Saíram de El Jadida, não muito longe de Casablanca. Desembarcaram centenas de quilómetros depois na costa Algarvia. No primeiro barco chegaram oito homens, todos marroquinos. No segundo vinham 11 e também todos eles dizem ter nascido em Marrocos. A semelhança entre os dois casos - um em dezembro e o outro esta quarta-feira - é quase óbvia. A ligações entre os grupos não é certa mas a parecença entre o modus operandis levanta a dúvida: é este o começo de uma nova rota de migração ilegal?
“Pode ser um indicador numa fase bastante inicial”, diz ao Expresso o porta-voz da Organização Internacional para as Migrações das Nações Unidas (OIM). “É possível que seja mas a verdade é que não temos ainda dados consistentes que suportem isso. As 19 pessoas que chegaram em dois meses ao Algarve são as que chegam frequentemente de uma só vez, num só barco, ao sul de Espanha.”
E é precisamente pela redução do número de chegadas ao sul de Espanha por mar que a organização acredita que, eventualmente, Portugal possa vir a tornar-se uma nova porta de entrada na Europa. Em 2018 desembarcaram mais de 76 mil pessoas, no ano passado não chegaram às 37 mil. “Grande parte do investimento no controlo de imigração no sul Espanha foi diretamente aplicado em Marrocos. Muitos marroquinos abortaram as viagens que tinham planeadas. Não é óbvio que isso signifique que vá diminuir ali e surgir noutro lugar. Não posso confirmar mas é possível que este tráfego de pessoas mude.”
Questionada pelo Expresso, fonte do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras sublinha que “para já não há indícios nas análises de risco de que Portugal faça ou venha a fazer parte das redes de tráfico de pessoas”.
Importa perceber quais as nacionalidades que estão a chegar por cada rota, justifica a OIM. No caso do Mediterrâneo Ocidental, onde se inclui o sul de Espanha, a maioria das pessoas vem de Marrocos, da Guiné e da Argélia. “Atualmente, o grande fluxo migratório acontece através das chegadas à Grécia”, onde em 2019 entraram perto de 72 mil pessoas e já este ano foram cerca de três mil. “Quase metade das pessoas é do Afeganistão e é muito improvável que deixem de seguir aquela rota pela Grécia e comecem a procurar outra no sul de Espanha ou de Portugal. É demasiado longe e seria quase impossível sobreviver ao percursos.”
Ao Expresso, Aloys Vimard, coordenador dos Médicos Sem Fronteiras a bordo do Ocean Viking, um navio de resgate civil no centro do Mediterrâneo, garantia em dezembro que acompanhava a situação e notava que “navegar em direção a Portugal seria fazer ainda mais quilómetros e significaria um risco muito maior”. “Espero que a costa portuguesa nunca seja a solução, que não se transforme numa rota de migração”, dizia. Um apelo que a organização não-governamental mantém.
Desde logo, logisticamente, é muito mais difícil chegar a Portugal do que a qualquer região do sul de Espanha. A distância mais curta entre a costa nacional e a costa norte-africana é de 210 quilómetros (a mesma distância de Lisboa a Coimbra, por exemplo). Já o ponto mais próximo em território espanhol fica a cerca de 15 quilómetros (menos do que Lisboa a Oeiras). E depois há corrente mais instável e os ventos mais imprevisíveis.
No total, chegaram a Portugal 19 homens. O primeiro grupo era composto apenas por homens com idades entre os 16 e 20 anos - esta quinta-feira foram notificados pelas autoridades portuguesas que lhes foi negado o pedido de asilo por ter sido considerado que não há enquadramento para o estatuto de refugiado.
O que vai acontecer ao segundo grupo ainda não se sabe. Foram retirados do mar pela Autoridade Marítima e entregues ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), que os interrogou e que está a investigar se as informações prestadas são verdadeiras. Dizem ter entre 21 e 30 anos - apenas um deles tinha documentos.
De acordo com fonte do SEF, há agora dois caminhos possíveis: avançarem com o pedido de proteção internacional (que pode ou não ser aceite) ou são enviados de novo para Marrocos.
O grupo foi detetado na madrugada de quarta-feira junto à costa de Olhão - a falta de controlo na embarcação alertou alguém que passava e que por sua vez avisou as autoridades. A Polícia Marítima escoltou-os e guiou-os até terra. Traziam latas de grão e frutos secos para se alimentarem e alguns bidões de gasolina para manter o fraco motor do barco em funcionamento até ao destino.
Três foram assistidos no hospital. Um tinha uma lesão no joelho, os outros dois dores abdominais e de estômago resultado de muitas horas de ondulação e de uma má e repetitiva alimentação nos últimos dias.
Estima-se que tenham percorrido os 400 quilómetros em quatro dias.