Sociedade

Panama Papers. Por dentro da queda da Mossack Fonseca

Uma nova fuga de informação com documentos recentes da Mossack Fonseca revela como houve pânico e caos dentro da operadora de offshores a partir do momento em que os Panama Papers foram lançados em 2016

Arthur Jones/Shutterstock/ICIJ

Will Fitzgibbon e Ryan Chittum - Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ) (www.icij.org)

São 1,2 milhões de ficheiros, começam meses antes de abril de 2016, quando o Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ) e mais de 100 parceiros de media publicaram as histórias iniciais dos Panama Papers, e vão até dezembro de 2017. Os documentos foram obtidos pelo Süddeutsche Zeitung, com sede em Munique, que os partilhou com o ICIJ, e mostram como a Mossack Fonseca tentou conter as consequências dessa fuga de informação e os esforços para identificar os seus próprios clientes.

Os fundadores da Mossack Fonseca, Jürgen Mossack e Ramón Fonseca, não responderam às perguntas que foram enviadas pelo ICIJ ou pelos seus parceiros. Os advogados emitiram um comunicado de imprensa em junho que dizia que o escritório de advocacia, os seus funcionários e os seus fundadores “nunca se envolveram em atos ilegais” .

Nos próximos dias, os parceiros do ICIJ em dezenas de países (incluindo o Expresso, em Portugal) publicarão histórias baseadas no novo lote de ficheiros dos Panama Papers. Essas histórias vão lançar uma nova luz sobre os esquemas financeiros de pessoas que foram alvo da primeira leva da investigação ou sobre outros nomes influentes ou com ligações políticas cuja associação à operadora de offshores ainda não era conhecida.

Aqui está um resumo de algumas das descobertas.

Os negócios do Messi

A estrela argentina de futebol Lionel Messi e o seu pai evitaram pagar impostos sobre os direitos de imagem do jogador através de empresas-fantasma no Uruguai e em Belize, de acordo com investigações anteriores. A vaga inicial dos Panama Papers revelou que a dupla pai e filho também tinha uma companhia no Panamá que era desconhecida até então. Em abril de 2016 os Messis disseram ao ICIJ e a vários parceiros que a sua offshore panamiana Mega Star Enterprises Inc. estava “totalmente inativa” .

Essas afirmações são agora postas em causa por e-mails internos da nova fuga de informação da Mossack Fonseca. O “escritório do Uruguai diz-me que o cliente está a usar a empresa”, escreveu um mês depois disso um funcionário da operadora de offshores. A Mossack Fonseca demitiu-se como agente de registo da Mega Star Enterprises em julho de 2016 e enviou um relatório de atividades suspeitas (SAR, Suspicious Activity Report) sobre a companhia offshore dos Messis para as autoridades do Panamá em fevereiro de 2017, de acordo com a fuga.

Os Messis estavam a enfrentar problemas fiscais quando os Panama Papers revelaram que possuíam a Mega Star. Num caso não relacionado com esse facto, um tribunal espanhol condenou os Messis em julho de 2016 por fraude fiscal. Lionel foi condenado a 21 meses de pena suspensa e multado em 2,2 milhões de dólares.

Mistério argentino

E-mails trocados entre a sede da Mossack Fonseca no Panamá e a sua filial no Uruguai em setembro e outubro de 2016 mostram funcionários a discutir um plano para pré-datar documentos de forma a esconder o fato de que a própria operadora de offshores desconhecia ter registado uma companhia nas Bahamas, a Fleg Trading Co., que na verdade era controlada pela família do presidente argentino Mauricio Macri.

Foi a primeira fase da investigação dos Panama Papers que acabou por revelar que Macri e outros membros da sua família eram diretores da Fleg Trading. E que o seu pai era o dono. As leis contra o branqueamento de capitais exigiam que a Mossack Fonseca conhecesse essas informações. Mas não conhecia.

Os funcionários da Mossack Fonseca discutiram com o contabilista de Macri em 2016 que seria bom este escrever um documento à mão, mas datado de anos antes, que confirmaria o nome do dono da companhia offshore, de acordo com os e-mails. O contabilista descartou a ideia como “muito arriscada”, já que a carta “poderia ser facilmente refutada por um especialista em caligrafia”, que verificaria que o documento foi escrito mais recentemente do que a data declarada, ⁠revelam os emails internos da Mossack Fonseca.

O cliente não queria “arriscar”, dizem os e-mails, “já que o presidente da Argentina e a sua família estão envolvidos” .

Os novos ficheiros mostram além disso que a Mossack Fonseca não sabia das ligações familiares da Macri com a BF Corporation, outra empresa-fantasma. A BF Corporation era detida pelos irmãos de Macri, Mariano e Gianfranco, de acordo com a imprensa argentina. Os jornais divulgaram que ⁠o Ministério Público alemão alertou as autoridades argentinas em 2016 sobre transações suspeitas que envolviam a BF Corporation, sendo que esses alertas eram em parte baseados nas revelações da investigação dos Panama Papers. As transações ocorreram dias antes da primeira volta das eleições de outubro de 2015, que levaram a que Mauricio Macri⁠ fosse eleito no mês seguinte.⁠

Um porta-voz da empresa da família Macri, a Socma, disse ao La Nación, parceiro do ICIJ, que o pai do presidente declarou ser beneficiário da Fleg Trading, o que foi confirmado por um juiz na Argentina. O porta-voz disse que não tinha informações ou comentários a fazer sobre as discussões entre a Mossack Fonseca e o contabilista uruguaio.

Milhões desaparecidos

Os novos documentos também revelam detalhes sobre contas bancárias recheadas e património registado em paraísos fiscais de figuras políticas acusadas de roubar o estado.

Em março de 2017, a Mossack Fonseca descobriu que uma companhia que os seus escritórios tinham registado nas Ilhas Virgens Britânicas tinha como proprietário Mohamed Nizam bin Abdul Razak, irmão do ex-primeiro-ministro da Malásia, Najib Razak.⁠ A companhia, Everbright Universal Holdings Ltd., detinha imóveis nos Estados Unidos, de acordo com os ficheiros.

Najib Razak, que caiu do poder depois de o seu partido ter perdido as eleições parlamentares em maio, está agora sob escrutínio como parte de uma investigação sobre milhares de milhões de dólares que desapareceram de um fundo de investimento estatal durante o seu mandato.⁠ Um dos factos que está a ser investigado é uma transferência de 10,6 milhões de dólares para uma conta bancária do ex-primeiro-ministro.⁠ Najib Razak nega ter cometido irregularidades.⁠

O ICIJ revelou nos primeiros artigos dos Panama Papers a existência de duas companhias offshores detidas pelo filho de Najib Razak, Mohd Nazifuddin bin Mohd Najib.⁠ Abdul Razak não atendeu nenhuma das chamadas feitas para o seu número de telefone e o seu gestor bancário no Credit Suisse não respondeu aos e-mails do ICIJ.

Os novos ficheiros também revelam que uma companhia offshore registada pela Mossack Fonseca tinha como dono Fahad al-Rajaan, o ex-diretor da agência que supervisiona o sistema de segurança social do Kuwait. Al-Rajaan foi condenado à revelia em 2016 por desviar quase 390 milhões de dólares. Os documentos mostram que ele era o proprietário da Tawny Real Estates Ltd., que por sua vez possuía um apartamento em Macau e uma conta bancária na Suíça. Al- Rajaan foi preso na Grã-Bretanha em abril de 2017 mas a Mossack Fonseca ainda era o agente de registo em novembro de 2017, apesar de ter tido conhecimento das alegações que havia contra ele em março de 2016.

Também citado nos novos documentos está Vitaly Malkin, um oligarca russo que renunciou ao cargo de senador da Federação Russa em 2013, depois de notícias de que ele tinha património não declarado no estrangeiro.⁠ Malkin aparece como dono de duas offshores nas Ilhas Virgens Britânicas, a Audrey Holdings Group Ltd. e a Top Matrix Holdings Ltd.⁠ A Audrey Holdings Group detinha contas bancárias suíças no valor de 200 milhões de dólares, segundo um ficheiro sobre a origem de fundos de Malkin compilado pela Mossack Fonseca.⁠ Malkin não respondeu a uma carta que lhe foi enviada para a sua morada no Luxemburgo.

Olha que surpresa

A nova fuga de informação revela uma mão cheia de outras celebridades, políticos e alegados criminosos com ligações à Mossack Fonseca que não tinham sido reportadas — e cuja identidade era muitas vezes desconhecida pela própria operadora de offshores.

Em julho de 2017, a Mossack Fonseca descobriu que tinha montado companhias offshore no Panamá que eram controladas pelos herdeiros do icónico joalheiro francês Pierre Cartier. Essas companhias possuíam uma floresta no Canadá e contas bancárias na Suíça, de acordo com os novos documentos.

Os membros da família Cartier não responderam aos pedidos de informação que lhes foram enviados. E o consultor financeiro dos herdeiros do joalheiro recusou-se a responder a perguntas do Le Monde, parceiro do ICIJ.

Também foi descoberto que Dariga Nazarbayeva, filha do presidente do Cazaquistão, Nursultan Nazarbayev, era a única acionista de uma empresa das Ilhas Virgens Britânicas, uma informação não divulgada ainda.

Dariga Nazarbayeva, antiga vice-primeira-ministra, é senadora e presidente da Comissão de Relações Internacionais do Senado do Cazaquistão. A sua ascensão política no país é vista por alguns observadores da Ásia Central como uma indicação de que um dia ela poderá substituir o pai.

Em outubro de 2007 Nazarbayeva tornou-se acionista da Asterry Holdings Ltd., que detinha uma participação em fábricas de açúcar no Cazaquistão, por meio de uma cadeia de outras estruturas offshore, de acordo com uma investigação do OCCRP (Organized Crime and Corruption Reporting Project), parceiro do ICIJ. Nazarbayeva não respondeu aos nossos pedidos de esclarecimento.

Outra offshore criada e gerida pela Mossack Fonseca, a Mallett Ford Inc., foi detida por Israel Perry, através de um fundo de investimento. Perry, que morreu em 2015, era um advogado israelita condenado por burlar outros israelitas, a maioria dos quais eram sobreviventes do Holocausto. A operadora de offshores só soube que Perry era dono da companhia em resultado de uma ação judicial. Nenhuma da correspondência da Mossack Fonseca encontrada na nova fuga menciona que Perry era um criminoso condenado, e não é claro se a operadora de offshores sabia disso.

Contribuíram para este artigo: Marcos Garcia Rey, Miranda Patrucic, Mariel Fitz Patrick (Infobae), Sandra Crucianelli e Emilia Delfino (Perfil), Hugo Alconada Mon, Iván Ruiz e Maia Jastreblansky (La Nación)