Ao contrário do céu, o interior da Terra não é transparente. E por isso a um sismólogo como Fernando Carrilho deparam-se desafios bem diferentes de colegas de outros departamentos do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), que podem relacionar as previsões do dia anterior com as nuvens que veem no horizonte. “Há sismos com origem a 10, 20, 100 ou mais quilómetros de profundidade... e as tecnologias existentes não permitem saber o que se passa nesses locais”, explica o chefe da Divisão de Geofísica do IPMA.
Nos anos 70, vários cientistas tentaram encontrar forma de prever sismos — mas esse primeiro ímpeto perdeu grande parte da força passados 20 anos. “Se disser que vai ocorrer um sismo de magnitude 3 ou 4 em Lisboa, poderei estar correto (devido às características da região). Mas não consigo saber quando vai ocorrer esse sismo. Uma previsão tem de ter instante de ocorrência, local e magnitude, caso contrário não é uma previsão de sismo”, acrescenta Fernando Carrilho.
A expectativa do século passado gorou-se e os avanços tecnológicos recentes também não têm ajudado muito. “Já se fazem tomografias do interior da Terra, mas as imagens não têm muita resolução, além de exigirem campanhas científicas muito caras e morosas”, explica Rui Moura, professor da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto.
Perante a dificuldade na recolha de dados, alguns cientistas ainda tentaram estabelecer uma relação entre sismos e alterações de campos eletromagnéticos ou emissão de gás radão. Mas esses estudos também foram inconclusivos. “Há vários locais com aumento de emissões de radão e alteração de campos eletromagnéticos e que não sofreram sismos”, lembra Fernando Carrilho.
À falta de solução, os esforços passaram a incidir na mitigação. E o Japão, com quatro mil estações sísmicas e redes de sensores no Pacífico, é a referência nesta abordagem. As ondas sísmicas percorrem o fundo do oceano a velocidades de quatro a sete quilómetros por segundo, mas as redes de sensores “ultrapassam-nas”, por viajarem à velocidade da luz, permitida pela fibra ótica. O que dá para emitir alertas dezenas de segundos antes de o sismo afetar o arquipélago, famoso pela automatização. “Mesmo que sejam três segundos de avanço, já faz diferença. É o tempo suficiente para se abrirem portas, se desligar o gás ou os elevadores pararem no sítio certo de forma automática”, refere Rui Moura.
México e EUA já têm redes de sensores — e há planos para Portugal se juntar ao clube da “mitigação”. O projeto tem sido desenvolvido pelo IPMA, Instituto de Telecomunicações e Instituto D. Luís, no consórcio LEA. O objetivo é aproveitar a substituição do anel de cabos de telecomunicações submarinos que ligam continente, Açores e Madeira por cabos com sensores. Fernando Carrilho acredita que o investimento compensa, “mesmo com um acréscimo de 10% nos custos”.
A renovação terá de ficar concluída até 2027, quando os atuais cabos terminam o ciclo de vida. “O Orçamento do Estado já previa este investimento, só que acabou por não ser aprovado. É uma decisão imperiosa que vai ser necessário tomar em breve”, conclui Fernando Carrilho.