discutida entre a agitação criada pelo regresso de Pedro Nuno Santos à bancada socialista. A ministra da Justiça justificou o limite de idade pela “criminalidade efémera e transitória nesta faixa etária”. Esta explicação não convenceu os restantes partidos com assento parlamentar, mas também não causou incómodo particular.

O “fenómeno transitório e efémero” da criminalidade entre os jovens é “fundamento bastante para benefício seletivo” da amnistia, defendeu Catarina Sarmento e Castro. “Esta casa [Assembleia da República] desenha programas especiais para jovens na habitação, no trabalho. Também o direito penal distingue os jovens”. A ministra lembrou ainda que já existe um “regime penal” especial para jovens e que esta proposta representa uma “oportunidade” de estes verem a sua “reinserção reforçada”. Ainda assim, a ministra da Justiça apelou ao “máximo consenso” entre os partidos e revelou que o Governo está aberto a discutir “questões técnicas” durante o debate na especialidade.

André Ventura foi o primeiro a levantar preocupações em relação à delimitação etária da proposta de lei. “O regime de jovens delinquentes é entre os 16 e os 21 anos. A analogia não se compreende nem se compreende onde é que o Governo foi buscar os 30 anos”, atirou o líder do Chega. Também o PSD invocou as dúvidas levantadas pelo Conselho Superior da Magistratura e por Augusto Santos Silva na “violação do princípio constitucional da igualdade”. A deputada do PSD, Andreia Neto, defendeu que as amnistias não devem deixar a “mínima suspeita de inconstitucionalidade” e pediu ao Governo uma justificação mais “robusta” para justificar o tratamento diferenciado. Ainda assim, o PSD deixou claro que está a favor deste perdão e redução de penas e que está “disponível para trabalhar” na especialidade.

Ainda à direita, a Iniciativa Liberal separou a redução de penas da amnistia de multas. Na primeira parte, Rodrigo Saraiva concordou com o “tratamento especial” dado aos jovens pelos “efeitos nocivos” do encarceramento na “reinserção” desta faixa etária. Já no perdão das multas até mil euros, o líder parlamentar liberal defendeu que não há “razão” para uma “discriminação etária”. “O contributo da IL na especialidade vai ser para que a amnistia das multas seja uma realidade para todos os portugueses. Garantindo que não existem portugueses de segunda, quando é algo que vai aliviar a vida de vários cidadãos”, prometeu.

Do outro lado do espetro, também o Bloco se mostrou “disponível” para discutir o “alargamento etário” da medida na próxima fase de avaliação. Além das pessoas acima dos 30 anos, Joana Mortágua trouxe para o plenário a possibilidade desta proposta de lei chegar ainda a jovens “abaixo dos 16 anos” que estejam a cumprir penas.

O único partido que se manteve ao lado do Governo na diferenciação por idades foi o PCP. “Não existe um direito a amnistia cuja violação possa ser invocada e as medidas por idade não são novidades para ninguém”, defendeu Alma Riviera. A deputada comunista disse ainda que esta proposta de lei não vem “lesar a laicidade do Estado”, outra das dúvidas levantadas por alguns constitucionalistas.

Ouvidos os partidos em pouco mais de 30 minutos, Marta Temido reconheceu as “questões” levantadas pelos restantes grupos parlamentares e deixou o “compromisso” de que o PS irá avançar com uma “ponderação cuidada” e uma “agilização com todas as forças da AR”.

Limitações da medida agradam todos os partidos, à exceção do Chega

São várias as exceções à redução das “infrações penais cuja pena não seja superior a um ano de prisão ou a 120 dias de pena de multa”, entre elas os crimes de homicídio, de infanticídio, de violência doméstica, de ofensa à integridade física qualificada, de discriminação e incitamento ao ódio ou de corrupção. Também no perdão de contraordenações não estão incluídas aquelas cometidas sob efeito de álcool ou estupefacientes. A ministra da Justiça explicou a “bitola” aplicada teve por base as regras seguidas em amnistias anteriores, ainda assim o Governo foi “mais além” com exclusões também nas multas.

Da esquerda à direita, todos os partidos que participaram na discussão concordaram com a “moldura” do Governo quanto a estas limitações. A esquerda lembrou ainda os bons resultados do último perdão de penas concedido durante a pandemia de covid-19. “Da experiência recente não podemos tirar conclusões que não baixíssimas taxas de reincidência. A medida [na pandemia] revelou ser bem-sucedida e não comprovar discursos de alarmismo”, defendeu Joana Mortágua. Também o PCP, na voz de Alma Riviera, lembrou que a medida não causou os “desastres” que os “demagogos” apelaram.

Apenas o Chega pediu um alargamento ainda maior das exceções, por exemplo nos roubos.