Sociedade

Médicos que desistem da ADSE são afastados um ano

Nova regra impede os clínicos de assistirem os beneficiários em regime livre. Atos não são reembolsados ao doente

Foto: Paulo Vaz Henriques

A partir de agora, os médicos das unidades privadas que rescindam o acordo com o subsistema de saúde dos funcionários públicos, ADSE, ficam impedidos de tratar os beneficiários em regime livre durante um ano. O doente só pode manter esse clínico se pagar os cuidados na totalidade, sem direito a qualquer reembolso.

A medida é nova e faz parte das regras gerais da ADSE para as convenções com os prestadores da rede privada. No documento que acompanha as tabelas em vigor desde setembro, sob acesa polémica, a restrição é detalhada: os médicos que rescindam ficam impedidos de manter os doentes ou de admitir novos beneficiários da ADSE “no mesmo local de prestação e na mesma especialidade” que tinham à data da parceria com o subsistema.

O Expresso questionou a ADSE e os maiores grupos privados de saúde sobre o número de médicos que terão optado por cessar os cuidados a doentes com o subsistema do Estado, mas ficou sem resposta. De todos, a que chegou foi semelhante: que ainda estavam a dimensionar esse universo.

Já o presidente da Associação Portuguesa de Hospitalização Privada, Óscar Gaspar, afirmou que “a regra é nova” e que “não existia qualquer restrição semelhante no passado”. A alteração foi para pior, garante. “A ADSE está no seu direito de convencionar ou não com os prestadores que entende, como sempre aconteceu, mas preocupa-me muito o impacto desta regra na vida dos doentes, pois levará a acompanhamentos médicos interrompidos e descontinuados.”

A mesma preocupação é expressa pelo bastonário da Ordem dos Médicos. Miguel Guimarães afirma que “a Ordem foi a primeira instituição a alertar para este problema, quando manifestou publicamente a sua apreensão perante o impacto que as alterações podiam ter, nomeadamente no acesso aos médicos, mas também à inovação”. A crítica é mais profunda: “Impedir que os doentes continuem a ser seguidos pelo mesmo médico no regime livre é obrigar a um corte abrupto na relação médico-doente e no plano de tratamento que estava definido, o que, além de reduzir o acesso, pode também ter impacto negativo na vida dos doentes”, explica.

A ADSE não respondeu ao Expresso, mas na informação online aos beneficiários garante que foram “residuais os casos de pedido de saída das convenções”. Mesmo assim, está a “trabalhar na diversificação de prestadores para alargar a oferta, suprimindo o eventual impacto da retirada de alguns atos médicos”. E promete reagir às rescisões: “A ADSE está a ponderar a possibilidade de denunciar a convenção nas áreas ou valências em que se verificar que a prestação de serviços por um prestador não é integrada ou que o corpo clínico afeto à convenção não é suficiente.”

Os privados, através de Óscar Gaspar, não criticam a ADSE. “É à ADSE que compete pugnar por garantir a cobertura dos adequados cuidados de saúde aos seus beneficiários, pelo que essa afirmação é positiva.” No entanto, “assim sendo, compreende-se mal por que há reações tão negativas à decisão legítima dos operadores de indicarem em que casos deixa de ser possível assegurar o regime convencionado”.

Segundo o relatório do orçamento da ADSE para 2022, até 31 de dezembro deste ano os beneficiários serão 1,3 milhões. Um em cada oito portugueses vai estar coberto pelo subsistema de saúde do Estado. Só durante o período extraordinário de adesão de trabalhadores públicos com contratos individuais de trabalho, fechado a 9 de setembro, entraram 105 mil novos elementos. A média de idades é de 39 anos e a “esmagadora maioria pertence a entidades do sector da saúde”.

E em 2022 os custos para a ADSE também serão maiores. Estão previstos aumentos de 407 milhões para 470 milhões de euros nos convencionados e de 154 milhões para 170 milhões de euros no regime livre.