Foi tudo muito rápido. Passavam poucos minutos das dez da manhã. A atriz trans Maria João Vaz, de 58 anos, estava a tomar o pequeno-almoço em sua casa e, com espanto, recebeu uma chamada da produção da peça de Daniel Gorjão a perguntar se estaria disponível para substituir naquele mesmo dia, ou nos dias seguintes, o ator André Patrício, que interpretava a mulher trans “Lola”, na peça “Tudo Sobre a Minha Mãe”, em cena no Teatro São Luiz, a partir do texto de Samuel Adamson, que adaptou o famoso filme de Pedro Almodóvar para teatro.
Maria João tinha acabado de ver numa ‘story’ do Instagram o vídeo da invasão de palco da atriz e performer trans brasileira Keyla Brasil, que passou a ser notícia em todos os jornais e televisões e que instalou uma acesa discussão nas redes sociais sobre inclusão, diversidade e a liberdade da arte. As opiniões dividem-se sobre a ação de protesto ocorrida na noite de quinta feira, organizada por um grupo de ativistas trans, que lançaram dois longos panos brancos do primeiro balcão até à plateia escritos com a palavra “transfake” em letras garrafais, a culminar no momento em que Keyla saltou seminua da plateia para o palco, interrompendo aos gritos a cena, exigindo ao ator André Patrício, no papel da personagem trans “Lola”, que saísse de cena. “Transfake! Desce do palco! Tenha respeito por este lugar!”
Recorde-se que a peça não voltou a ser retomada nessa noite, e o elenco chegou a ir à boca de cena. A atriz Maria João Luís ainda se dirigiu à protestante, de mãos estendidas, dizendo: “Estamos aqui a fazer um espetáculo que defende a vossa luta.” Keyla corrigiu-a: “não defende, estão excluindo.”