A Direção-Geral do Património Cultural já tornou o edifício principal do Hospital Miguel Bombarda, em Lisboa, património classificado, atribuindo-lhe o estatuto de Imóvel de Interesse Público (IIP). A decisão foi comunicada na quinta-feira à Associação Portuguesa de Arte Outsider (APAO), uma das entidades que subscreveu o pedido de classificação daquela unidade, desde há anos devoluta.
O edifício principal do hospital, onde se situa o gabinete de Miguel Bombarda - e no qual o psiquiatra morreu na noite de 3 de outubro de 1910, na antevéspera da instauração da República, assassinado por um seu paciente -, junta-se agora ao Pavilhão de Segurança e ao balneário de D. Maria II, que já detinham o estatuto de IIP.
A classificação do património - solicitada igualmente por entidades como a Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental, Sociedade Portuguesa de Neurologia, Sociedade Portuguesa de Arte Terapia, Província Portuguesa da Congregação da Missão de S. Vicente de Paulo e personalidades como os historiadores de arte Raquel Henriques da Silva e Vítor Serrão - fica aquém do pretendido, pois visava um conjunto mais vasto de edifícios e estruturas existentes no perímetro do hospital.
No entanto, Vítor Freire prefere valorizar a parte do copo que está cheia. "É uma vitória não total, mas parcial. E é um volte face nos planos para a Colina de Santana", disse ao Expresso.
O Miguel Bombarda, em conjunto com os hospitais de Santa Marta, Capuchos e São José, integra o projeto da Colina de Santana.
Os hospitais são propriedade da Estamo, empresa pública tutelada pelo ministério das Finanças, que detém edifícios e terrenos, com vista à valorização desses ativos.
Após a desativação das quatro unidades - o que deverá acontecer quando estiver construído no novo hospital de Lisboa, na zona oriental -, para a zona havia planos (entretanto remetidos à estaca zero) uma nova ocupação do espaço, com forte densidade de imobiliário. Este projeto motivou forte contestação da opinião pública e de parte da oposição na autarquia de Lisboa (especialmente, nos tempos mais recentes, entre os deputados da Assembleia Municipal), e que foi a principal razão do recuo (assumido a meias entre a Câmara e a Estamo).
DEGRADAÇÃO À VISTA
O estado geral do Miguel Bombarda apresenta sinais de evidente degradação.
Numa visita efetuada no final de junho por vários deputados municipais, estes defenderam a necessidade de serem "providenciadas medidas de modo a suster a degradação do património a salvaguardar", lê-se no relatório elaborado pela arquiteta Margarida Saavedra, deputada municipal do PSD.
No caso do edifício principal (o que agora é património classificado), a relatora das conclusões da visita traçou uma radiografia preocupante.
"No gabinete [de Miguel Bombarda] foram visíveis as marcas de infiltrações nas paredes, aparentemente causadas por deficiente vedação da claraboia. Ainda no edifício principal, a visita à Capela permitiu verificar a deterioração do teto em madeira e também das paredes", concluíram os deputados.
"Já no Salão Nobre, quer os painéis de azulejos do século XVIII quer o teto arte déco apresentam sinais de degradação - as paredes apresentam infiltrações, há queda de estuque e de partes do teto", prossegue a relatora.
Quando à "passagem pelas demais instalações do edifício principal, sobretudo gabinetes, quartos e enfermarias", Margarida Saavedra anotou a "queda de partes do teto em diversos pontos, a queda de estuques, e inúmeras marcas de infiltrações nas paredes".
Para Vítor Freire, a classificação agora dada áquele património "vai obrigar a Estamo a uma manutenção efetiva, que a empresa não tem realizado, tendo antes desprezado aquele espaço".
Se dependesse só da Estamo, as coisas não iriam mudar muito (resta saber o que acontecerá agora que há património classificado a preservar).
Numa resposta à Assembleia Municipal, que exigia a adoção de medidas para "pôr cobro" aos "riscos imediatos" detetados pela visita dos deputados, a Estamo informou que, no edifício principal, está "em curso o processo de consulta para adjudicação dos trabalhos de análise, levantamento de anomalias e reparação da cobertura, com ênfase nas zonas de maior valor histórico e patrimonial", com vista a "identificar a origem das infiltrações".
A empresa pública afirma que "com a execução" dessas "reparações eliminar-se-ão ou ao menos minimizar-se-ão substancialmente os efeitos nocivos daquelas patologias sobre os elementos de maior valor patrimonial".
De certa forma, uma resposta mitigada da Estamo, que afasta desde já do horizonte qualquer cenário de intervenção mais ampla no Miguel Bombarda. "Como Vossas Excelências certamente compreenderão, é irrazoável no enquadramento presente pretender assumir o restuaro integral do espaço" - pedido que de resto não feito pela Assembleia Municipal, presidida por Helena Roseta.
UM BALNEÁRIO PRESO POR ARAMES
Se o edifício principal se encontrava em mau estado no momento da visita dos deputados municipais, o Balneário de D. Maria II (inaugurado pela rainha em 1853, o primeiro edifício construído de raiz em Portugal para tratamento de doentes mentais) estava ainda de pior saúde.
O relatório da visita é muito minucioso: "Protegido por uma cobertura provisória e por redes de proteção aparentemente insuficientes para a sua preservação, é bem visível o enfolar de parte das fachadas de azulejo, assim como o surgimento de diversas fendas verticais que podem indicar um assentamento das fundações do edifício. Também parte do teto abateu. Uma realidade que pede uma intervenção urgente para a preservação de um Imóvel catalogado como de Interesse Público desde 2010".
Ante este quadro negro a Estamo respondeu que procederá a "melhoramentos" na estruturas de andaimes e tela que envolve o imóvel, "nomeadamente mediante o reforço da proteção das empenas laterais e ao aumento da área de cobertura de proteção, que assim passará a abranger todo o edifício".