Sozinhos ou acompanhados, em silêncio ou com música de fundo, em isolamento ou com o computador e o MSN ligados. Os hábitos são os mais variados quando se trata de estudar. Mas, normalmente, a técnica foge pouco do manual e dos clássicos apontamentos.
É assim que mais de 250 mil alunos têm passado por agora os dias, preparando-se para os exames nacionais do básico e secundário de 2009. E era assim que também Rita Figueiral, 13 anos, estudava. Até que descobriu uma nova forma de treinar o que tinha aprendido nas aulas. Passou a pôr-se na pele dos professores e a fazer testes 'iguaizinhos' aos deles.
"É uma forma de vermos o que conseguimos fazer, de aplicar os conhecimentos", explica a aluna do 8º ano, segurando no colo o punhado de enunciados que já fez este ano. Nas folhas de papel, impressas em casa, não falta o espaço para a identificação do aluno e até o cabeçalho com o nome da escola.
É que o hábito foi-se profissionalizando. E de método de estudo pessoal passou a tornar-se numa das ferramentas utilizadas por todos os colegas da turma do 8º B. "Não é que não passem sem eles, mas acho que ajudam", diz Rita, admitindo que sempre que se aproxima um dos dois testes normalmente feitos em cada período lectivo os colegas começam a perguntar: "Então, não fizeste ainda?" "Não me dá trabalho nenhum", desvaloriza Rita. Já no ano passado partilhava as provas com a irmã gémea - que passou a estudar assim também - e com duas ou três colegas mais próximas. Mas "não eram tão bem feitos", ressalva, abrindo a pasta onde estão guardados os pontos de revisão do 7º ano.
Agora, os testes têm imagens que retira do Google, tabelas e quadros que faz com a ajuda do Word e do Excel, exercícios que elabora utilizando o Paint. A linguagem é 'copiada' da utilizada pelos professores e já lhe aconteceu uma vez as semelhanças serem de tal ordem que as primeiras perguntas de um ponto de Ciências eram idênticas às que tinha simulado. "Há coisas que saem sempre, como as definições." A base são os manuais e os apontamentos dos professores e, a partir daí, com a ajuda do computador, onde prefere escrever, Rita só precisa de cerca de uma hora para fazer cada teste. "Agora faço para todas as disciplinas", conta a aluna da Escola Básica da Costa da Caparica que só tem 5 (à excepção de um 4, a Educação Física), no dia em que estudava para a prova global de Português, fazendo mais um teste de revisão.
Já tinha escolhido na Internet um texto que serviria para as perguntas de interpretação e de gramática, tendo por base o ponto do ano passado. "É uma forma de estudar. Todas as pessoas têm a sua." Os colegas agradecem, mas estão avisados que, ao contrário dos professores, Rita faz os testes mas não os corrige.
Também Marli Cruz, 18 anos recém-feitos, não se atreve a dar uma receita para o sucesso, que, no seu caso, se traduziu numa média do secundário de 19,8 valores e lhe valeu no ano passado o prémio nacional Dr. José Pinto Peixoto, atribuído ao estudante que conclui este nível de ensino com as notas mais altas. "Depende muito das pessoas. O que resulta comigo pode não resultar com outros. Cada um tem de descobrir por si", diz a aluna, que garantiu a entrada directa em Medicina na Universidade do Porto.
Marli, que fez todo o percurso escolar em colégios privados, acredita que as notas não aparecem "por obra e graça do Espírito Santo". "Sempre estudei bastante. Tudo o que dava nesse dia estudava em casa", recorda, admitindo que, por vezes, tinham de ser sacrificadas as saídas com os amigos.
Já Afonso Bandeira, 20 anos, vencedor de várias medalhas nas Olimpíadas da Matemática, incluindo uma de ouro na competição internacional de 2006, recorda que "pouco estudava" no ensino secundário, com excepção da véspera dos testes. As Olimpíadas eram mesmo aquilo a que mais se dedicava em termos escolares. O resto surgia naturalmente.
Afonso acredita que o à-vontade que sempre teve com a Matemática (área que seguiu na universidade e onde tem média de 19 valores) resolve muitas coisas. "Se souber matemática facilita tudo. É a ciência que resolve os problemas, onde se aprende a pensar. E aí fica tudo mais simples", explica o estudante de Coimbra, que acrescenta mais um ingrediente à receita. "As coisas ficam mais fáceis e mais interessantes quando se ganha o gosto por perceber as matérias. Ao princípio pode ser uma estratégia mais difícil. Mas depois é melhor. E consegue-se fazer isso durante as aulas, desde que se esteja concentrado. Onde há problemas é quando um aluno não percebe bem uma coisa e tenta decorar. No ano seguinte já não se recorda, e as coisas começam a descarrilar", avisa.
Muitas vezes é já nessa fase que os alunos batem à porta de centros de explicações como o Ás do Saber, em Lisboa. Não foi há muitas semanas que chegou a segunda vaga de inscrições, a "dos aflitos à espera do milagre das notas", descreve Marta Rodrigues, uma das directoras da empresa, criada há cinco anos e que não pára de ver as 'matrículas' aumentar.
Entre os mais de 100 alunos que têm explicações no centro, há uma característica que se repete. "É frequente a falta de autoconfiança. Os miúdos acham que não são capazes. Tentamos mostrar que são, e eles ganham a força e a vontade de chegar lá", descreve Marta Rodrigues. Depois, há aqueles para quem o problema nem sequer está na capacidade de compreensão das matérias, mas na dificuldade de organização do tempo e do método de estudo.
Por isso, continua a responsável, os explicadores preocupam-se em definir os exercícios que os alunos têm de fazer ao longo da semana e as dificuldades que têm de ser superadas num determinado período de tempo. "Há miúdos que, se calhar, nem precisavam de um explicador, mas de um bom método de estudo." É matéria que não consta dos currículos, mas em que valia a pena investir, defende.
O problema é que as solicitações são muitas e, nalguns casos, estudar acaba por ser a última das prioridades. "Há pais que inscrevem os filhos porque sabem que, pelo menos na hora em que cá se encontram, estão mesmo a estudar."
A verdade é que não são só os alunos que andam mais stressados por estes dias. A eles juntam-se muitos pais ansiosos, que não sabem como lidar com a situação. Manuela Matos Monteiro, professora de Psicologia e autora de vários livros da colecção "Sucesso Escolar", dedica os seus guias a ambos. Aos encarregados de educação e nas várias sessões para as quais é convidada pelas escolas, Manuela Monteiro deixa sempre o mesmo conselho. "Esta não é a altura para acertar contas. De recriminar e dizer como se avisou que era preciso estudar desde o início do ano. É um discurso ineficaz, que só vai criar mais tensão e mais dificuldades." Nem tão-pouco de fazer comparações com o passado e como tudo era melhor e diferente "no antigamente". Nem que seja pelo facto de, muitas vezes, isso nem sequer corresponder à realidade.
Ter disponibilidade para ouvir os filhos e estar atento ao seu comportamento e a sintomas de ansiedade (comer pouco, em excesso, ou ter dificuldade em adormecer) são as recomendações deixadas por esta psicóloga. Que até indica a temperatura ideal a que deve estar o local de estudo: entre os 18 e os 22 graus Celsius.
Quanto aos alunos, Manuela Monteiro admite que é possível estudar sozinho ou num pequeno grupo de amigos, mas acredita que há três objectos proibidos numa sala de estudo: a televisão ligada, o telemóvel e o computador com o Messenger online.
"Na minha opinião, são incompatíveis com o processo de concentração. A televisão pela característica de hipnose exercida pelas imagens. O telemóvel e o Messenger pela expectativa que criam na espera de uma resposta que vem ou não", justifica, acrescentando que períodos de 50 minutos sem interrupções podem ser extremamente produtivos.
Se os nervos apertarem, é sempre possível aprender algumas técnicas básicas de relaxamento ou beber o "chá especial que a avó fazia". De resto, é tudo uma questão de planeamento e de organizar bem os dias que sobram até aos testes.
Seria simples se bastasse seguir os conselhos presentes em muitos dos livros de ajuda que enchem as prateleiras das livrarias por esta altura. A verdade é que Portugal é um dos países da Europa onde os alunos mais chumbam e desistem. Prova que a fórmula do sucesso é bem mais complexa e junta características pessoais, familiares e escolares.
José Morgado, professor do Instituto Superior de Psicologia Aplicada, explica que "não se pode falar de uma relação causa-efeito, já que há vários factores associados ao melhor ou pior desempenho dos alunos". E que passam por circunstâncias menos controláveis, como as capacidades individuais dos estudantes, até à qualidade do trabalho dos professores e à eficácia do estudo, abrangendo ainda a motivação, a confiança e a auto-estima. Além do contexto sociocultural da família.
Especialista em psicologia educacional, Morgado lembra, por exemplo, que os miúdos portugueses são dos que passam mais tempo na escola. No entanto, são também dos que mais chumbam. "A solução não passa por trabalhar mais, mas por trabalhar melhor..."
De resto, nenhum dos factores enumerados por José Morgado condena ao insucesso por si só. "Pela qualidade e pela diferenciação - a característica mais evidente da sala de aulas de hoje é a diversidade dos alunos - podemos criar histórias de sucesso e de mobilidade social", afirma, lembrando que não foi o facto de ter um pai serralheiro e uma mãe costureira que o impediu de estudar e de tirar o doutoramento.
Ainda assim, são vários os estudos que mostram o impacto do contexto familiar no percurso escolar dos miúdos. No último relatório da OCDE sobre as competências dos alunos de 15 anos (PISA 2006), concluiu-se que, se só fosse tida em conta a prestação dos jovens portugueses com um índice económico e social idêntico à média da OCDE, os resultados subiriam bastante e tiravam o país dos últimos lugares da lista.
Uma outra investigação, realizada por duas docentes da Universidade de Lisboa (UL), verificou que mais de metade dos alunos que entram em Medicina nesta instituição são filhos de mães licenciadas, uma percentagem que pouco ou nada tem a ver com a qualificação da sociedade portuguesa no seu todo. Ou seja, este grupo social está sobre-representado no curso que exige notas de entrada mais altas.
Não se estranha quando só agora existe a "primeira geração de portugueses a aceder de forma generalizada ao ensino secundário", como já aconteceu há muito na maior parte dos países europeus, lembra Maria Manuel Vieira, investigadora da UL. E os pais mais escolarizados são aqueles que estão mais motivados para acompanhar e estimular os estudos dos seus filhos.
São esses os pais que a presidente do Conselho Executivo da Escola Infanta D. Maria, em Coimbra, está mais habituada a conhecer. E que aponta como uma das explicações para o facto de este estabelecimento público figurar sistematicamente nos primeiros lugares dos rankings dos exames nacionais. "A escola está inserida num meio socioeconómico médio/alto e os alunos têm expectativas elevadas", aponta Rosário Gama.
É certo que também os professores se distinguem pela sua qualidade, continua. Mas tem dúvidas que seja esse o factor preponderante no êxito da sua escola. A prova dos nove será tirada este ano. "Temos muito bons professores que se foram embora. Cerca de 20 que tiveram de ser substituídos por outros sem experiência nenhuma. Se mantivermos os resultados este ano, digo que o corpo docente não tem muita influência. Se não, então respondo que os professores têm muito peso."
Seja qual for a resposta, a verdade é que, em muitos casos, os docentes sentem-se impotentes no esforço de contrariar as dificuldades evidenciadas pelos alunos. Julieta Cristo, professora de Português do 2º ciclo durante quase quatro décadas, sabe do que fala. Pelas suas aulas passaram tanto os bons alunos, que não tinha tempo para acompanhar como gostava, como os que "tinham dificuldades em expressar verbalmente qualquer vivência do quotidiano, que não conseguiam concentrar-se, que não sabiam ler nem escrever, com famílias degradadas e degradantes ou problemas económicos gravíssimos".
A que se juntavam os casos igualmente difíceis de solucionar de "insubordinação, agressividade verbal e insolência". "Sozinha, a escola não pode resolver todas as deficiências culturais e socioeconómicas das famílias", conclui.
Texto publicado na Revista Única de 20 de Junho de 2009.