Sociedade

Fecho das escolas. Dois terços dos professores cortaram na matéria ou na avaliação

Estudo do Conselho Nacional de Educação retrata problemas e respostas dadas pelas escolas durante o primeiro confinamento. Mais de 90% assumiram não dispor de equipamentos para todos os seus alunos passarem para o ensino à distância. E mesmo contando com os recursos das famílias, 80% admitiram que a falta destes dispositivos em casa afetou o trabalho realizado. Do lado positivo, resultou uma maior valorização da escola por parte das famílias e ligação dos pais à escola

Para muitos alunos que não tinham computadores em casa, a telescola acabou por ser a forma de aprenderem enquanto as escolas estiveram encerradas
Nuno Botelho

A 12 de março de 2020 surgiu o anúncio e quatro dias depois praticamente todas as escolas do país encerraram portas, com 1,6 milhões de crianças e jovens a passarem a aprender de casa, num sistema de ensino à distância nunca antes testado com esta dimensão e duração. Não houve tempo de preparação, nem para professores nem para alunos. “O sistema educativo teve de reagir, com as forças e os meios de que dispunha e que pôde inventar, para assegurar a continuidade educativa, numa experiência ‘ao vivo’”. E é esse “momento irrepetível”, que o estudo agora divulgado pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) retrata, a partir de um inquérito a diretores e professores com funções de coordenação.

Faltando recursos, preparação e experiência, era previsível que a qualidade do ensino e do que foi aprendido num ano em que o 3º período foi cumprido em casa pela grande maioria dos alunos fosse afetada. Ainda que não da mesma forma para todos. Assim, metade dos professores que responderam ao inquérito do CNE, lançado em julho de 2020, disseram que o ensino à distância comprometeu as aprendizagens e outra metade afirmou que não. Em média, apontaram, 78% dos alunos cumpriram com regularidade as tarefas solicitadas. Mas também houve escolas onde mais de 5% dos estudantes não cumpriram qualquer atividade escolar durante o confinamento.

Num aspeto, todos estão de acordo: não foi fácil dar a matéria através das aulas online. Segundo os dados deste estudo, “dois terços (66%) dos docentes trabalharam num contexto em que nem todos os conteúdos inicialmente previstos para o 3º período/2º semestre foram abordados ou avaliados como havia sido planeado”. Detalhando: praticamente metade dos professores cortaram no programa, 7% decidiram não dar matéria nova e 11% optaram por avançar mas não avaliar o que fosse abordado de novo durante o período de aulas à distância.

As decisões variaram também consoante o nível de ensino. No secundário, com alunos mais autónomos e a importância das notas para o acesso ao ensino superior a pesar, metade dos professores mantiveram o plano inicial. Já no 1º ciclo, as dificuldades de ensinar remotamente crianças dos 6 aos 10, foram muito maiores. Apenas 19% dos docentes mantiveram a planificação.

A “conclusão mais grave”

Outro dos problemas incontornáveis traduziu-se na falta de recursos e competências digitais, ficando o ensino à mercê, pelo menos até que as escolas conseguissem garantir alguém que lhes fornecesse os equipamentos em falta, do que existia ou não em casa.

“Na opinião dos diretores, para fazer face ao ensino remoto, a maioria (92%) das escolas em Portugal não dispunha de equipamentos em número suficiente, nem de ligação à Internet com qualidade. E numa percentagem expressiva de escolas (80%), a falta desses dispositivos por parte de alunos e famílias afetou o trabalho realizado”, concluiu o estudo deste órgão consultivo.

Se se aliar à falta de meios, a incapacidade de muitas famílias, por desconhecimento ou condições de vida, de acompanhar e apoiar os estudos em versão de ensino à distância, fica evidente como a pandemia acentuou as desigualdades.

Os números falam por si: a maioria dos diretores (79%) e dos professores (80%) respondeu que o ensino remoto de emergência foi “afetado ou muito afetado” pela fala de formação adequada dos alunos e das famílias na utilização de recursos digitais. Metade identificou ainda a “inadequação das competências digitais dos professores” como tendo prejudicado as aulas à distância.

De acordo como o retrato traçado pelo conselho, as escolas com mais dificuldades em lidar com baixos níveis de competências digitais de alunos, famílias e professores integravam uma população desfavorecida, em que 30% dos alunos não tinham um computador em casa e onde mais de 5% não participaram em nenhuma das atividades escolas durante aquele período de emergência.

E é esta desigualdade de condições entre alunos – em casa e no apoio que as escolas conseguiram ou não dar – que o CNE aponta como a conclusão “mais grave” deste inquérito, respondido por responsáveis de 592 dos 940 agrupamentos do ensino público (taxa de amostragem de 63%).

“Embora o nosso sistema educativo pareça conseguir ser menos desigual do que a sociedade em que se insere, sem um esforço deliberado de discriminação positiva das escolas dos meios desfavorecidos, estas continuarão a ser também as mais desfavorecidas, não só não compensando e aproximando, mas podendo mesmo agravar situações de desigualdade entre alunos”, nota a presidente do CNE, Maria Emília Brederode dos Santos.

Enquanto uns seguiam as aulas online, para outros restou o regresso inesperado de uma telescola reconfigurada, com aulas diárias na RTP. Para três em cada quatro professores este foi um dos recursos educativos disponibilizados pelo Ministério da Educação sugerido aos seus alunos e que ajudou a “atenuar as desigualdades de acesso ao ensino e aprendizagem”.

O que fica de positivo

Apesar dos improvisos e das formações em modo acelerado e mais ou menos autodidata, diretores e professores assinalam alguns aspetos positivos deste conturbado período.

Desde logo na perceção da importância da escola a vários níveis: “O encerramento mostrou que as escolas não são apenas locais de aprendizagem, mas também um refúgio que tenta mitigar situações de pobreza e de falta de segurança a que muitas crianças e jovens estão sujeitos. E mostrou que as escolas não podem cumprir esta tarefa isoladamente”, assinala-se no estudo. Compreende-se por isso que 66% dos professores tenham manifestado o receio de que o fecho das escolas aumente as desigualdades sociais e 51% tenham apontado o risco de abandono escolar.

As famílias também sentiram no dia-a-dia a falta que a escola faz e, segundo os inquiridos, passaram a valorizar “mais” ou “muito mais” o seu papel. Não só na organização e apoio às aprendizagens, mas no “desenvolvimento de autonomia e sentido de responsabilidade”, bem como na “socialização” das crianças e jovens. A transmissão de conhecimentos só surge a seguir nas respostas de professores e diretores.

Por isso, nota o CNE, é importante capitalizar esta aproximação que aconteceu entre famílias e escolas.

Em geral, conclui-se “foram iniciadas dinâmicas de mudança que, alimentadas, poderão ajudar a encontrar melhores soluções para fazer face aos desafios e à incerteza que caracteriza o futuro”.