Trinta dias. Foi o tempo que demorou até Carmen Miguel e Carlos Rocha, de 50 anos, receberem uma chamada da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa a informar que havia uma criança para adotarem. Era “João”, de 10 anos. Sentiram uma vertigem. Não estavam à espera de um processo tão veloz. Depois de um ano de burocracias e testes até serem considerados aptos para adotar, estavam já conformados com a longa espera prevista de sete a oito anos que, em média, alguém em Portugal enfrenta para adotar uma criança ou jovem. Um tempo somado ao processo inicial que lhes garante a entrada no sistema. Este casal nunca pensara adotar um bebé, apontara para uma criança entre os 6 e os 9 anos para melhor acompanharem a sua educação. Foi após várias conversas com as equipas que passaram a equacionar receber uma mais crescida, sem restrição de género ou etnia e não excluindo as que pudessem ter problemas de saúde ligeiros. E numa idade próxima de Inês Lopes, de 18 anos, filha biológica de Carmen. “Quem diz 9, diz 10 ou 11 anos. Se existir neste momento uma criança que precise de uma família, não se esqueçam de nós”, apelou na altura. Foi por causa desta frase chave que receberam quase de imediato o “João” (nome fictício), que acabara de completar 10 anos.
Este é um caso raro. A esmagadora maioria das pessoas em Portugal continua a querer adotar bebés ou crianças muito novas. No entanto, são poucas as aptas para adoção na primeira infância: no ano passado, 92% dos candidatos pretendiam crianças até aos 6 anos, mas essas representavam apenas 38% do universo total. O que fica claro é que há uma incompatibilidade entre as crianças desejadas e as disponíveis para adoção. A maioria das que aguardam por uma nova família tem 7 anos ou mais (62%), enquanto as pretensões dos candidatos para as crianças mais crescidas é residual (8%), chegando a ser perto de zero nos casos de jovens entre os 10 e os 15 anos. Ou seja, Carmen e Carlos são a exceção. E sabem-no. “Temos consciência de que a maioria das pessoas com vontade de adotar fazem-no como última cartada, após processos de fertilização frustrados. Vêm desgastados e querem um bebé. Nós não. Já tinha uma filha biológica. O nosso foco sempre foi dar uma família a uma criança mais velha. Critica-se sempre o tempo que as famílias esperam por uma criança. E o tempo que as crianças nas instituições esperam por uma família?”, questiona esta mãe, agente imobiliária.