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Manifestar a dor: “Jony Driver” é o segundo registo a solo de Papillon

Não há canções curtas em “Jony Driver”, o segundo álbum a solo de Papillon, primeiro depois de extinto o coletivo GROGNation

Papillon segue a solo depois do fim dos GROGNation

Para lá de todo o amor que possamos ter em nós, somos seres feitos de dores, perdas e despedidas que vamos acumulando ao longo da vida. O modo como lidamos com elas pode atirar-nos para um buraco sem fundo, mas o processo de mastigação daquilo que nos causa mágoa poderá, por oposição, alimentar-nos a inspiração e dele conseguirmos retirar algo que ajude a alumiar-nos o caminho. Foi essa a via seguida por Papillon, manifestação artística do rapper de Mem Martins Rui Pereira, neste seu segundo álbum em nome próprio. “Jony Driver” sucede a “Deepak Looper”, de 2018, e é o primeiro registo a solo depois de extinto o coletivo GROGNation, com o qual se apresentou ao mundo há aproximadamente uma década. “Todos precisamos daquela fundação que nos vai fazer dar os passos por nós próprios”, assume o rapper em entrevista ao Expresso. “Foi a minha escola, onde aprendi todas as bases para fazer música por mim próprio. Essa base foi muito importante para o artista que sou hoje.” Já para o homem que é, a maior referência será sempre o pai, estrela norteadora de um disco que parte em busca da luz no meio do luto. A arte que dele nasce é a prova viva da gana que Papillon tem de seguir ao volante pelos caminhos que mais lhe aprouverem.

“Faz falta mudar para melhor.” É envoltos no crescendo explosivo de ‘Metamorfose Fase I’ que entramos em “Jony Driver”, com Papillon a deixar bem claro, desde o início, que veio para “renovar a mensagem”, “remodelar a paisagem” e “mudar o mundo” sem pedir licença. E mudar-se a ele próprio pelo caminho. “Papillon é símbolo de transformação. Quero ser sempre essa bandeira, mostrar que é possível mudar para melhor, e que só se muda para melhor se tivermos coragem para mudar”, defende. “Se não tentas, nunca vais saber se consegues ou não.” A viagem, depois desse assertivo arranque, passa por momentos negros — numa ‘Desperta.’, que vai ardendo em lume brando, alimenta a briga entre cabeça e coração para reconhecer que foi a música que o salvou de andar à deriva; em ‘Fe.’ dá voz ao “amor que desaba e te abandona” e à “saudade que aperta a alma e o intestino” — mas eleva-se, pelo caminho, com a efervescência de canções como uma ‘.Y’ com “sangue na guelra” ou uma ‘Cria.’ que chega como homenagem ao pai-herói (“filho de estrela só tem de brilhar”) e à força lutadora das suas raízes (“sou filho da tuga que praticamente só aceita niggas com palmarés”). Não há canções curtas em “Jony Driver”, o que não só significa que Papillon tem muito para dizer ao mundo (e outros tantos recados para entregar a si próprio) como que quis dar-se o tempo necessário para curar estas dores. “Foi difícil revisitar certos e determinados sentimentos”, confessa. “É quase masoquismo pôr constantemente o dedo na ferida. Foi difícil lidar com a dor no ruminar dos pensamentos, mas depois, quando chegámos à parte da execução, foi muito mais divertido. Eu gosto de fazer música, portanto o tempo passa rápido quando estou a fazê-la.”

Este é um artigo do semanário Expresso. Clique AQUI para continuar a ler.