Sociedade

Cientistas revelam como os mosquitos evitam coagulação do sangue

Investigadores do Instituto de Biologia Molecular e Celular, de Espanha e de França, descobriram o processo que permite aos mosquitos da malária evitar a coagulação do sangue de que se alimentam.

Representação em 3D da trombina, enzima central do processo de coagulação (a branco), ligada à molécula anophelin (a azul). Em segundo plano vêem-se trombinas ligadas a substratos naturais (a laranja)
IBMC

Investigadores do Instituto de Biologia Molecular e Celular (IBMC) do Porto, em parceria com cientistas de Espanha e França, desvendaram o mecanismo utilizado pelos mosquitos da malária - do género Anopheles - para evitar a coagulação do sangue.

Os resultados do trabalho de investigação foram publicados na revista de referência mundial PNAS e abrem caminho ao desenho de novas moléculas sintéticas para o tratamento de problemas cardiovasculares.

Pedro Pereira, investigador principal da equipa que liderou o estudo no IBMC, reconhece que "as moléculas, designadas anophelin, são admiravelmente pequenas e muito simples, sendo no entanto bastante eficazes", ao contrário de outras que já caracterizou e que foram extraídas de outros animais hematófagos (que se alimentam de sangue), como a carraça dos bovinos ou a sanguessuga terrestre indiana.

Corrida a novas fontes de medicamentos

A exploração de produtos desenhados pela natureza tem estado na mira da investigação farmacêutica como fonte de novos medicamentos. Entre estes estão as moléculas das glândulas salivares e do sistema digestivo que os animais hematófagos produzem para evitar a coagulação do sangue do hospedeiro, enquanto se alimentam e durante a digestão.

Ana Figueiredo, também investigadora do IBMC e primeira autora do trabalho publicado na PNAS, explica que "apesar de terem sempre o mesmo objectivo - impedir a coagulação - as características de cada molécula são muito específicas de cada grupo de animais e seguem estratégias diferentes".

Pedro Pereira, por sua vez, considera que a "elegância" na estratégia do mosquito da malária está no facto de as moléculas serem "muito pequenas e, portanto, mais fáceis de imitar por compostos concebidos artificialmente", quando comparadas "com as carraças, cujas moléculas anticoagulantes são quatro vezes maiores".

A molécula produzida pelo mosquito da malária já tinha sido isolada e caracterizada por uma equipa de cientistas americana, que a patenteou como anticoagulante.

Desenhar moléculas artificiais

Pedro Pereira, que lidera o grupo de Estrutura Biomolecular do IBMC, explica que "a maioria dos hematófagos possuem moléculas anticoagulantes potencialmente interessantes para usos biomédicos, muitas delas já patenteadas". Mas o que se desconhece "é a forma como elas funcionam", sendo o trabalho de investigação agora publicado "um enorme contributo para o desenho de outras moléculas artificiais".

No artigo científico publicado na PNAS é explicado que a molécula anophelin, presente em todos os mosquitos da malária, apresenta uma abordagem radicalmente inovadora no controlo do sistema de coagulação do hospedeiro.

Tendo como alvo a trombina, enzima central do processo de coagulação, a anophelin tira partido de locais de reconhecimento normalmente ocupados por substratos naturais para se ligar de forma específica, impedindo que a trombina desempenhe o seu papel fisiológico.

Dado o seu tamanho relativamente reduzido e a especificidade dos contactos que estabelece com o seu alvo, a anophelin pode servir de base ao desenho de medicamentos sintéticos, administráveis por via oral e com efeitos secundários reduzidos, que possam ser usados na prevenção e tratamento de doenças cardiovasculares.