Sociedade

Cientista português em projeto europeu que ganhou €10 milhões para estudar a fisiologia do músculo

Os cientistas europeus querem entender como as células regulam não apenas a sua forma, mas também como interagem umas com as outras, abrindo pistas sobre uma série de doenças das áreas imunológica, morfológica e muscular, incluindo o cancro

Edgar Gomes, investigador principal do Instituto de Medicina Molecular (iMM) da Universidade de Lisboa: "Vamos obter pistas sobre uma ampla gama de doenças"
INÊS ALBUQUERQUE/iMM

Um projeto europeu de investigação dos processos fundamentais do desenvolvimento, estrutura e fisiologia do músculo humano, que integra o Instituto de Medicina Molecular (iMM) da Universidade de Lisboa, acaba de ganhar um financiamento de dez milhões de euros num concurso promovido pelo Conselho Europeu de Investigação (ERC), o ERC Synergy. É a primeira vez que um projeto no âmbito deste concurso é atribuído a Portugal.

O projeto será financiado durante seis anos e é desenvolvido por um consórcio de que fazem parte Edgar Gomes, investigador principal do iMM, Michael Way, investigador coordenador do The Francis Crick Institute do Reino Unido, e a investigadora Carolyn Moores, do Birkbeck College da Universidade de Londres. Cada instituição receberá cerca de €3,5 milhões. Esta modalidade de financiamento estava suspensa desde 2013 e foi desenhada “para tornar possíveis colaborações científicas não convencionais”, segundo o ERC. É a primeira vez que um projeto ERC Synergy é atribuído a um grupo de investigação em Portugal.

Cultura primária de fibras de músculo esquelético de ratinho feita no Instituto de Medicina Molecular (iMM)
HELENA PINHEIRO/iMM

“A dinâmica do esqueleto das células, crítico para os processos integrados de desenvolvimento, operação e sustentabilidade do corpo humano, é conferida por um complexo de moléculas designado por complexo Arp2/3”, explica Edgar Gomes. Os laboratórios do cientista português e de Michael Way mostraram anteriormente que este complexo é essencial para o correto desenvolvimento do músculo. Agora, com este financiamento europeu, o objetivo é expandir este conhecimento e determinar o papel daquelas moléculas no processo de desenvolvimento, na estrutura e na fisiologia do músculo.

“Com este projeto vamos formar uma equipa multidisciplinar que trabalhará em conjunto para perceber como é que o citoesqueleto das células funciona a nível molecular, celular e fisiológico”, acrescenta Edgar Gomes. O citoesqueleto é o esqueleto da célula, os elementos estruturais, os alicerces, que lhe permitem ter forma e mover-se. “A nossa estreita colaboração permitirá entender como as células regulam não apenas a sua forma, mas também como interagem umas com as outras, abrindo pistas sobre uma ampla gama de doenças”.

Perceber melhor como se formam tumores e metástases

São doenças “das áreas imunológica, morfológica e muscular, que envolvem o controlo da célula e da fisiologia”, adianta o cientista. “E também a mobilidade das células, o que é muito importante para percebermos melhor como se formam os tumores e as metástases no cancro”.

Recorde-se que Portugal lidera, através da coordenação do iMM e de Edgar Gomes, um projeto europeu pioneiro a nível mundial para criar músculo artificial, o MyoChip. O objetivo é tratar lesões e perdas degenerativas de massa muscular provocadas pelo envelhecimento, desenvolvendo no prazo de três anos músculo humano "in vitro" a partir da cultura de células estaminais, irrigado por vasos sanguíneos e inervado com neurónios.

O potencial de aplicação de músculos artificiais é muito diversificado e vai desde o teste de novos fármacos ao tratamento de lesões devido à prática de desporto, da distrofia de Duchenne (doença hereditária que provoca o enfraquecimento progressivo dos músculos) e da perda degenerativa de massa muscular com o envelhecimento.