Sociedade

“Somos motoristas, não somos terroristas”: a história da greve que não parou o país

Esta greve acabou mas não quer dizer que seja definitivo: os motoristas admitem novas paralisações mas maneira mais cirúrgica - às horas extraordinárias e ao trabalho aos feriados e fins de semana

Luís Sousa

O tempo parece dilatar-se quando há muitos acontecimentos a registar. Foi apenas há uma semana, na madrugada de segunda-feira, 12 de agosto, que Pardal Henriques chegou de trotinete eléctrica a Aveiras de Cima, um aviso metafórico do que o Sindicato Nacional dos Motoristas de Matérias Perigosas (SNMMP) pretendia com a paralisação: chamar à atenção dos portugueses para as suas reivindicações, através do condicionamento do depósito dos seus carros, num momento em que muitos partiam de férias. Foram precisos sete dias para a greve terminar, para o SNMMP aceitar sentar-se à mesa com a Antram, por via de mediação do Governo - medida que haviam rejeitado há 15 dias.

E a greve começou a marcar a agenda ainda antes do seu começou ou não tivesse a paralisação arrancado já com os serviços mínimos alargados decretados pelo Governo (o que foi muito criticado pelo SNMMP e o SIMM), forma de garantir que alguns dos serviços, apesar da greve, tenham funcionado sempre a 100%. Durante as primeiras horas de segunda-feira, os serviços mínimos foram cumpridos; Pardal Henriques, porta-voz do SNMMP, falou em motoristas “subornados” pelos patrões para não aderirem à paralisação. André Matias de Almeida, representante da Antram, por sua vez, pediu o afastamento do advogado do sindicato da mesa de negociações. (O que não chegou a acontecer.) Chegados à tarde do mesmo dia, várias empresas começaram a registar incumprimentos dos serviços mínimos. O Governo avançou então para a requisição civil.

Na terça-feira, Portugal acordou na sombra da requisição civil e com Francisco São Bento, líder do SNMMP, a garantir que, apesar da medida decretada pelo Governo, as empresas de transporte de combustíveis estavam a ter prejuízos por cada dia de paragem. “Acredito que sejam algumas dezenas de milhares de euros diários que as empresas estão a abdicar”, disse. De acordo com o dirigente, o facto de os motoristas não estarem a fazer horas extraordinárias lesaria as empresas. “Uma vez que só estão a fazer oito horas, com certeza que estão a ter algum impacto financeiro nas empresas”, frisou.

Já na quarta-feira, Pardal Henriques avançou e recuou em apelos ao incumprimento da medida decretada pelo Governo - facto que levaria, na sexta-feira, a Procuradoria Geral da República a abrir um inquérito às declarações do porta-voz do SNMMP. À noite, no mesmo dia, a FECTRANS, sindicato afeto à CGTP e que não participou da greve, já anunciava um acordo com a Antram. Por sua vez, o SNMMP desafiava a Antram para um encontro no Ministério do Trabalho na quinta-feira à tarde. Este, porém, não chegou a acontecer. A associação representante dos patrões disse que não negociava com a "espada sobre a cabeça”.

Na quinta-feira à noite, foi a vez do SIMM firmar um acordo com a Antram; o anúncio foi feito por Anacleto Rodrigues, líder daquele sindicato. “Não valia a pena estar na luta ao lado de um sindicato que não estava preocupado connosco”, disse. E tudo indica que o SNMMP foi apanhado de surpresa, pois foram precisas mais 12 horas para haver uma reação. António Costa foi até ao Twitter para dar os parabéns ao acordo conseguido. “Que mais este exemplo inspire todos. Que ninguém fique isolado numa greve estéril que compromete o diálogo”, escreveu.

Sexta-feira foi o dia em que o fim da greve começou efetivamente a ser discutido. Todavia, Francisco São Bento, líder do SNMMP, falou aos portugueses e garantiu que a greve podia continuar por mais “um, seis meses ou até um ano.” O representante pediu, em todo o caso, a intervenção do Governo. “Vamos continuar a aguardar pela mediação do Governo com a Antram”, disse.

No sábado, Francisco São Bento e Pardal Henriques tiveram uma reunião no Ministério das Infraestruturas. A Direção Geral do Emprego e das Relações do Trabalho (DGERT) nomeou um mediador para dar início às negociações com a Antram. A suspensão da greve foi assumida. “Queremos deixar claro ao país e às partes que sempre estivemos de boa-fé neste processo, anunciamos, desde já, a suspensão temporária da greve a partir da hora de início da reunião a ser convocada pelo Governo, suspensão essa que produzirá os seus efeitos até ao Plenário Nacional de Motoristas de Cargas Perigosas, marcado para o próximo domingo”, anunciou o SNMMP, em comunicado.

Tudo terminou ontem, no domingo à tarde, com o SNMMP a aprovar em plenário o fim da greve, António Costa a elogiar o acordo conseguido e Rui Rio a acusar o Governo de aproveitamento político da greve. Já esta segunda-feira, o primeiro-ministro anunciou o fim da crise energética - declarada a 9 de agosto - a partir das 24 horas de hoje. “É uma vitória da democracia, da legalidade democrática. A verdade é que o país demonstrou uma grande maturidade: por um lado, quem quis exercer o direito à greve, exerceu o direito à greve, de uma forma tranquila; quem quis trabalhar, pôde trabalhar”, afirmou Costa.

Ou talvez nada tenha realmente acabado: na moção aprovada em plenário, o SNMMP já prevê que, caso as negociações, agendadas para esta terça-feira, com a Antram falhem, podem voltar a fazer novas paralisações. Desta feita, com precisão cirúrgica: às horas extraordinárias e ao trabalho aos feriados e fins de semana.