Sociedade

Primeiro vacinado é António Sarmento, médico do Hospital de São João

Tem 65 anos e 42 anos de serviço como médico. É diretor do serviço de doenças infecciosas do Hospital de São João. “Deixar-se vacinar é uma ajuda enorme à humanidade”, disse. Poucos minutos depois, também em Lisboa arrancou a vacinação contra a covid-19. Fernando Nolasco, médico de medicina interna, foi o primeiro: “Tenho mais receio da doença do que da vacina.” Os profissionais de saúde que já foram infetados não têm indicação para tomar a vacina, diz o diretor diretor clínico do Curry Cabral, Soares Branco

“Está bem?" "Estou!". Um penso e uma salva de palmas. A primeira vacina contra a covid-19 foi administrada em Portugal, a António Sarmento, diretor do serviço de Doenças Infecciosas do Hospital de S. João, no Porto, foi a primeira pessoa em Portugal a recebê-la. “Gostaria só de dizer que estou absolutamente tranquilo com a vacina, estou absolutamente confiante, otimista. E como qualquer outro cidadão, não corri atrás da vacina. Esperei que chegasse a minha vez, chegou. Fui chamado para a fazer e vim com toda a tranquilidade. É evidente que o risco não é zero, mas isso nunca o é para qualquer medicação ou vacina nova que se venha a desenvolver”, disse ainda.

António Sarmento tem 65 anos e 42 anos de serviço como médico, e recorda que “no seu tempo de médico” já surgiram uma série de vacinas novas.

“Deixar-se vacinar é uma ajuda enorme à humanidade”, acrescentou, tecendo elogios à união da comunidade científica, lembrando que houve muita partilha de informação e um “investimento económico brutal” com nos últimos meses. “Deixou de haver barreiras”, disse. E continuou: “Isto tem de nos fazer pensar que temos de ter confiança. Evidentemente o risco não é zero, mas a vida não se vive com risco zero. A opção contrária era não fazer a vacina e isso seria confiar de que não se vai apanhar a doença e, se apanhasse, nada lhe iria acontecer. A probabilidade de acontecer existe e é real.”

Enquanto António Sarmento despiu a camisa e se deixou vacinar, foi Ana Isabel Ribeiro quem segurou na seringa. A enfermeira do serviço que o médico coordena disse, no final, ter sido “uma honra” vacinar a primeira pessoa em Portugal. “Senti-me mais tranquila por ser o professor. Tem sido uma caminhada em conjunto. Foram meses muito duros, vimos doentes muito mal, doentes que infelizmente não conseguimos salvar. Outros refizeram as suas vidas, ainda que com algumas restrições”, reconheceu ainda. Depois de vacinar vários profissionais de saúde, seus colegas, também Ana tem marcação para as 15h36 deste primeiro dia de imunização em Portugal.

“Sentimos uma proteção para os nossos colegas neste que tem sido o ano mais difícil das nossas carreiras. Agora, sim, temos esperança para continuarmos o nosso trabalho de combate à covid-19”, disse.

No Hospital de São João estão agendadas, este domingo, 2.125 pessoas para serem vacinadas. A administração vai ser feita entre as 10h e as 20h e, caso não seja possível terminar, as doses podem ser tomadas até quarta-feira, uma vez que o prazo de validade das vacinas descongeladas se estende até então.

A adesão dos profissionais de saúde convocados para serem vacinados no Hospital de São João superou os 90%. Para este primeiro dia, foram escolhidos os que têm estado na linha da frente de combate à pandemia, como os dos serviços de urgência e dos cuidados intensivos covid, “mas também profissionais que lidam com doentes de muito risco, como a oncologia médica e a hematologia clínica”, explicou aos jornalistas Nelson Pereira, diretor da unidade autónoma de gestão da urgência e de medicina intensiva deste hospital.

É o caso de Inês Sousa, também ela enfermeira no Hospital de São João, há já 16 anos, no serviço de oncologia, para quem “é importante trabalhar com segurança”, admite. “Ao lidar com doentes de alto risco, oncológicos, é importante para mim saber que não vou prejudicar alguém que já numa situação muito difícil de doença e em risco de vida”.

António Sarmento, a primeira pessoa a ser vacinada contra a covid-19 em Portugal
RUI DUARTE SILVA

Em Lisboa também já arrancou vacinação

É no Hospital Curry Cabral que em Lisboa arranca a vacinação. O primeiro é o médico Fernando Nolasco. “Quero usar uma frase da altura Grande Guerra: isto não é o fim, isto nem é o principio do fim, é o fim do principio”, começou por dizer, citando Winston Churchill, o médico de medicina interna de 68 anos, que é o primeiro vacinado na região.

Uma dose administrada poucos minutos depois da campanha de vacinação ter arrancado no Porto. “Este é mais um dos pequenos passos, a medida de isolamento é ainda mais importante do que a medida da vacina. A vacina vem dar-nos alguma paz e sossego e permitir que as pessoas que trabalham todos os dias nesta situação não sejam infetadas. Cada profissional que é infetado implica uma série de alterações e é muito difícil”, continuou Fernando Nolasco. Disse ainda que tem mais receio em ter a doença do que em ser vacinado, em resposta sobre os medos e dúvidas que algumas pessoas têm sobre a vacina.

Já sobre o facto de pessoas com alergias poderem reagir mal à vacina, Fernando Nolasco defende que a administração “tem de ser conversada com o médico alergologista”. “Para esta vacina, como todas, há situações em que não devem ser dadas”, disse. “Tem havido muitos colegas, muitos enfermeiros, muitos auxiliares, muitos profissionais de saúde infectados."

No Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central foram mobilizados 100 profissionais para a vacinação. As vacinas chegaram ainda no sábado aos dois pólos de vacinação (ao Curry e ao São José). Cada frasco permite cinco vacinas, que são preparadas no momento por técnicos da farmácia e entregues aos enfermeiros para inoculação.

Fernando Nolasco foi o primeiro vacinado em Lisboa
José Fernandes

Depois do médico Fernando Nolasco mais oito pessoas são vacinadas. Uma delas é Célia Marques, tem 59 anos, trabalha no serviço de limpeza do serviço de doenças infectocontagiosas do Curry Cabral. É a preencher o inquérito prévio à vacinação que o Expresso a encontra. Diz que não tem medo, considera-se sempre uma mulher de coragem, acrescenta. Foi em fevereiro que começou a trabalhar com doentes covid e garante que “foi fácil adaptar-se”, pois foi-lhe dada toda a formação e equipamentos necessários. A única questão que lhe foi colocada foi pela filha. Perguntou-lhe se iria tomar a vacina. Disse que sim e do outro lado ouvi: “Que coragem, mãe.”

No total 2.145 vacinas vão ser administradas este domingo e segunda-feira no Centro Hospitalar Universitário Universitário de Lisboa Central (CHULC), que além do Curry Cabral inclui ainda os hospitais de São José, Maternidade Alfredo da Costa, Dona Estefânia, Capuchos e Santa Marta. Assim, nas próximas 48 horas, todos os profissionais dos serviços diretos à prestação de cuidados covid (transplantes, hemato-oncologia, cuidados intensivos e urgência, gastroenterologia, pneumologia, otorrinolaringologia), considerados os de maior prioridade. Além de médicos também são vacinados enfermeiros, assistentes técnicos, auxiliares e pessoal dos serviços de limpeza e de transporte de doentes.

Este domingo estão agendadas 1.602 vacinas no CHULC (801 em cada um dos pólos). Entre os cerca de oito mil profissionais de saúde (apenas 1500 estão na prestação direta à covid) que trabalham no Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, 95% dos colaboradores querem ser vacinados.