Sociedade

Agricultor Luís Dias vai voltar à greve de fome, mas em vez de Belém vai agora para São Bento: “Que alternativa tenho?”

O agricultor foi chamado pelo secretário de Estado esta terça-feira mas a reunião terminou sem soluções. Luís Dias diz que o Governo continua sem assumir a responsabilidade que o relatório da Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território lhe atribui relativamente aos prejuízos na Quinta das Amoras

Há menos de seis meses, Luís Dias terminava uma greve de fome de 28 dias em frente ao Palácio de Belém, a residência oficial do Presidente. Agora volta à mesma estratégia porque nada mudou desde então: a partir desta sexta-feira, o agricultor vai retomar a greve de fome. O local agora será o Palácio de São Bento, residência oficial do primeiro-ministro. “A responsabilidade última é dele. Aquilo que a ministra da agricultura faz e não faz só pode ser responsabilidade do primeiro-ministro”, diz ao Expresso.

“Que alternativa tenho? Pelo menos vou mostrar às pessoas a diferença entre a propaganda e a realidade. Não me deram uma única alternativa, qualquer esperança que fosse”, lamenta Luís Dias. “É inverno, passaram só seis meses. Dificilmente escapo vivo, tenho consciência disso.”

A decisão foi tomada esta terça-feira, depois de Luís se ter reunido com o secretário de Estado da Agricultura. “Chamaram-nos para propor reduzir o tamanho da nossa quinta e assim ser mais fácil investirmos na reconstrução. Nós? Ao fim de sete anos completamente na miséria, nós é que temos de encontrar meios para reconstruir aquilo que os funcionários do Estado destruíram. Foi a coisa mais surreal, louca e doentia a que já assisti. Não nos deram uma única solução”, diz.

Foi em 2017 que a Quinta das Amoras, de que Luís Dias é proprietário com a mulher, foi atingida por uma tempestade, que destruiu metade das estufas. Estimavam então que a reconstrução custasse 120 mil euros (40 mil de investimento próprio, mais 80 mil de fundos europeus). O agricultor deu entrada de um pedido junto da Direção Regional de Agricultura e Pescas do Centro para receber fundos europeus que tinham como objetivo ajudar na reconstrução. Na altura, a instituição recusou e não ativou os fundos – e é aqui que os relatórios atribuem a responsabilidade ao Governo, considerando esta recusa errada.

Dois anos depois, em 2019, a Provedoria de Justiça deu razão a Luís mas o pagamento nunca chegou a ser feito.

Entre a recusa de ativar os fundos e recursos de decisão, o tempo passou e o terreno manteve-se sem qualquer reconstrução. Uma segunda tempestade destruiu por completo as estufas da quinta. “A fatura da reconstrução disparou para 240 mil euros, 100 mil nossos e 140 de fundos europeus”, refere Luís. Desde então, “as plantas morreram, tudo se degradou”, a produção parou.

Luís não tem possibilidade de fazer o investimento próprio na quinta e o Governo “recusa dar mais um euro que seja além dos fundos europeus que devia ter dado em 2018”. “Mas para ‘facilitar’, disseram-nos agora que aceitavam que, em vez de reconstruirmos os quatro hectares, reconstruíssemos apenas um e davam-nos um quarto dos fundos”, conta.

O objetivo seria reduzir os custos da parte que seria paga inicialmente pelo agricultor. “O relatório da Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAMAOT) diz claramente que o Estado foi responsável por paralisar durante seis anos a exploração e ainda assim o Ministério da Agricultura insiste que não é responsável por nada”, acusa o agricultor, que critica a falta de disponibilidade do lado do Governo para fazer um acordo ou um plano de recuperação da quinta.

Em resposta à Lusa, o Executivo confirmou o encontro e assegurou que o financiamento de 140 mil euros vai estar disponível “até a beneficiária decidir pela sua utilização” – neste caso trata-se da mulher de Luís Dias. “Nesta reunião [de terça-feira], o Ministério da Agricultura reiterou que, no âmbito do projeto aprovado na medida 6.2.2 – Restabelecimento do Potencial Produtivo da Exploração Agrícola do PDR2020 [Programa de Desenvolvimento Rural], foi atribuído um financiamento a fundo perdido, no valor de 140 mil euros, para apoiar a recuperação da designada Quinta das Amoras, cujas estufas/túneis foram destruídas pelo vento.”

Na mesma nota, o Ministério assegura que vai cumprir a decisão do Ministério Público, que atribui responsabilidade ao Estado, e promete que vai prestar apoio “no cumprimento das formalidades legalmente necessárias ao pagamento da referida ajuda e/ou em alternativa, a um eventual ajustamento da operação de recuperação da Quinta das Amoras, de forma a responder às atuais necessidades da referida exploração agrícola”.

Ainda assim, o valor disponibilizado agora pelo Governo não é suficiente, explica Luís. Com passar do tempo sem ter capacidade de reconstruir e produzir, o agricultor estima que os prejuízos tenham ultrapassado significativamente os 240 mil euros. “Esperam que sejamos nós a pagar. Como? Não faço ideia. Nós sem produzirmos, o banco caiu-nos em cima. Com tudo isto a quinta esteve totalmente parada 4 anos.”

Foi entre maio e junho, que Luís esteve em frente à residência oficial do Presidente e, quando pôs fim à greve de fome ao 28º dia, já tinha deixado o aviso: “Se até ao final do ano não tivermos uma solução, volto para Lisboa, para novo protesto, desta vez em frente à residência do primeiro-ministro”.