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Canábis: legalização do consumo recreativo deve ser ponderada, mas Portugal ainda é um país “conservador”

A opinião é de João Leitão Figueiredo, sócio do escritório de advogados CMS Rui Pena & Arnaut, responsável pela análise da legislação portuguesa sobre os usos da canábis que foi incluída num relatório sobre 30 países, publicado em 2020. A legalização para fins recreativos "ainda enfrenta alguma resistência no panorama nacional e europeu", mas tem ganho força a nível internacional. O jurista defende que dar esse passo iria trazer um "impacto económico e social positivo", mas avisa: "O debate deverá ser sério e focado na temática técnica" e não "baseado em opiniões pessoais ou na imagem social que uma tomada de posição poderá implicar"

Sáshenka Gutiérrez/EPA

A legalização da canábis para fins recreativos está outra vez na agenda em Portugal: na semana passada, mais de 60 personalidades enviaram ao Parlamento uma carta aberta a defender a venda legal desta planta a cidadãos maiores de 18 anos. Pedem uma lei que estabeleça regras de cultivo e produção, e que limite o nível máximo de THC, a principal substância psicoativa da canábis, nos produtos vendidos. A razão é simples: “A venda de canábis no mercado ilegal está a provocar um efeito perigoso em termos de saúde, devido ao aumento descontrolado e contínuo da [sua] potência”, apontam, lembrando que isso aumenta o risco de dependências e de doença mental - como a esquizofrenia.

Em abril do ano passado, o escritório de advocacia CMS Rui Pena & Arnaut elaborou um relatório que analisava as diferentes legislações de 30 países quanto à canábis e às suas aplicações: medicinais, industriais e recreativas. O estudo mostra que o uso desta planta na medicina já está previsto na lei em 24 desses 30 países - incluindo Portugal. No entanto, o consumo recreativo ainda só é permitido em três países: na Suíça, onde a planta e seus produtos derivados podem ser produzidos, vendidos e consumidos, mas apenas se tiverem menos de 1% de THC; na África do Sul, desde que a planta seja cultivada e consumida por adultos em privado; e nos Países Baixos, onde se pode cultivar um máximo de cinco plantas e a compra e consumo da substância pode ser feito em locais próprios para o efeito (as chamadas smartshops).

Em entrevista ao Expresso, João Leitão Figueiredo, sócio da CMS Rui Pena & Arnaut, aponta as vantagens da legalização e dá pistas sobre os pontos que devem ser acautelados numa eventual mudança legislativa - sempre com o objetivo de proteger a saúde pública. Além disso, diz que a produção da canábis para fins medicinais, que já existe em Portugal, pode trazer muitas vantagens para a economia do país - mas só se a burocracia ajudar.

O relatório da CMS mostra que o mundo ainda é bastante conservador no que toca à legalização da canábis para uso recreativo, e Portugal está em linha com a maioria dos países. A legislação está a ser prudente e lenta, tendo em conta a atenção mediática do tema?

É perfeitamente normal e até expectável que a legislação se apresente mais “ponderada” do que as posições existentes na opinião pública, que não é consensual. A legalização ainda enfrenta alguma resistência no panorama nacional e europeu, porque é um passo que acarreta riscos ao nível da segurança e da saúde pública. Por isso, é necessário estabelecer os fundamentos de facto e de direito com muita prudência, assim como definir com rigor as diretrizes em que a sua execução e controlo devem assentar. E estes processos são lentos e complexos.