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Combate aos incêndios muda já no próximo ano com mais militares e menos fogo ‘solto’

Reacendimentos, área ardida e aldeias sem meios obrigam a revisão. Novo plano prevê “proteger pessoas e bens e, ao mesmo tempo, combater na frente de fogo”, Exército vai robustecer o Regimento de Emergências e entrar na primeira linha de combate, onde a Força Aérea já está

Vão ser feitas operações de fogo controlado, ou fogo técnico, para evitar os grandes incêndios
PAULO CUNHA

Mais enxadas no combate ao fogo e defesa de aldeias, as duas operações em simultâneo. Estas são as principais alterações no sistema de combate aos fogos, já em 2026. A intenção é terminar com a estratégia adotada desde o fogo de Pedrogão: defender habitações e deixar o fogo arder livremente.

O “novo plano prevê proteger pessoas e bens e, ao mesmo tempo, combater na frente de fogo”, diz ao Expresso um responsável do Governo. A chamada supressão será “feita por militares, força especial da proteção civil e sapadores florestais”, adianta.

Fonte do Governo justifica a decisão com “janelas de oportunidade perdidas, apesar de haver tecnologia para as prever, e que estiveram na origem dos grandes fogos”. A mesma fonte assume já ter pedido “registos, fitas de tempo, localização de meios e custos”. O software “FEBMONITORIZACAO permite prever a evolução do incêndio e não foi usado para criar pontos de ancoragem de vários fogos”, acrescenta.

“A duração destes fogos”, anota a fonte do governo, “não se justifica, faltam enxadas no terreno, comando e supervisão”. A intenção, apurou o Expresso, é eliminar circunstâncias em que o fogo lavra solto, dias sucessivos, sem combate direto. “Face ao que se passou, com tantos reacendimentos, área ardida e aldeias sem meios, é preciso outra resposta para mudar resultados”, assumem as fontes ouvidas pelo Expresso.

A doutrina em vigor preconiza a defesa das populações em detrimento da floresta e é aqui que vão ser introduzidas alterações. “Há drones com imagens térmicas para detetar pontos quentes, mas é importante o supervisor verificar o trabalho da enxada ou se a linha do fogo ficou limitada e liquidou o calor, tarefa obrigatória antes de declarar o incêndio extinto”, explica a citada fonte. Em suma, colocar bombeiros na frente de fogo e na defesa de habitações.

O investigador Duarte Caldeira confirma o risco de serem “expostas ao fogo áreas rurais que poderiam ser poupadas com uma supressão mais equilibrada”. O que poderia ser evitado, diz Caldeira, “se fosse desenvolvida, nos locais favoráveis e momentos oportunos, uma estratégia para conter a propagação”.

Caldeira exemplifica com “os incêndios de 2022 e 2024, na Serra da Estrela, em que o tempo passado no espaço rural pelos bombeiros foi mais reduzido, em comparação com a presença em povoações e estradas”, o que mostra uma “opção por um combate defensivo, vocacionado para minimizar danos nas povoações, não circunscrever e tentar deter a propagação” do fogo.

Sendo “correta a opção da mobilização dos bombeiros para defesa de pessoas e bens ameaçados pelos incêndios, é preciso resolver a vulnerabilidade e reforçar o combate florestal, na fase inicial, com articulação de meios terrestres e aéreos”, sustenta Caldeira. Para isso, o investigador defende a “especialização nas tarefas de defesa dos territórios rurais e das pessoas e bens” e os bombeiros, assume, “poderão ter responsabilidade nas duas missões”.

Todavia, há uma clara falta de recursos humanos. O reforço de bombeiros para os fogos “sai sobretudo de Lisboa, que reúne 12 grupos e 384 bombeiros,”, diz um comandante de uma corporação do concelho de Sintra. E no distrito de Viana do Castelo o reforço é feito durante todo o verão, com um grupo, ido de Lisboa, destacado todo o verão no Minho.

Mais militares no combate a incêndios

Contactado pelo Expresso, o Ministério da Administração Interna justifica que “sãos assuntos militares” e não presta esclarecimentos, tal como o Ministério da Defesa.

Certa é a opção de o Governo reforçar, a partir de 2026, com mais militares no combate a incêndios. O que a Força Aérea (FAP) já anunciou, “com cinco helicópteros Black Hawk, adquiridos para combater fogos e colocar forças no terreno”. Helicópteros que transportam 12 bombeiros equipados e capacidade de 2950 litros de água por largada”. Acresce a aquisição de dois Canadair, que serão entregues em 2029.

Ou seja, com a entrada gradual dos militares no combate, “os bombeiros ficarão a proteger as populações”, preconiza fonte do Governo.

Mais prevenção

A prevenção é outro pilar a ser reforçado, “com ações de fogo controlado, a fazer no inverno, para retirar a carga de combustível existente nas florestas e que está na origem dos grandes incêndios”, aponta o Governo. A floresta do país regista 30 toneladas de combustível por hectare e acima de dez já se torna difícil extinguir as chamas. Para reduzir esta carga “vão ser feitas operações de fogo controlado, ou fogo técnico, para evitar os grandes incêndios”, garante o Governo.

Duarte Caldeira concorda com o “uso do fogo controlado, os maiores incêndios coincidem com áreas de elevada acumulação de combustível, em função do tempo decorrido desde o último fogo”.

Mário Marques, perito da União Europeia para análise de projetos e investimentos em proteção civil, reclama, “o ordenamento do território e a necessidade de promover o pastoreio para reduzir a carga de combustível, a par da “simplificação da cadeia de comando, a existente é burocrática e promove desorganização”.

Este perito elenca outra medida, com equipamento que já existe nas Forças Armadas, “rede de vigilância, com instalação de sensores de deteção, câmaras de vídeo vigilância térmicas e de alta resolução, para prever a evolução do fogo”.

Trabalho já feito pela FAP, com a utilização de aeronaves a sobrevoar áreas de incêndio, para identificar pontos quentes e evitar reacendimentos, através de imagens para análise imediata da situação. Também a Marinha tem enviado oficiais de ligação para os incêndios deste ano, a par do Exército, que, em Castro Daire, reforçou os meios com engenharia militar.

Ouvida pelo Expresso, a Agência Integrada para a Gestão dos Fogos Florestais faz notar que “está a monitorizar a performance do dispositivo de pré-supressão e supressão, a recolher informação que suporte a análise”, que “reportará pública e oportunamente”. Ou seja, diz a AGIF, “o foco está em gerar conhecimento que permita aos operacionais melhorar a tomada de decisão”.

Fontes castrenses lembram que colocar o Regimento de Apoio Militar de Emergências (RAME) em Abrantes, “foi estratégico, perto da base da Proteção Civil em Almeirim e do aeródromo de Tancos, tudo no centro do país”. E o RAME “pode receber o equipamento e desempenhar as funções da Unidade de Socorro da GNR”.

César Nogueira, presidente da Associação de Profissionais da Guarda, assume que “a GNR só conseguirá desempenhar funções de polícia de proximidade, quando os militares que estão alocados a outros serviços, incluindo unidades como a de Proteção e Socorro, voltarem a estar à disposição do cidadão”.

Até agosto de 2025, já tinham ardido em Portugal cerca de 254.296 hectares, dos quais 115 mil foram floresta e áreas protegidas. Só não é conhecido o custo de cada fogo, porém, a Ordem dos Economistas estimou, em agosto, um impacto de 2,3 mil milhões de euros. Porém todas as fontes ouvidas pelo Expresso são unanimes em considerar que este valor “peca por defeito”.

Para este sábado, estão marcadas manifestações de populações contra os incêndios florestais e o abandono do interior.