Sociedade

Movimento Zero toma conta do protesto das forças de segurança

O que começou por ser uma ação espontânea rapidamente foi assumida pelo movimento ligado ao Chega. “Parece óbvio que existem duas linhas ideológicas bem distintas entre os que representam a massa sindical e os que se associam ao Zero e à extrema-direita, da qual se viu o impacto que testemunhamos”

“Um polícia é hoje tratado como um bandido, um miserável que não ganha um mínimo para manter uma vida digna, enquanto luta para manter a lei e a ordem.” A frase de André Ventura, líder do Chega, foi proferida nos Açores e registada em vídeo, ainda os protestos das forças de segurança eram incipientes. O vídeo, dirigido especificamente aos polícias, foi “bem acolhido e percebeu-se que era preciso trazer o Chega para dentro dos protestos”, revela ao Expresso um sargento da GNR integrado no Movimento Zero, a organização que surgiu em 2019 depois da condenação de vários agentes da Divisão da Amadora por agressões a seis jovens da Cova da Moura.

Há muito que “o Chega tem nas forças de segurança, através do Movimento Zero, centenas de apoiantes”, diz também um dirigente do partido de Ventura. Um coronel da GNR admite: “Sabemos que o Chega tem agregado efetivos nas forças de segurança, que veem naquele partido o único que defende as suas reivindicações.” Pedindo anonimato por “questões disciplinares”, explica que “há grupos formais e informais do Movimento Zero e os protestos promoveram uma onda forte de novas adesões”.

Este coronel, condecorado e reconhecido na GNR, lembra que “tem havido falta de coragem para estudar esta contaminação”. E aponta exemplos da “aproximação” que o partido de André Ventura faz às forças de segurança, como o “envio de inquéritos por WhatsApp”.

“Está online o questionário para avaliação da satisfação nas forças e serviços de segurança, cujos resultados serão entregues diretamente ao Presidente André Ventura.” A mensagem foi enviada a milhares de agentes e militares das forças de segurança e esteve disponível no portal do Chega num link entretanto apagado. “Não há coincidências”, adianta o oficial. “As ideias do Chega são iguais às reivindicações dos elementos das forças de segurança, os profissionais reveem-se nesse discurso”, prossegue o coronel da GNR.

Um comandante de esquadra também ouvido pelo Expresso sublinha que “a segurança é um assunto inconveniente para a esquerda” e que “militares e polícias estão mais disponíveis a esta simbiose que surge da direita, partilham a mesma base ideológica”.

O protesto, que começou como um movimento espontâneo, depressa passou a ser mais organizado. Ao segundo dia as fileiras engrossaram e os modos de luta alteraram-se. Começaram a surgir viaturas avariadas, rádios desligados, pneus vazios e manifestações simultâneas nas capitais de distrito.

“Há dois grupos, o genuíno e o do Movimento Zero que está a ganhar força, tem mais poder organizativo e mais presença nas diferentes esquadras”, expõe um comissário do Comando Metropolitano do Porto. E as diferenças com os representantes sindicais das polícias também é vincada, refere o coronel da GNR acima citado: “Parece óbvio que existem duas linhas ideológicas bem distintas entre os que representam a massa sindical e os que se associam ao Zero e à extrema-direita, da qual se viu o impacto que testemunhamos.”

No comando de Coimbra da PSP a ligação ao Chega e ao Movimento Zero também é percetível. “Não há dúvida que isto foi um movimento genuíno, que foi assumido pelo Movimento Zero e pelo Chega”, diz um dos agentes.

Chega ao lado dos polícias

Um supervisor da PSP reconhece “cansaço” nas forças de segurança. “Foram muitos anos em que a sociedade civil e os sucessivos Governos, do PS e PSD, não colmataram as necessidades das polícias”, diz este antigo candidato do Chega, em 2019 e em 2021. “Hoje um polícia ganha mais 17% que o salário mínimo e isso não é justo”, sustenta.

António Reis, antigo polícia florestal e conselheiro nacional do Chega assume a ligação. “É público que o Chega é única força política a defender militares e polícias que têm razão nas suas reivindicações.” O conselheiro nacional critica a “redução de meios nas forças de segurança, que estão na origem do aumento da criminalidade, a par dos baixos salários, que têm que ser aumentados e não mitigados com subsídios”.

Peixoto Rodrigues, antigo dirigente sindical da PSP e candidato às europeias numa lista que integrou o Chega, explica a ascensão do Movimento Zero na PSP: “Sem terem os mesmos direitos, os polícias precisam destes movimentos para não serem perseguidos disciplinar e politicamente.”

Direção toma medidas

Depois de uma reunião entre o ministro da Administração Interna e a direção da PSP, na quarta-feira, os agentes foram avisados que as viaturas iam ser alvo de perícias e que em caso de falsidade, sabotagem ou falsas avarias, o comando promete “a instauração de um processo disciplinar”.

Barros Correia, diretor nacional da PSP, voltou a apelar ao “bom senso e inteligência”, garantindo agir disciplinarmente contra os que “ponham em causa o cumprimento da missão de segurança pública”. E avisou: “Neste protesto, não vale tudo.”