Sentada de forma descontraída numa cadeira de plástico verde, no corredor do centro comercial, mesmo à frente da sua loja de roupa, Lola, de 38 anos, aguarda que o tempo passe. “Isto está muito fraco”, conta, enquanto por aquele piso vão circulando outros comerciantes, alguns a transportar grandes caixotes de papel que levam ou trazem produtos. Lola chama-se na realidade Zhao Jing, mas adotou aquele nome quando deixou a China e chegou, em 2001, a Portugal para trabalhar na loja de uma tia. “Ter um nome português é mais fácil por causa dos clientes”. Entretanto, casou-se e abriu com o marido um estabelecimento que hoje está em pleno coração do comércio chinês em Lisboa, no Centro Comercial Martim Moniz. Mas já nem isso chega para aguentar o negócio. “Dantes era bom, agora não se ganha com a loja; só atrapalha”, desabafa, explicando que, de renda, por aquela loja no rés do chão, pagam 1400 euros por mês. Gosta de falar, ao contrário da grande parte dos chineses que ocupam as dezenas de espaços naquela zona comercial, e não esconde que “está cansada e farta”. Continua a encomendar roupa a vários fabricantes na China e na Europa, mas agora pela internet. “Escolho os modelos pelo Facebook ou noutros sites e depois mandam-mos para aqui”, conta, enquanto passa a mão pelo cabelo preto com um corte moderno pelo queixo. Nota-se que se preocupa com a imagem, em estar na moda, e desvenda sem problemas as ideias que tem para o futuro. Veste calças de napa preta, blazer aos quadrados pretos e brancos, camisola verde e sapatos da mesma cor, com um pequeno salto, e consegue manter uma conversa em português. “Estou a pensar deixar isto e abrir um restaurante”, adianta Lola, que vive num apartamento nos Olivais que comprou recorrendo a um empréstimo bancário.
Sabe que muitos chineses que estão a chegar a Portugal preferem abrir restaurantes em vez de lojas e ao mesmo tempo tem testemunhado que alguns dos que já cá vivem estão a trocar o negócio do retalho pelo da restauração. Isto por recearem que o mercado das lojas chinesas comece a estar saturado. Atualmente, segundo estimativas do presidente da Liga dos Chineses em Portugal, Y Ping Chow, existirão de norte a sul entre sete a oito mil lojas destas.
Ainda este ano foi inaugurado um megacentro de 70 mil metros quadrados em Porto Alto, Benavente, onde se pretende que abram centenas de armazéns de revenda de produtos chineses. Para Chow, o motivo para a quebra do negócio tem que ver não só com a quantidade de oferta que existe, mas também com a mudança que se deu na China. “Os produtos chineses ficaram mais caros, devido ao aumento do ordenado, e também ao seu melhoramento”. Daí que os imigrantes se virem agora para outros sectores, como o dos restaurantes. Até porque, nota o líder da Liga, “há cada vez mais turistas e muitos deles chineses”.
São os ‘judeus da China’
“45 euros? Isso é muito caro”, reclama uma cliente. Wang Young Fen, responsável do estabelecimento, dá uma explicação. “É um edredão que é muito bom e que nas outras lojas custa muito mais” — na esperança de que a cliente perceba a qualidade do material. A loja de Wang, de 47 anos, que é conhecida por Cristina, o nome português que escolheu, é daquelas onde se vende todo o tipo de produtos, desde brinquedos a artigos de decoração, vernizes e muito mais. Mas os objetos mais procurados pelos portugueses, conta, são as “coisas para a casa, como as lâmpadas”.
É das lojas mais antigas (abriu em 2004) e, apesar de ser das mais concorridas na zona das Olaias, em Lisboa, também está a sentir diferença na hora de contar o lucro. “Vendemos um terço do que vendíamos antigamente”, refere Cristina, lembrando os anos de 2009 e 2010, época em que, garante, estes estabelecimentos estiveram no auge.
Nessa altura, estas lojas, que ofereciam todo o tipo de produtos muito baratos, faziam sucesso entre os portugueses — até porque se vivia uma crise global que não tardaria a chegar ao país. E a vinda de chineses não parava de aumentar. Segundo dados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), entre 2012 e 2016 o número de residentes dessa nacionalidade passou de 17.447 para 22.503. Os dados deste ano, alega o SEF, estão ainda a ser compilados. Mas Y Ping Chow adianta que, pelas contas da associação, estarão neste momento em Portugal, cerca de 35 mil chineses.
A maioria é da província de Zhejiang, em especial da cidade de Whenzhou — cercada por montanhas — ou da vila de Qingtian. É destas zonas que, ano após ano, foram saindo chineses a caminho da Europa, onde montaram negócios, e depois chamaram a família e os amigos.
“As pessoas desta região são bons comerciantes e sabem negociar. Por isso, são conhecidas como ‘os judeus da China’”, conta Lin Man, associada sénior da PLMJ-Advogados, que veio para Portugal há 35 anos, precisamente da região de Zheijiang.
É a ela que hoje em dia recorrem muitos dos chineses que têm negócios e precisam de fazer escrituras, contratos ou saber a lei laboral. “A legislação é muito diferente nos dois países”, explica, lembrando que, por hábito, muitos imigrantes, especialmente os mais antigos, recorriam apenas aos contabilistas pedindo-lhes que tratassem de todos os assuntos. É na zona do Martim Moniz, em Lisboa, que se situam alguns dos contabilistas que ajudam os chineses. Um dos mais concorridos e prestigiados é um chinês que adotou o nome de António e que na segunda-feira, 4 de dezembro, conduzia um automóvel de luxo, um Tesla branco de 2017. Nesse dia, como é habitual, o seu escritório estava cheio e as quatro funcionárias que atendiam os clientes atrás de um computador não paravam um segundo.
“Hoje já recorrem também aos advogados porque querem cumprir a lei”, nota Lin, confirmando que a comunidade está a passar por um momento mais apertado, de crise. “As condições na China melhoraram e por isso a produção está mais cara”. A entreajuda que há entre eles, diz, é essencial. Aliás, é comum a família estar toda envolvida no negócio.
Na loja de Yong Fu, de 35 anos, em Campo de Ourique, é comum ver os filhos dele a correr pelos corredores que separam os milhares de produtos que ali são vendidos: roupa, acessórios de cozinha, plantas, caixas de ferramentas, material escolar, brindes e enfeites para festas, óculos... Qualquer coisa que se procure, encontra-se ali. Ele e a mulher trabalham no estabelecimento, que está aberto todos os dias da semana, incluindo ao domingo. Lançaram o negócio há sete anos, depois de chegarem a Portugal — também eles vindos da província de Zhejiang. No piso superior da loja montaram uma casa, onde vivem com os filhos pequenos e a mãe dele. Com sotaque chinês, Yong vai explicando às clientes onde está o que procuram. “No corredor à esquerda”, diz para uma senhora que procurava enfeites de Natal. Ali só trabalham os dois. Já noutras lojas, essencialmente nas maiores, os donos contrataram empregados. “Pagam entre 600 e 900 euros aos funcionários”, conta uma chinesa que numa outra loja, em Lisboa, está a ajudar os tios que se dedicam a vender roupa, explicando que o salário varia com o lucro e o horário. “A verdade é que são muito trabalhadores”, garante, por seu lado, Lin Man.
‘O negócio não está bom’
A chinesa Cristina trabalha todos os dias, exceto ao domingo — dia que reserva para estar com os três filhos e para ir à igreja. De segunda a sábado começa às 9 horas e só sai às 21h, quando fecha a porta do estabelecimento. Muitas vezes à noite, por volta das 22h30, ainda vai buscar produtos para vender. Costuma ir à zona industrial de Chelas, onde desde 2006 funciona um megaespaço de 6000m2 e onde se concentram enormes armazéns de chineses que vendem de tudo, por grosso. São eles que abastecem muitas das lojas chinesas de Lisboa e arredores. Na parede de um dos edifícios, que dá para a rua, está escrito em carateres pretos, em mandarim, ‘Centro Comercial Ásia’.
Estão abertos das 12h às 23h. Por todo o lado há homens a montar e a desmontar caixotes cheios de material ou a carregar os veículos. Dentro das lojas só há praticamente chineses a atender. À porta dos vários armazéns misturam-se camionetas de transporte e carros topo de gama, como BMW, Audis e Mercedes, que pertencem a muitos dos proprietários dos espaços. Apesar disso, garantem, sentem que o negócio está cada vez mais ameaçado.
Liwei Ling, de 38 anos, tem ali um armazém de revenda há dez. Chegou a Lisboa há 15 anos — também ela natural de Wenzhou — para se juntar à cunhada. Adotou então o nome de Lili, teve duas filhas — que hoje têm 12 e 13 anos e estão na China — e depois, com o marido, aventurou-se num negócio próprio. Mas, em vez de uma loja aberta ao público na rua, decidiram ficar nos bastidores: o que fazem é comprar a fabricantes chineses produtos baratos em elevadas quantidades e depois revendem-nos para as lojas. Para terem um armazém neste centro, diz Lili, pagam por cada metro quadrado 10 euros ao senhorio — uma família portuguesa que é proprietária do complexo. Ao todo, o espaço do casal de chineses tem 400 metros quadrados, onde se vendem milhares de objetos, desde bijuteria a cintos, gorros, cabelos sintéticos, carteiras, toalhas, elásticos para o cabelo... Os preços estão expostos nas prateleiras e muitos custam apenas um euro. “O negócio não está bom porque os produtos na China estão mais caros e as lojas aqui estão mal”, diz num português misturado com palavras chinesas. Manda vir quase tudo da China, umas vezes de barco outras de avião. Em média, espera um mês e meio pela mercadoria. Por agora, Lili diz que vai continuar em Chelas, mas sonha um dia regressar à sua terra.
Um pouco mais à frente, mas no primeiro andar de um dos edifícios, Chen Hong, de 40 anos, dá atenção a um cliente que lhe pede informação sobre os preços dos cobertores. É quarta-feira, 6 de dezembro, e o frio instalou-se. Chen é dono de uma das primeiras lojas a abrir naquele Centro Ásia, logo em 2006, e é o sócio maioritário. Antes, foi empregado numa loja de chineses na Amadora, entre 2003 — ano em que chegou para se juntar aos dois irmãos — e 2006. Tem um ar feliz e vai-se rindo enquanto se confessa preocupado. “Aqui neste andar de cima havia 36 armazéns, agora há seis”, lembra, referindo um ponto positivo: o facto de nos últimos anos terem fechado tantos permitiu-lhe aumentar o tamanho da loja. Paga seis euros por cada metro quadrado. E explica que o valor é inferior ao de alguns colegas, como Lili, por estar numa zona mais alta, com maior dificuldade de acesso para as cargas e descargas. É casado, tem os filhos na escola portuguesa e parece gostar de viver aqui. “Mas não está fácil. Um terço das lojas está em grande dificuldade; outras ainda ganham, claro”. Os clientes também têm mudado e, além de chineses, há pessoas de etnia cigana e alguns portugueses que ali se vão abastecer. No espaço de Chen Hong há montes e montes de roupa interior e roupa para casa. Algumas peças custam apenas 25 ou 35 cêntimos. “Costumo ir de avião à China buscar os produtos”, conta, revelando: “Também compro coisas aqui em fábricas em Portugal, em Sintra, por exemplo”. Ao pé do armazém de Chen, dois homens estão a colocar iluminações na montra de outro estabelecimento. É a mais recente loja do centro e uma das maiores. Vende acessórios de telemóveis e iPads e muitos outros produtos eletrónicos. O dono foi à China e pediu a uma familiar que vigiasse a colocação das luzes. Estas capas de telemóvel e outros objetos relacionados com as novas tecnologias são uma das últimas apostas dos comerciantes chineses. Por isso, esta não é a única que no Centro Ásia vende este tipo de material. Na zona de baixo há, pelo menos, mais uma. Ao final da tarde daquela quarta-feira, o patrão não chegou, mas o funcionário, Hai Hu Zhun (ou Óscar, o nome português), trata do que for preciso. Conta que ganha 900 euros por mês e que trabalha de terça a sábado, oito horas por dia. Na loja de 330 metros quadrados, e com uma renda de três mil euros, estão expostos milhares de produtos, desde acessórios a aparelhos de música. O mais barato, acredita Hai Hu Zhun, é uma capa de telemóvel de 70 cêntimos, e o mais caro umas colunas de 170 euros. Chegou Portugal há quatro anos, antes esteve em Espanha. “Mas para os chineses o negócio é melhor cá”.
Chinatowns nas periferias abastecem o país
Há marcas da imigração chinesa por todas as cidades portuguesas. E se estas se foram enchendo rua sim, rua não, de ‘lojas dos trezentos’, nos arredores e nas zonas industriais foram crescendo estruturas de revenda através das quais os empresários chineses conseguem colocar em Portugal produtos feitos na China. O centro de todo este negócio está em Porto Alto, Benavente. Aos poucos, e desde 2000, a escassos quilómetros de Lisboa, foi surgindo uma espécie de Chinatown que distribui material pelas pequenas e médias lojas que se multiplicam pelo país. Ainda este ano, foi inaugurado em Porto Alto um novo centro comercial — o POAO — especializado em revenda de produtos chineses com lugar para 265 espaços em dois andares. Tem um ar moderno e a ideia parece ser transmitir uma nova imagem do negócio. Para isso, cinco destacados asiáticos encontraram-se e no dia 29 de abril de 2011 subiram ao segundo andar do número 47 da Praça dos Restauradores e criaram a empresa POAO. Entre os sócios está o macaense Choi Man Hin, braço-direito de Stanley Ho em Portugal, administrador do Casino Estoril e presidente da Associação de Comerciantes e Industriais Luso-Chineses.
O próprio Choi Man Hin, que está em Portugal há 33 anos, garante que se assiste a uma mudança. Lembrando que antigamente vinham muitos chineses trabalhar por conta de outrem para depois, quando juntassem algum dinheiro, abrirem uma loja, refere que agora o cenário é outro: “Estão a chegar chineses com mais capacidade de fazer negócio e outros que recorrem aos vistos gold”. Desde 2003 e até 2016 foram atribuídos 3050 vistos a chineses, segundo dados do SEF. E este ano, até 30 de novembro, já tinham sido emitidos 525 documentos destes a cidadãos da China: quatro transferiram capital (4.016.655,00 euros) e os restantes compraram um imóvel (num investimento de 295.629.760,97 euros). Os recentes voos diretos entre Portugal e a China, lembra Choi, estão também a estimular a vinda de mais homens de negócios. Estes chineses com maior capacidade financeira fazem questão de mostrar que querem ser integrados na sociedade portuguesa. Choi Man Hin lembra que, recentemente, a sua associação conseguiu recolher 96 mil euros que entregou ao presidente da Câmara de Pedrógão Grande por causa do incêndio.
O recente centro comercial de Porto Alto ainda não está cheio, mas os empresários esperam que se transforme num prestigiado local de revenda. Mais a norte, na zona industrial de Varziela, em Vila do Conde, as letras chinesas nos edifícios dão sinal do que se passa. Há ali outro gigante polo de venda por grosso de produtos asiáticos. Desde os anos 90 que comerciantes vindos da China começaram a instalar-se discretamente na Varziela. Em 2009, já existiam 197 locais de revenda. A Rua 10, especializada em lojas de vestuário, tornou-se a mais concorrida e a mais cara — arrendar um armazém implica três a quatro mil euros por 300m2 e comprar uma loja pode custar 600 mil euros, segundo descreve o estudo “O comércio de origem chinesa e o espaço comercial da Varziela”, da autoria de Susana Guimarães e José Rio Fernandes, da Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Esta zona de Vila do Conde atraiu os chineses, dizem os autores do trabalho, por ter fácil acesso ao porto de Leixões, onde chegam as mercadorias vindas de barco dos portos da China, de Espanha, de Itália e de França.
E têm muito para abastecer, pois há as lojas no norte, sul e até nas ilhas portuguesas. Os pais de Luyi Jin, de 27 anos, viviam em Zhejiang e decidiram imigrar para a ilha da Madeira. “Chegámos há dez anos”, conta Luyi, que entretanto veio para o Continente, onde se licenciou na Universidade de Coimbra, em Ciências Farmacêuticas. Agora, muitos dos filhos dos comerciantes já concluem os estudos, diz. Antigamente era mais difícil, acredita. Hoje todos têm telemóvel, usam o Wechat — a rede social chinesa que equivale ao WhatsApp — e conseguem integrar-se melhor. Quando Luyi acabou o curso, em 2015, não foi trabalhar com os pais. Arranjou um estágio na Farmácia Martins Moniz, em Lisboa, onde trabalha desde então. É a ela que recorrem muitos dos comerciantes mais antigos que não sabem português e que precisam de orientações sobre assuntos relacionados com a saúde. Pedem-lhe regularmente que lhes meça a glicemia e outros parâmetros e costumam ir comprar medicamentos para a gripe. Alguns, apesar de estarem cá há mais de 20 anos, pouco ou nada falam em português. “A comunidade era mais fechada antigamente”, refere Luyi. De tal forma que muitos dos comerciantes estão cá há tempo suficiente para pedirem título de residência permanente e não o fazem porque têm de passar por uma prova de língua portuguesa. Por isso, continuam a renovar de dois em dois anos o título de residência.
Chen, o chinês que teve uma ideia brilhante
Foi no Martim Moniz que começou a história de sucesso das lojas chinesas em Portugal.
Corriam os anos 90 quando um chinês chamado Chen Jian, hoje com 54 anos, que tinha chegado a Portugal em 1992, descobriu a solução perfeita. Este ex-funcionário do Banco da China, em Pequim, depois de ter aterrado em Lisboa com 50 dólares no bolso, de ter trabalhado para uns patrões chineses em Leiria e de ter aberto ele próprio uma loja de decoração em Braga, percebeu que, apesar do sucesso dos produtos chineses, não havia ninguém que se dedicasse ao cash and carry. Abriu uma empresa grossista em Vila do Conde, começou a importar entre 20 a 30 contentores por ano e rapidamente estava a encomendar 120 contentores anuais. Pelo meio, teve uma ideia: arrendou os pisos inferiores inteiros do Centro Comercial do Martim Moniz à família Lopes Rosa e convenceu vários chineses a subalugarem-lhe as lojas para criarem uma zona exclusiva de produtos chineses. E alugou outras tantas no Centro Comercial Mouraria, que ficava do outro lado da rua. Além da empresa de cash and carry, com a qual facilitava a abertura de lojas, criou em 2002 um centro de armazéns de revenda em Porto Alto (que se chamava Zhong Hua Men), de sete mil metros quadrados e 42 estabelecimentos, ajudando a transformar esta zona na Meca dos chineses. Todos o conhecem. Y Ping Chow confirma que foi Chen quem lançou o negócio no Martim Moniz e muitos acreditavam ter sido um dos imigrantes chineses mais ricos. Vivia numa casa em Porto Alto e andava sempre de Mercedes, a maior parte das vezes num CLK verde garrafa. Em 2008 mudou de ramo e voltou para a China. Agora tornou-se o líder da maior plataforma de negócio e importação da China, o Imporium City, em Zhejiang, conta Pedro Carvalho, com quem Chen, pouco antes de deixar Portugal, montou a BestOriente, um negócio que ainda existe de venda de artigos promocionais, como bandeiras, pins e outros artigos promocionais. “Ele tinha um jeito fora de série para o negócio”, recorda Pedro Carvalho, lembrando que o chinês fez um contrato com o Benfica para poder usar o símbolo da equipa nos seus brindes e depois tornou-se o fornecedor dos produtos para o próprio clube.
Estava sempre ao telefone, passava a vida a viajar e quando estava nas fábricas chegava, em conjunto com os fabricantes, a ter ideias para mudar o design ou as características dos produtos para se adaptarem melhor ao gosto dos portugueses. “Ele achava que as lojas chinesas deviam começar a especializar-se num só ramo e não ser uma salganhada”, diz ainda o ex-sócio. A empresa que Chen criou em Portugal para encomendar os contentores, a China Século XXI, foi entretanto declarada insolvente. “Mas ele está ótimo”, garante Pedro Carvalho. No Martim Moniz, porém, correm rumores de que faliu. “Ele foi à falência”, comenta um comerciante enquanto, naquela quarta-feira, 6 de dezembro, retirava os produtos de um caixote castanho. “Não fales de Chen que não sabes nada dele”, aconselhou-lhe a mulher, furiosa. Afinal, muitos dos que hoje estão no Martim Moniz, foram para lá por causa dele.
“Sim, sim, alugámos esta loja ao Chen Jian”, confirma uma chinesa de 40 anos, dona de um espaço de revenda de relógios que ainda hoje existe no centro comercial. O marido veio para Portugal em 1996 e em 2000 subarrendou o espaço ao chinês. Em 2002, ela deixou a China e juntou-se ao marido, tiveram duas filhas e dedicaram-se ao projeto. Hoje continuam a vender relógios por grosso, no Martim Moniz. “Há uns tempos, a propriedade da loja passou de novo para os donos portugueses a quem alugamos”. De facto, os andares que Chen explorava no Centro Martim Moniz passaram a ser geridos pela família do proprietário Lopes Rosa, e as lojas que ele possuía no Centro Comercial Mouraria voltaram para as mãos da administração. “Isto hoje não tem nada que ver com os anos 2000”, desabafa um chinês que chegou em 2001 e abriu uma loja de roupa. “O meu irmão, que estava em França, aconselhou-me a vir para cá por ser mais fácil ter residência”.
Nessa altura, recorda, viveram-se anos de ouro. Foi nessa época que outro comerciante chinês tomou também uma decisão determinante para o sucesso das lojas, conta a chinesa Ding Ling na tese de mestrado “A Comunidade Chinesa em Portugal: acerca de atividades económicas, associativismo, integração e a segunda geração”, feita na Universidade da Beira Interior, em 2012. Segundo ela, Jianyun Liu, um comerciante que abriu em 2002 um armazém de venda por grosso, decidiu criar um “modelo de abastecimento baseado na confiança e no desejo de ajudar os compatriotas, vendendo os seus produtos a crédito”. Ou seja, “os que queriam entrar neste sector podiam abastecer-se e pagar depois de vender os produtos”.
Ao mesmo tempo, no início, e ainda sem a concorrência que existe atualmente, os que chegavam a Portugal beneficiavam de um segredo chinês chamado guanxi — um termo que descreve um conceito central da sociedade, desvenda Ding, que no mundo dos negócios é “entendido como a rede de relações entre as várias partes que cooperam e se apoiam uns aos outros”.
Uma história com um século
“Bonito e barato, bonito e barato”. Era com esta lengalenga que os primeiros imigrantes chineses em Portugal tentavam vender gravatas de seda. Estes vendedores ambulantes chegaram a Lisboa, Porto e Setúbal a partir de 1920, relata ainda Ding Ling na sua tese de mestrado. E entre esse ano e 1930, de acordo com registos históricos oficiais da China, mais de 200 chineses viveram em Portugal, acrescenta Zhang Fengyang, outra chinesa autora do trabalho “Os chineses em Portugal: as razões da vinda e a sua situação atual”, publicado em 2016. O que está documentado, refere, é que dois comerciantes, Weijin Xu e Songbiao Wang, de Qingtian, foram os primeiros a emigrar para Lisboa em 1920. Por isso, conclui, “a comunidade chinesa em Portugal poderá ter quase 100 anos de história”.
Na década de 70 uma nova vaga de chineses oriundos de Timor, Angola e Moçambique chegou ao nosso país, e nos anos 80 começaram a surgir cidadãos da província de Zhejiang. Nesses primeiros anos, refere Ding Ling, investiam na restauração. Era esse o negócio com mais êxito. O primeiro restaurante chinês, conta, foi fundado nos anos trinta, com o nome de Restaurante Shanghai. Nos anos cinquenta, abriu o Restaurante Macau e, em 1966, surgiu o Restaurante Chinesa, no Porto, conhecido como o restaurante chinês mais antigo em Portugal. Em 1980 haveria 20 restaurantes chineses no país e menos de 1000 chineses. Mas os números dispararam, os restaurantes multiplicaram-se e o mercado ficou saturado. Por isso, nos anos 90 — altura em que muitos chineses aproveitaram o processo extraordinário de legalização de imigrantes — começaram a optar por abrir antes lojas. Vivem todos aqui anos a fio, mas poucos morrem cá, garante um chinês. “Quando são mais velhos ou estão doentes vão para a China”, explica Wang, de 22 anos, um jovem que trabalha numa das 16 associações que apoiam os imigrantes, no caso a Sanding — Centro de Serviços e de Apoio À Comunidade Chinesa Em Portugal. Entrando no número 27 da Rua Conselheiro Emídio Navarro, em Lisboa, Wang e as colegas atendem os chineses que querem tratar de documentação, traduzir documentos ou comprar uma viagem. Wang lembra-se de três casos em que lhes foram pedir para traduzir autópsias e enviar os corpos para a China. “É um processo muito caro”, sublinha. Por isso, quando está perto do fim da vida, a grande maioria volta para o sítio onde nasceu. Daí que poucos peçam a nacionalidade portuguesa. Ao fazê-lo perdem a nacionalidade chinesa (pois a China não aceita dupla nacionalidade) e para voltarem têm de requerer um visto. Cristina, a dona da loja das Olaias, é uma exceção. Abandonou o budismo, reconverteu-se e tornou-se membro da igreja mórmon (Igreja de Jesus Cristo dos últimos Dias), casou-se num templo em Madrid com um português nascido em Angola, pediu a nacionalidade portuguesa em 1999 e não se imagina a viver noutro lugar do planeta. “Estou feliz aqui em Portugal”.