A iniciativa partiu dos hotéis, restaurantes e outras empresas turísticas no concelho de Odemira, forçados a encerrar devido à cerca sanitária, e através da associação Casas Brancas: avançar uma ação solidária, reunindo dinheiro e mais de uma tonelada de alimentos, para distribuir pelos imigrantes da região que ficaram privados de trabalho devido aos surtos de covid.
"A junta de freguesia de Vila Nova de Milfontes deu-nos a indicação de que havia filas de migrantes a pedirem comida, eles não estão a receber por estarem privados de trabalho", conta Mónica Mcguill, presidente da associação Casas Brancas. "Apercebemo-nos do problema e juntámos dinheiro para ajudar estas pessoas, que estão a ser vítimas duas vezes com esta situação".
A associação Casas Brancas reuniu na última sexta-feira 1300 quilos de alimentos básicos, como arroz, massas, atum, azeite, bolachas ou leite, e cerca de 1500 euros, com vista a preparar mais de três centenas de cabazes para distribuir pelos migrantes que na região se encontram à míngua. "Só numa hora, entre as duas e as três da tarde de sexta-feira, distribuímos 70 cabazes e esta terça-feira vai haver uma nova remessa", adianta Mónica Mcguill.
A Casas Brancas - Associação de Turismo de Qualidade do Litoral Alentejano e Costa Vicentina reúne mais de 60 associados, entre turismos rurais, restaurantes e atividades turísticas, mas a iniciativa solidária com os imigrantes alastrou a todas as 275 empresas turísticas que existem nas duas freguesias afetadas pela cerca sanitária: São Teotónio e Longueira/Almograve.
"Foi um movimento que rapidamente extravasou a associação, muita gente se juntou, e amigos que quiseram ajudar", refere a presidente da associação Casas Brancas, lembrando que a ação se estendeu às 940 empresas ligadas ao turismo em todo o concelho de Odemira.
"Somos um território que trabalha em rede e uma situação destas afeta todos os que no concelho de Odemira vivem de turismo, pois as pessoas vêm a um sítio para petiscar no outro, além de haver impactos a nível de fornecedores, etc", salienta Mónica Mcguill.
A ação solidária para dar alimentos aos imigrantes está longe de se ter esgotado, e segundo a associação o objetivo é que se estenda ao resto do país - estando disponível a conta da junta de freguesia para donativos para este efeito, cujo IBAN é PT-50 0045 6333 4011 3470 4021 1, e pedindo-se que se coloque o descritivo “migrantes”.
"Levantem a cerca sanitária e deixem-nos trabalhar, isto é uma barbaridade"
O recente caso do Zmar veio pôr a nu o problema mais estrutural da imigração que está a haver de forma descontrolada no concelho de Odemira devido ao aumento galopante da agricultura intensiva, em muitos casos de multinacionais.
"Não estamos numa cerca, estamos num circo", constata a presidente da associação Casas Brancas, lembrando que "o problema dos migrantes com a covid veio mostrar que a montanha pariu um rato, e se alguém disser que ficou surpreendido está a mentir, tudo isto já era esperado".
"Queremos é um levantamento da cerca sanitária, deixem-nos trabalhar e em segurança, já está na hora e não há dados que sustentem tamanha barbaridade", apela a presidente da associação turística, lembrando que no concelho há no mínimo 940 famílias a depender do sector, o que, incluindo trabalhadores, facilmente atinge 10 mil pessoas, que representam 40% do emprego na região.
Não há ainda indicações sobre quando poderá ser levantada a cerca sanitária nas duas freguesias em Odemira, "até porque a saúde não partilha dados com o município", refere Mónica Mcguill, lembrando que no concelho há 40 casos ativos de covid, circunscritos às explorações agrícolas e ao facto de os trabalhadores se aglomerarem em dormitórios, não estando o surto disseminado entre o resto da população.
"Não há justificação para continuar a cerca sanitária", reitera a presidente da associação Casas Brancas. "Na quinta-feira, 13 de maio, vai haver Conselho de Ministros, e como é dia de Nossa Senhora, vamos ter fé".
A associação Casas Brancas está a apelar ao Governo para "proceder ao levantamento imediato" da cerca sanitária nas freguesias de São Teotónio e de Almograve Longueira, passando-as para o nível de desconfinamento já aplicado às restantes 11 freguesias do concelho de Odemira.
"Decretar a vacinação urgente de toda a população do concelho de Odemira, incluindo a população migrante", a par de "reforçar medidas de fiscalização das condições de insalubridade e sobrelotação das habitações", procedendo-se ao isolamento das pessoas em caso da deteção de casos positivos de covid "da mesma forma que se faz nas escolas", são outros apelos da associação Casas Brancas ao Governo.
"Estamos desgastados, preocupados, e todos os que de nós dependem vivem momentos de grande ansiedade e incerteza", sublinha a associação que representa o turismo em Odemira, frisando estarem em causa "milhares de postos de trabalho, famílias inteiras e investimentos de uma vida que só pedem para voltar a trabalhar".
Está previsto que a agricultura intensiva 'debaixo de plástico' se multiplique por três nos próximos anos no Baixo Alentejo, com todas as consequências que traz a nível de importação de mão-de-obra, não havendo uma política concertada de imigração, nem capacidade de carga suficiente na região para alojar essas pessoas, que vêm sobretudo de países asiáticos, para trabalhar com baixos salários e sujeitando-se a ficar em dormitórios em condições insalubres.
"Se isto acontecer, é o descalabro", sustenta Mónica Mcguill. "Temos uma população local de 25 mil pessoas, e 15 mil a 16 mil migrantes, e a triplicar a produção agrícola passamos a ter 45 mil de população migrante. Não temos nada contra os imigrantes, somos um povo acolhedor, português e alentejano, mas há limites para a capacidade que temos e socialmente os resultados já estão à vista".