Sociedade

Santa Casa desvaloriza estudo que alerta para vício da raspadinha. “Jogo não coloca em causa o rendimento das famílias. É seguro e saudável”

Misericórdia considera que artigo publicado na “The Lancet Psychiatry”, da autoria de dois investigadores portugueses da Universidade do Minho e que alerta que a raspadinha está a tornar-se vício preocupante, “não pode ser classificado como estudo”, defendendo que falta “informação relevante”. São gastos mais de quatro milhões de euros por dia em raspadinhas em Portugal

JOSÉ CARLOS SANTOS

O alerta para o perigo do vício do jogo na raspadinha foi dado por um artigo publicado na revista médica “The Lancet Psychiatry”, mas é desvalorizado pela Santa Casa da Misericórdia, entidade responsável pelo jogo. Em resposta ao Expresso, a instituição põe em causa a credibilidade das conclusões da investigação levada a cabo por dois investigadores portugueses da Universidade do Minho.

“Importa esclarecer que o artigo em causa não pode ser classificado como ‘estudo’, sendo que os dados citados se limitam à reprodução de valores contidos no Relatório & Contas 2018 da Santa Casa e no relatório anual de 2019 da Dirección General de Ordenación del Juego, não contemplando informação relevante para uma temática que deve ser tratada com toda a seriedade e rigor”, pode ler-se no comunicado enviado ao Expresso. “Os Jogos Santa Casa lamentam que, a partir de dados genéricos e percepções sem qualquer tipo de fundamentação científica ou trabalho estatístico, se extrapolem conclusões genéricas.”

Em 2018, os portugueses gastaram quase 1,6 mil milhões de euros em raspadinhas - 4,4 milhões por dia, em média. O número é, em si, muito elevado, mas ainda mais se comparado com dados de 2010, em que foram gastos 100 milhões de euros nesse ano. E também se comparado com países como Espanha, onde foram gastos cerca de 600 milhões de euros em 2018. De acordo com Pedro Morgado, um dos autores do estudo e psiquiatra no Hospital de Braga, Portugal é, aliás, o país da Europa onde se gasta mais dinheiro em raspadinhas per capita, correspondendo este valor a mais do dobro da média europeia.

A comparação é também recusada pela Santa Casa, uma vez que em Espanha “não há tradição de aposta neste tipo jogo da lotaria instantânea de base territorial”. “Outros países, onde este jogo também tem tradição, como França ou Suíça, os valores médios gastos per capita estão em linha com os que se verificam em Portugal”, acrescenta. Nega que os hábitos de consumo da lotaria instantânea em Portugal estejam a aumentar. Aliás, defende, “tem-se vindo a verificar um abrandamento no crescimento da raspadinha nos anos mais recentes”.

Perante o alerta - os investigadores asseguram que conhecem casos de pessoas que gastaram “500 euros num único dia em raspadinhas” ou “20 a 30 mil euros” ao longo de um ano -, a Santa Casa sublinha que “o peso do valor gasto no rendimento das famílias tem-se mantido constante nos últimos anos, não chegando a um por cento”.

“Não coloca em causa o rendimento das famílias, mas antes fomenta formas de entretenimento seguras e saudáveis”, pode ler-se na nota, em que a instituição que tutela os jogos de sorte “acompanha e monitoriza as dinâmicas do mercado, assim como a evolução dos gastos por família em jogos sociais”.

A Santa Casa garante ainda que tem uma política de jogo “adequada e responsável, de carácter social, lícita, que se diferencia por ser equilibrada, assente no entretenimento saudável, na simplicidade das mecânicas dos jogos, nas várias tipologias de prémios adequadas às diferentes dimensões de sonho”, que é “disponibilizada de forma segura e moderada através da rede física dos mediadores dos Jogos Sociais do Estado”.