Sociedade

Magistrados impugnam diretiva da PGR e criticam “politização” da escolha do procurador europeu

Magistrados do Ministério Público temem “interferências apressadas”, sobretudo em casos mediatizados. Sobre a escolha de José Guerra para procurador europeu, consideram que houve “atropelos” e “falta de transparência”

Além de avançar judicialmente contra diretiva da PGR, magistrados do Ministério Público consideram que houve uma “politização de um cargo cujo objetivo é realizar a investigação criminal”, no caso da nomeação do procurador europeu José Guerra
Tiago Miranda

Os magistrados do Ministério Público vão impugnar judicialmente a diretiva da Procuradoria-Geral da República (PGR) que define o exercício de poderes hierárquicos na condução de um processo penal. Segundo os magistrados, a diretiva n.º 4/2020, publicada em novembro do ano passado, “viola frontalmente o novo Estatuto do Ministério Público” e põe em causa a autonomia interna da classe.

A decisão saiu de uma assembleia do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) que decorreu este sábado, através de videoconferência, e onde se concluiu que esta diretiva “não reconhece qualquer autonomia técnica e tática aos magistrados titulares dos processos para que estes possam conduzir as investigações, já que permite, a todo o tempo, a interferência dos superiores hierárquicos, que poderão ordenar a realização de diligências ou impedir que as mesmas se efetuem”.

Os delegados sindicais temem ainda “eventuais intervenções hierárquicas apressadas (motivadas por pressões políticas ou notícias da comunicação social)”, que “poderão comprometer as investigações ou fragilizar aquelas”, sobretudo em casos amplamente mediatizados. “Os magistrados titulares dos processos são as pessoas que conhecem melhor os mesmos”, escrevem.

A discórdia arrasta-se há um ano, quando a PGR, liderada por Lucília Gago, emitiu um parecer que estabelecia que a hierarquia do Ministério Público poderia intervir nos processos-crime. O SMPP posicionou-se imediatamente contra a ideia.

Na diretiva entretanto aprovada, lê-se que “a autonomia interna dos magistrados do Ministério Público pressupõe tanto a vinculação aos critérios de objetividade e de legalidade, como a sujeição às diretivas, ordens e instruções dos superiores hierárquicos, balanceada pela salvaguarda da sua consciência jurídica”.

“Atropelos”, “falta de transparência” e “politização” na escolha de procurador europeu

Além de avançar judicialmente contra a diretiva da PGR, os magistrados pedem ainda à direção da SMMP que repudie “de forma clara o modo como ocorreu o processo de nomeação do Procurador Europeu [José Guerra] e a politização de um cargo cujo objetivo é realizar a investigação criminal”.

Na nota enviada às redações, lê-se que “as nomeações de procuradores com base em critérios de natureza política podem comprometer a independência da investigação criminal” e que, “não pondo em causa os candidatos, o processo de nomeação do Procurador Europeu foi pautado por atropelos à legislação, falta de transparência, influência política, designadamente por via diplomática, na escolha de um dos candidatos”

Recorde-se que o Governo português enviou informação falsa e imprecisa em mais do que um ponto do currículo de José Guerra, escolhido pelo executivo para integrar a nova Procuradoria Europeia. A decisão foi contra o painel independente que avaliou o perfil dos candidatos de cada país, e que escolheu outra procuradora.

O magistrado foi entretanto nomeado procurador europeu nacional na Procuradoria da União Europeia, órgão independente de combate à fraude. Na sequência do caso, noticiado pelo Expresso, o Ministério da Justiça assumiu os “lapsos” e responsabilizou os serviços internos que redigiram a carta.