Sociedade

A vida, o amor e a Costa Rica

Rui é Jui na Costa Rica, porque os erres escorregam por lá. Ao pequeno-almoço há feijão moído e estações do ano só há duas - a seca e a das chuvas. A terra treme com frequência, as rádios passam o hino duas vezes ao dia, há três vulcões à volta dele e o lema local é carpe diem em versão latino-americana - “pura vida”. Foi na internet que se cruzou com Andrea - teve de ir vê-la à Costa Rica e já não quis voltar. As descobertas de Rui, a oitava história da série “Em pequeno número”, que o Expresso publicou na semana de Natal e que agora prossegue na de ano novo sobre portugueses que vivem em regiões em que quase não os há

Rui Durão vive na cidade de Santa Ana, muito perto da capital costa-riquenha de San José, e trabalha numa empresa de jogo online
Rui Durão

Contam-lhe que as ruas da cidade são as mesmas de há 30 anos, mas agora com muito mais carros. Por isso, os engarrafamentos fazem parte do dia a dia e nem a imposição de um número máximo de matrículas no centro resolve o problema.

“A somar a isto, há uma regra de trânsito que diz que quando há um acidente rodoviário os veículos intervenientes não podem mover-se um centímetro do local em que ficaram até que chegue a polícia de trânsito, o que pode tardar longos minutos. Quando há choque numa via principal, o trânsito quadruplica”, conta Rui Durão, 29 anos, a viver na Costa Rica há um ano e meio.

As temperaturas variam entre os 20 e os 30 graus e a duração das horas de luz praticamente não varia. “Na Costa Rica não há quatro estações mas apenas duas: a seca e a das chuvas.”

Rui vive com a namorada costa-riquenha em Santa Ana, uma cidade ao lado da capital, San José. Trabalha num serviço de atendimento ao cliente numa empresa multinacional de jogo online (PokerStars). “Faço serviço ao cliente ‘normal’ em português e inglês, mas também especializado, como assistência a torneios de póquer online em direto.”

Quando aterrou no país, os carros, a flora ou a arquitetura – “especialmente as grades em todas as janelas e portas” – foram algumas das grandes diferenças que identificou. “Alguns aspetos da gastronomia (como a utilização recorrente de plátano ou “banana-da-terra”, como dizem os brasileiros), o facto de haver vulcões em grande número (só nos arredores de San José são três) e de haver tremores de terra com frequência foram as principais diferenças que me saltaram à vista.”

Um ano e meio de vida na Costa Rica deram-lhe o suficiente para descrever em detalhe o que é o país e o que são os costa-riquenhos. “A vida na Costa Rica é sublinhada por um lema local: ‘pura vida’. É equivalente ao que nós chamamos ‘boa onda’, uma vida tendencialmente relaxada e tolerante. O país é conhecido por ser um destino turístico de meio mundo, com especial incidência de visitantes provenientes dos Estados Unidos, de todas as idades.”

Na Costa Rica vivem 4,9 milhões de pessoas, segundo as Nações Unidas, e 76% da população vive nas cidades. De acordo com as estatísticas do Observatório da Emigração, recolhidas junto de fontes como os institutos de estatística de cada país, a ONU e os consulados, viviam 78 portugueses no país em 2013.

Desde que chegou, só por uma vez é que Rui falou com um português, que vive no país há vários anos. “Além de trabalhar no ramo hoteleiro, montou uma empresa importadora para poder trazer produtos portugueses e distribui alguns deles por certos negócios locais. Foi assim que encontrei Super Bock num bar bem perto da minha casa.”

O amor levou-o até à Costa Rica

Para trás fica um percurso que começou nas Caldas da Rainha, onde se licenciou em audiovisual. Depois seguiu para Lisboa para trabalhar numa produtora de cinema durante três anos. Gostava do que fazia, mas vivia com incerteza e decidiu emigrar para a Irlanda, em 2012, à procura de um trabalho em audiovisual.

“Alarguei as minhas opções e procurei trabalho para quem fala e escreve em português. Fui então contratado pela empresa que ainda hoje me emprega. Na altura em que entrei, ganhava cerca de três vezes o salário que tinha em Portugal.”

Numa ação de formação da empresa, dada pela internet, conheceu uma costa-riquenha. “Em fevereiro de 2014, decidi conhecê-la pessoalmente e apaixonei-me, tanto por ela como pelo país.”

Teve de esperar até 2015 para conseguir um visto de residência. “Aqui o salário é mais baixo do que na Irlanda, mas ainda assim o dobro do que eu ganhava em Portugal.”

Rui Durão e a companheira costa-riquenha, Andrea, junto do vulcão Poás
Rui Durão

Quando descreve o país, Rui lembra que a religião católica tem um peso grande na sociedade. “Quase todo o ‘bom costa-riquenho’ é religioso e tem ‘Deus’ e ‘Jesus’ na ponta da língua. Expressões como ‘Jesus o acompanhe’, “Graças a Deus’ ou ‘o Senhor sabe o que faz’ são frequentes entre os costa-riquenhos, devotos ou nem tanto”, conta.

“Uma grande parte dos carros traz autocolantes com frases e imagens alusivas a motivos religiosos e até alguns autocarros têm toda a parte traseira pintada com representações bíblicas. Também à mesa há diferenças: aqui abundam os molhos picantes, que são extremamente saborosos, e a fruta - sobretudo o tal ‘plátano’, o ananás e a manga.”

Pura vida

Rui Durão é detalhado a fazer um retrato dos costa-riquenhos. “Os ‘ticos’ gostam de futebol (o guarda-redes do Real Madrid, Keylor Navas, é considerado um herói nacional), de fast food, de usar cartões de crédito e créditos em geral, de rodeo em dezembro, de beber cerveja, de ir passear para o centro comercial, de comer frango, de dançar, de personalizar as luzes dos carros, de ir à igreja, de buzinar, de televisores acima das 50 polegadas, de lembrar que a “tiquícia” é um dos países mais caros da América Central e de falar mal do governo.”

“Não gostam de comer porco (ou fazem-no pouco), de respeitar as regras de trânsito, de brincadeiras com a religião e da Nicarágua em geral. Consideram que tudo o que vem da América do Norte tem qualidade e tudo o que vem da Europa é requintado. Não conhecem bem Portugal (tirando o Cristiano Ronaldo) e têm a ideia que é um país extremamente desenvolvido com excelentes níveis de educação e civismo. São patrióticos, transmitem o hino nacional duas vezes ao dia na rádio e televisão, têm a bandeira tricolor em todos os cantos (sobretudo em setembro, mês da independência).”

Rui conta também que os costa-riquenhos têm “uma maneira sui generis” de pronunciar os erres. “Trocam-no por algo que soa como jota (dizem o meu nome como “Jui”, por exemplo).”

Ao longo do último ano e meio, Rui foi adotando alguns dos hábitos dos locais. “Rendi-me ao pequeno-almoço ‘tico’, onde o feijão moído e ligeiramente picante é obrigatório. A fruta também faz parte e é deliciosa. Aliás, não sendo apreciador de picante em geral antes de vir para cá, devo dizer que já não passo sem picante habanero ou jalapeño. Eu, que nunca fui muito de praias, adoro ter a praia todo o ano aqui tão perto, com uma temperatura de água excelente.”

Ouvir dizer que o povo da Costa Rica é considerado o mais feliz do mundo já não o espanta. “Têm uma opinião positiva q. b. sobre as conquistas espanholas, celebrando inclusivamente o Dia das Culturas para assinalar o intercâmbio resultante da chegada europeia ao seu território.”

Entre os seus planos está a ideia de um dia voltar a Portugal para viver durante um tempo. “Em princípio não será mais do que um ou dois anos, dependendo da situação económica e social do país. Outros países europeus ou asiáticos poderão ser o destino mais adiante. A ideia é voltar a Portugal mas não ficar.”

Por enquanto, e por mais dois ou três anos, a intenção é ficar na Costa Rica. E entre tudo o que aprendeu até hoje, há algo que destaca: “Creio que vou levar daqui e ter sempre presente a expressão e filosofia ‘pura vida’.”