O sonho de conquistar um diploma internacional tem sido um pesadelo para os estudantes de fora da União Europeia (UE) que escolhem Portugal como destino. Mesmo sendo aprovados nas principais instituições de ensino superior, muitos não conseguem sequer chegar ao país para dar início ao curso porque o prazo médio de 60 dias para a obtenção de um visto tem-se estendido por longos meses ou até anos. Enquanto isso, muitos alunos são obrigados a pagar propinas elevadas sem poderem frequentar a faculdade e sem terem acesso a aulas à distância. As instituições de ensino superior confirmam os atrasos e assumem que a situação tem vindo a agravar-se.
Widad Zidan, argelina de 24 anos, foi aprovada no mestrado em Estudos Urbanos pela Universidade Nova de Lisboa em outubro do ano passado e entrou logo com o pedido do visto no consulado português na Argélia, mas o seu nome só apareceu na lista em dezembro, pois a universidade levou dois meses para enviá-lo ao sector consular responsável. “Desde então, aguardo a resposta das autoridades competentes. Já fiz várias chamadas e enviei diversos e-mails ao consulado, mas até hoje não obtive nenhuma resposta”, explica.
A propina cobrada naquele mestrado para alunos internacionais oriundos de países fora da UE, que dependem de um visto emitido pelo Governo para poderem residir em Portugal, é de €3500. Widad já pagou €1500 relativos ao primeiro semestre e €320 por mês por um alojamento na universidade que nunca pôde usar. “O meu pedido de adiantamento para o pagamento do quarto por um mês, até que fosse confirmado o meu visto, foi rejeitado e acabei por perder a habitação sem poder utilizá-la ou receber qualquer compensação pelos valores já pagos”, explica.
A jovem argelina sugeriu à Universidade participar nas aulas à distância até que o problema fosse resolvido, mas apenas uma professora aceitou dar aulas online. Widad ainda mantém a esperança de ser chamada pelo consulado para a entrevista de concessão do visto. “Recuso-me a desistir. O meu sonho de estudar, fazer um doutoramento e abrir uma empresa de planeamento urbano continua vivo. Mas não dá para negar que os atrasos têm-me consumido tempo, dinheiro e energia.”
À espera de visto, mas chamado pela AIMA
As muitas tentativas de Widad Zidan para contactar o consulado têm fracassado sempre devido ao cancelamento das marcações. Recentemente, foi enviada uma mensagem informando que os pedidos de vistos seriam rejeitados porque, segundo as autoridades, os documentos não foram autenticados. Também alegaram que o nível académico e linguístico não o qualificava para estudar em Portugal. “Se não temos qualificação, como fomos aceites pelas universidades?”, questiona.
Belabdi Ali, de 26 anos, é também um dos afetados pelo atraso na emissão dos vistos. Escolheu o Instituto Politécnico de Bragança, pela convenção existente com a sua instituição de ensino na Argélia, a Hassiba Benbouali University. “Eu e um colega começámos o curso em setembro. Por ano, temos um gasto de €2200. Trabalho como assistente de farmácia e tenho de pagar pela minha educação, mas até hoje o Governo português não nos disse absolutamente nada e o instituto, que não fará nenhum tipo de reembolso, avisou que não há possibilidade de oferecer aulas online”, explica.
Ali conta ainda ter recebido uma mensagem da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), dizendo que deveria comparecer na agência de Vila Real no dia 7 de abril. “Como é que a AIMA pode enviar-me um agendamento, sendo que ainda nem recebi o convite para solicitação de visto no consulado de Portugal na Argélia?” O Expresso contactou a AIMA, mas até ao fecho desta edição não obteve resposta.
Outro caso ouvido pelo Expresso foi o do argelino Mohamed Adem, de 25 anos, inscrito no curso de Engenharia Alimentar da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD). Há quase um ano à espera da entrevista para o visto, diz que se sente desesperado, já que o valor pago e não reembolsável de €1275 é muito alto para a sua situação financeira. O seu nome está na lista de aprovados pela UTAD desde julho de 2024.
O jovem alega ter contactado a universidade para expor a situação junto da reitoria, mas recebeu a resposta de que nada poderia ser feito. “Se não conseguir a minha entrevista para o visto, perderei todo o dinheiro que paguei”, revela. Os estudantes dizem conhecer dezenas de argelinos nesta situação.
Mestrado mais distante
A brasileira Carolina Martins enfrentou uma situação parecida. Em 2021, teve o visto indeferido mesmo sendo aprovada para o curso de Engenharia Eletrotécnica na Universidade de Coimbra. As autoridades recusaram o pedido alegando que “havia risco de uso indevido”, mesmo após o pagamento de €1500 de matrícula.
“O meu caso foi muito chato porque também tive de manter o pagamento das propinas.” Na altura, Carolina chegou a dar entrada com um processo administrativo que foi indeferido semanas depois. Quando pediu apoio à universidade, a instituição respondeu que ela tinha de se apresentar para as frequências de janeiro ou perderia o semestre. “Tive de embarcar como turista e realizar a regularização através da antiga lei de Manifestação de Interesse. Fui obrigada a fazer isso para poder estudar e não perder o dinheiro que já tinha investido”, explica a jovem.
Carolina Martins acredita que deve levar, pelo menos, mais dois anos para concluir a licenciatura porque teve de começar a trabalhar para conseguir suportar os custos. “Hoje, estudo em regime parcial, já que a minha carga horária como trabalhadora da restauração é de 20 a 30 horas semanais, podendo chegar a 40 horas nos períodos de alta temporada.” Mesmo dando continuidade à licenciatura, a brasileira confessa que se sente frustrada porque o objetivo principal era o mestrado, sendo agora praticamente “impossível chegar até lá” por causa dos custos elevados.
Contactado pelo Expresso, o Ministério de Negócios Estrangeiros (MNE) afirma que o “objetivo prioritário” do Governo é “melhorar e agilizar” o processamento de vistos na rede consular portuguesa, onde “a procura superior à capacidade de resposta” tem causado aos utentes a perceção de que existe uma “dificuldade no processamento” de documentos.
Universidades prejudicadas
“Sabemos que os tempos de espera para visto de estudantes variam muito, estando por vezes muito além do desejável”, admite o presidente do Conselho dos Reitores das Universidades Portuguesas, Paulo Jorge Ferreira, acrescentando que os prazos variam muito entre países e até postos consulares. “Há casos em que o processo se resolve em cerca de um mês, mas há outros que podem levar meio ano ou mais, como chegou a acontecer na Guiné-Bissau. É preciso cautela ao retirar conclusões gerais com base nos exemplos mais extremos”, ressalva.
Sobre a demora nos postos consulares, o também reitor da Universidade de Aveiro explica que, por vezes, há dúvidas quanto à origem e autenticidade dos documentos, o real motivo do pedido de visto ou a posse de meios de subsistência. E há países onde o processo é instruído junto de empresas subcontratadas, que têm listas de espera, e só depois é encaminhado para o posto consular, o que também faz atrasar o processo. No caso da Universidade de Aveiro, os alunos provenientes da Argélia, Paquistão e Irão são os que têm esperado mais tempo, seguidos de alguns postos consulares no Brasil. A situação afeta, inclusivamente, investigadores e professores estrangeiros.
Também os politécnicos são afetados pela demora: "Os atrasos na concessão dos vistos de estudantes para entrada no país e, mais tarde, do título de residência são um problema grave para os alunos e para as instituições de ensino superior que os acolhem", confirma Orlando Rodrigues, membro do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP) e presidente do Politécnico de Bragança (IPB), uma das instituições que acolhe mais estudantes estrangeiros.
No caso do IPB, "apenas 65% dos estudantes internacionais chegam à instituição sem atraso ou com um atraso inferior a um mês; 18% chegam com um atraso de um a quatro meses e 16% com ainda mais atraso, contado a partir do início das aulas". O caso mais grave, com um atraso médio de cinco meses, é o da Guiné-Bissau, acrescenta Orlando Rodrigues, seguindo-se vários países africanos como Angola, Argélia, São Tomé e Príncipe, Cabo e ainda Timor-Leste.
O vice-presidente da Associação Portuguesa do Ensino Superior Privado (APESP), José Manuel Silva, faz um diagnóstico também grave, classificando a situação atual como insustentável: “Há estudantes com interesse em frequentar o nosso ensino superior que esperam meses — muitas vezes perdem mais do que um semestre dos seus cursos — devido à burocracia. Os tempos de espera chegam a ser de nove meses. Segundo os dados mais recentes que recolhemos, pedidos de visto enviados ainda em setembro de 2024 receberam resposta apenas neste mês de maio e foram indeferidos. É imperativo corrigir esta situação com urgência e visão estratégica”, defende o responsável.
“Temos conhecimento de uma instituição associada da APESP onde em 2023 foram aprovados vistos para 14 alunos da Ásia. A taxa de permanência destes estudantes é de 93% (o que significa que num grupo apenas 1 aluno desistiu). Contudo, nos anos seguintes, mais nenhum dos alunos desta instituição viu os seus vistos aprovados”, diz.
A situaçãolimita também a capacidade de atração e planeamento das instituições de ensino superior, critica o vice-presidente da APESP: “Neste momento, há instituições que temem pela continuidade de alguns dos seus mestrados, uma vez que os alunos inscritos não os podem frequentar”.
A imagem de Portugal enquanto destino académico credível e competitivo também é prejudicada. O recurso ao mercado internacional de ensino superior é imprescindível para atrair talento, mas também como fonte de receita. José Manuel Silva lembra o exemplo de países como Irlanda, França, Alemanha ou Espanha, “que têm beneficiado da internacionalização do seu ensino superior através de políticas públicas bem estruturas e entidades nacionais dedicadas à promoção externa da sua oferta formativa”.