Sociedade

Julgamento de jiadista luso-holandesa: “Ir para a Síria foi o maior erro da minha vida”

Ângela Barreto juntou-se ao Daesh em 2014. Está detida nos Países Baixos desde 2021 e é acusada de ter pertencido a uma organização terrorista

A jiadista luso-holandesa Ângela Barreto, de 26 anos, acusada de ter aderido ao autoproclamado Estado Islâmico (Daesh), está a ser julgada no Tribunal de Roterdão. Na última audiência, na semana passada, apareceu vestida com véu islâmico (niqab).

O Ministério Público dos Países Baixos pediu uma pena de seis anos de prisão para Ângela Barreto. Naquele país, nunca antes tinha sido pedida uma pena tão pesada contra uma mulher com ligações ao Daesh.

Em novembro 2020, Ângela Barreto apresentou-se no consulado holandês na Turquia, tendo sido imediatamente detida. No início de 2021, foi enviada para os Países Baixos. Atualmente está presa na prisão de Zwolle, no Leste da Holanda. Esta prisão é a única do país para suspeitas femininas de terrorismo.

No tribunal, a ex-mulher de três combatentes do Daesh mostrou arrependimento. Em lágrimas, disse ao juiz que ter ido para a Síria “foi o maior erro” da sua vida.

Inicialmente, no autodenominado Califado, sentia que tudo era uma grande aventura, garantindo desconhecer as atrocidades cometidas pelo grupo terrorista. Mas a vida na Síria foi mais dura do que ela imaginava. Faltava água corrente, eletricidade, e de acordo com o seu testemunho, o marido português, o jiadista Fábio Poças, maltratava-a.

No tribunal de Roterdão, Ângela Barreto disse também que foi colocada numa lista do Daesh de pessoas condenadas a apedrejamento. Tentou várias vezes fugir do bastião jiadista e conseguiu finalmente atravessar a fronteira para a Turquia em novembro de 2020.

Nos Países Baixos, o seu sonho era viver uma vida completamente diferente: abrir um restaurante e dar emprego a jovens com problemas de acesso ao mercado de trabalho.

O Ministério Público não acredita na versão de Ângela Barreto e diz que a ex-jiadista está a fingir a imagem de uma jovem ingénua. Na verdade, a luso-holandesa teria sido “uma verdadeira mulher do Daesh” que apoiou os três maridos, combatentes dos terroristas. E mais: teria tentado, através das redes sociais, recrutar três raparigas dos Países Baixos para se juntar ao Daesh na Síria. “Ela contribuiu para a morte de muitas vítimas que foram brutalmente assassinadas. Ela permaneceu no califado até ao último suspiro”, disse o procurador.

O advogado de Ângela Barreto, Jeffrey Jordan, chamou no entanto a atenção do juiz para o facto da luso-holandesa ter tido “uma juventude difícil” e que por essa razão deve ser considerada de “responsabilidade diminuída”. Ela “não se radicalizou”, frisou o advogado.

O caso de Ângela Barreto não é único nos Países Baixos. Na semana passada, as autoridades repatriaram cinco mulheres holandesas do Daesh da Síria, com onze filhos. As mulheres também foram presas na prisão de Zwolle.

Quanto a Ângela Barreto, a sentença do tribunal será anunciada dentro de duas semanas.

Quatro jiadistas com sangue português estão vivos

Ângela Barreto viajou dos Países Baixos para o Daesh em agosto de 2014 para se casar com o português Fábio Poças, dado entretanto como morto em combate. Depois, voltaria a casar-se com outro radical islâmico, Nero Saraiva, um dos mais influentes e perigosos jiadistas portugueses, e que se encontra atualmente preso numa prisão iraquiana. Nero dificilmente será extraditado para Portugal e pode inclusive ser julgado e condenado à morte naquele país do Médio Oriente.

Outro jiadista com sangue português, Steve Duarte Amieiro, encontra-se detido numa prisão na Síria. E existe ainda um outro português, com o apelido Cabral, que sobreviveu à queda do Daesh, mas que se encontra em parte incerta. Há mais de um ano que é procurado pelas autoridades.

Do “contingente” de jiadistas lusos, onze terão morrido em combate, de acordo com dados das polícias e serviços de informações portugueses. Há neste momento, algumas viúvas e órfãos de ex-combatentes portugueses detidos em campos na Síria. Esperam um dia poder ser repatriados para a Europa.