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“No Porto há fome em muitas casas e na rua”: o alerta das paróquias ao Estado e à sociedade

A Paróquia Nossa Senhora da Conceição é apenas um exemplo do que se está a passar na cidade. Antes da pandemia servia 160 refeições por dia. Agora serve 550. Das 123 mil refeições que serviu desde o início da pandemia, 75 mil foram para crianças com menos de 10 anos

João Lima

É um apelo inédito da igreja do Porto: "A pandemia levou a fome a muitas casas, para além da rua, e as capacidades das paróquias para acudirem a tanta situação de emergência está a esgotar-se". É assim que os párocos da cidade dão a conhecer a sua preocupação num comunicado que é também um alerta para o Estado e para a sociedade civil porque perceberam que "não poderão ir muito mais além" e "os números dos que procuram comida continuam a aumentar".

A Paróquia Nossa Senhora da Conceição, no Marquês, é apenas um exemplo do que se passa na cidade, mas pode ajudar a compreender a dimensão de um problema que parece crescer como uma bola de neve: em 2019, o grupo de voluntários que aqui trabalha servia, em média 160 refeições por dia, entre as 17h30 e as 20h00. Agora, está a servir 550. "Entre o início da pandemia, em março, e o dia 14 de dezembro, servimos 123.895 refeições. 75.145 foram para crianças com menos de 10 anos", contra o padre Rubens Marques, que lançou o projeto Porta Solidária para responder às necessidade dos que ficaram sem abrigo noutra crise, em 2009, e mesmo assim se surpreende com a forma como vê, agora, a fome alastrar.

"Para além dos sem-abrigo, passamos a ter os reformados que vivem sozinhos, num quarto, e só têm dinheiro para a renda, e temos cada vez mais pessoas aflitas depois de perderam os empregos na pandemia. Em maio, fizemos um inquérito e concluímos que os desempregados eram 52% das pessoas apoiadas na Porta Solidária", refere este padre que tem visto aumentar, também, o número de cidadãos estrangeiros à procura de ajuda, "em especial brasileiros que estavam no sector da restauração ou no turismo".

No verão, "tivemos grande afluência de jovens que trabalhavam em empresas de entrega ao domicílio, personal trainers dos ginásios, esteticistas, mas agora desapareceram porque foram voltando a ter trabalho", refere Rubens Marques consciente de que no trabalho que faz com um grupo de 73 voluntários fixos acaba por ir recebendo o impacto de todas as variações da atividade economica ao longo da crise.

"Todos os que aqui vêm precisam mesmo de ajuda"

E todo o trabalho se ressente, também, das regras impostas pelas medidas de segurança. "As pessoas comiam na igreja, agora tudo passa pelo take away, o que exigiu um enorme esforço de adaptação em apenas dois dias em termos de logística, para passar a oferecer o serviço no alpendre, já embalado", comenta.

Tem uma certeza: "Todos os que aqui vêm precisam mesmo de ajuda senão não se sujeitavam a ficar tanto tempo à espera numa fila debaixo de chuva torrencial, como acontece agora, ou sob sol intenso, como aconteceu no verão".