A apresentação do livro "Identidade e Família” não parece ter sido uma presença pontual de Pedro Passos Coelho no espaço público. O antigo primeiro-ministro, uma semana volvida, regressa. E regressa com estrondo e críticas, do próprio partido a alianças antigas.
Em entrevista ao podcast “Eu estive lá”, da Rádio Observador, conduzido por Maria João Avillez, Pedro Passos Coelho visa, desde logo, o primeiro-ministro Luís Montenegro, que considera que se está a querer “desconectar” da governação social-democrata precisamente de Passos.
E atira: se Montenegro é primeiro-ministro, só o é porque foi seu líder parlamentar.
“Ele realmente foi um grande líder parlamentar. E foi aí que nasceu a possibilidade de ele criar condições para fazer o caminho para poder vir a ser líder do PSD. Portanto, ele faz parte dessa herança e desse legado. Em que medida é que ele se quer desconectar mais desse seu próprio passado? Não sei. A mim parece-me que foi muito evidente nos últimos tempos que houve essa preocupação de tentar desligar”, acusa Passos Coelho.
O antigo primeiro-ministro diz, porém, que “percebe” a vontade de “desligar”. “Até certo ponto percebo, porque é importante que os partidos possam ter uma perspectiva para futuro e não ficarem sempre só ligados ao seu passado”, sugere.
Passos Coelho garante que a última coisa que quer é “andar a criar constrangimentos” a Luís Montenegro, mas deixa um aviso à navegação: “Agora, também não posso ser impedido de, de quando em vez, poder dizer alguma coisa do que penso. E eu penso pela minha cabeça, evidentemente”.
Quem também não é poupado nesta entrevista é Paulo Portas, anterior líder do CDS-PP e parceiro de Governo de Pedro Passos Coelho. Revolvendo nos tempos da Troika, Passos Coelho diz que, para o FMI, o BCE e a Comissão Europeia, Portas não era de confiança.
“A Troika a partir de certa altura percebeu que havia um problema com o CDS. E passou a exigir cartas assinados por Paulo Portas. Eu julgo que ele [Portas] não sabe isto: para impedir uma humilhação do ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, eu obriguei o ministro das Finanças [Vítor Gaspar] a assinar comigo e com ele a carta para as instituições. Assinámos os três. A Troika exigia uma carta só dele. Porque não confiava nele”, garante.
Segundo o anterior primeiro-ministro, Portas foi mesmo uma força de bloqueio no decorrer da sétima avaliação da Troika e só a intervenção do então Presidente da República Cavaco Silva impediu o “desperdício de todos os sacrifícios dos portugueses”.
"Eu não conseguia que Paulo Portas aceitasse nenhuma versão. Nenhuma, nenhuma. Convoquei até um Conselho [de Ministros] extraordinário para explicar ao governo que íamos falhar a avaliação porque Paulo Portas não aceitava aquela avaliação. O que se passaria a partir dai era uma incógnita. A Troika diria que se não queríamos fazer nada também não enviaria mais dinheiro. O que é que se seguiu? Não sei, para mim é um mistério. Paulo Portas mudou de opinião. Eu creio que foi o Presidente da República”, sugere.
Cavaco Silva foi aqui útil. E noutras situações até “desajudou”, recorda o antigo primeiro-ministro. Mas Passos Coelho não poupa no elogio ao ex-Presidente da República. “Tive um relacionamento impecável com ele. E nos momentos difíceis tive o apoio dele. Isso foi importante para o país. Se tivesse falhado, o país teria falhado também.”
É destaque igualmente na entrevista a última eleição na qual Pedro Passos Coelho participou. E na qual, mesmo tendo vencido, acabou secundarizado pela Geringonça de António Costa. Passos acredita que o acordo de governo entre Costa e a esquerda, nomeadamente o PCP, já estava sinalizado previamente.
“Eu tive a percepção clara de que António Costa estava a preparar um governo alternativo com o apoio do Partido Comunista ainda no Verão. Fui juntando um conjunto de peças e fiquei com essa convicção”, conclui.