Sociedade

Diocese de Lamego volta a afastar padre acusado de abusar de homem vulnerável

Em 2022 a Polícia Judiciária deteve o padre por suspeitas de abuso sexual e tráfico humano de um homem de quem era tutor legal. O MP deduziu acusação de crimes graves de abusos sexuais

Getty Images

A Diocese de Lamego decidiu voltar a afastar preventivamente o padre António Júlio Fernandes Pinto, do ministério sacerdotal, na sequência da dedução de acusação por parte do Ministério Público (MP) por crimes de abuso sexual de pessoa vulnerável.

O caso remonta a 2022, quando a Polícia Judiciária deteve o padre, residente em Vila Nova de Foz Côa, por suspeitas de abuso sexual e tráfico humano de um homem de quem era tutor legal. A alegada vítima, um homem com atestada incapacidade de resistência, vivia com o sacerdote e teria sido vítima de abusos recorrentes.

A 28 de Outubro de 2022 o padre foi apresentado em tribunal e libertado sob termo de identidade e residência, com obrigação de apresentações quinzenais na GNR. Foi ainda proibido de contactar com a alegada vítima. Na altura a diocese negou ter qualquer conhecimento do caso e garantiu nunca ter recebido qualquer denúncia. Tendo em consideração a natureza e a gravidade das suspeitas, a diocese acabou por ordenar o afastamento cautelar do padre do ministério ativo.

Contudo, passado pouco mais de um ano, ainda com a investigação civil a decorrer, a diocese decidiu reintegrar o padre António Júlio Pinto tendo por base o facto de a alegada vítima ter negado diante de um juiz, nas declarações para memória futura, a veracidade dos factos. Fonte da Diocese de Lamego, que pediu para não ser identificada por não estar autorizada a falar do assunto, disse ao Expresso que na altura o bispo D. António Couto recebeu indicações fortes de que, com base nessa declaração da alegada vítima, o processo do Ministério Público ia ser arquivado.

A fonte da Diocese de Lamego garante, porém, que “ele esteve sempre acompanhado e sob supervisão e quando havia eventos com crianças assegurava-se que nunca estava sozinho com elas, mas sempre acompanhado de outros adultos. Durante este tempo não tivemos uma única queixa sobre o seu comportamento.”

Mas o processo civil acabou por não ser arquivado. Pelo contrário, o MP deduziu acusação de crimes graves de abusos sexuais, alegando que o padre ameaçava retirar regalias à vítima caso ela se negasse a praticar os atos pretendidos, que incluíam masturbação mútua e sexo oral. O MP diz ainda que o alegado abusador obrigava a vítima a filmá-lo durante estes atos e que os registos eram depois enviados por mensagem privada para o padre através de redes sociais.

Mediante estes novos dados constantes da acusação do MP, D. António Couto decidiu afastar novamente o padre, com efeito imediato. No domingo um representante da diocese celebrou as missas a que costumava presidir o padre António Júlio, avisando os fiéis do afastamento do seu pároco, mas até ao momento a diocese não publicou qualquer nota formal no seu site sobre o assunto.

O Expresso falou com o atual presidente da Comissão Diocesana para a Proteção de Menores e de Pessoas Vulneráveis da Diocese de Lamego, o advogado António Pinto Carreira, que disse que mal tomou conhecimento dos factos alegados na dedução de acusação do MP, sugeriu a D. António Couto o afastamento do padre do serviço ativo, tendo o bispo concordado.

O atual presidente da Comissão Diocesana tomou posse em julho de 2023, segundo informação disponível no site da diocese, e por isso já estaria em funções no final desse ano, quando foi reintegrado o padre António Júlio, mas António Pinto Carreira diz que nunca foi consultado sobre essa decisão.

Falhas de comunicação com o MP

Tanto a Diocese de Lamego como a Comissão Diocesana queixam-se de falhas de comunicação com o Ministério Público durante este processo.

A investigação ficou a cargo do Ministério Público do Porto, que em nenhuma altura informou a diocese, ainda que informalmente, da existência de provas concretas ou indícios mais fortes que contradissessem as declarações para memória futura da própria vítima, que negou os factos em tribunal, levando à reintegração do padre.

“Nós estamos em Lamego, o processo decorre no Porto, e o Porto é um mundo. A que porta iríamos bater para saber informações?”, pergunta a fonte da diocese, que concorda que o ideal seria existir um canal de comunicação mais regular para que a diocese pudesse agir com melhor conhecimento dos factos, como é prática comum nas dioceses das principais cidades.

António Carreira aponta para um dado que diz ser indicativo desta falha de comunicação. “No final da acusação do Ministério Público, manda-se informar a Comissão Diocesana da Diocese do Porto. É obviamente um lapso, porque a Diocese do Porto não tem nada a ver com o caso. Felizmente, nós tomámos conhecimento através da imprensa e pudemos agir o mais rapidamente possível”, diz.

O padre António Júlio fica agora a aguardar o julgamento civil, sem poder exercer o sacerdócio. Caso seja condenado a diocese pode avançar com o processo canónico que pode, em último caso, conduzir à sua expulsão do estado clerical. O padre pode ainda peticionar a Santa Sé para ser dispensado formalmente do sacerdócio, e nesse caso deixa de estar sujeito ao regime canónico da Igreja.