Congresso do PS

“O dia da saída fica-me eternamente marcado”: o fim do costismo pela lente dos jovens socialistas

Têm menos de 30 anos e quase toda a sua vida política foi com António Costa à frente do país - alguns não têm sequer memória de outro político. No congresso que marcou a mudança de era, os jovens socialistas partilham uma avaliação crítica da justiça, elogiam a possibilidade de uma nova ‘gerigonça’ e depositam “grande esperança” em Pedro Nuno Santos

TIAGO MIRANDA

Para as novas gerações, há poucas memórias na política para além de António Costa. Com oito anos na governação do país (que podiam ter chegado a 11), os jovens viram o caminho até à fase adulta ser feito lado-a-lado com o ainda primeiro-ministro. Para os jovens socialistas, a realidade não foi diferente. Ao costismo, deixam elogios rasgados e críticas a quem contribuiu para a sua queda. Agora, não temem que a primeira mudança de liderança a que assistem prejudique a forma como olham para a política e para o PS. Pelo contrário, colocam “grandes esperanças” em Pedro Nuno Santos pela sua ligação à Juventude Socialista (JS) – instituição que presidiu entre 2004 e 2008. “Melhor do que nenhum governante, [Pedro Nuno] consegue perceber as nossas preocupações e se calhar, pondo-se no lugar onde já esteve, vai fazer mais por nós [jovens]”, disse ao Expresso Mariana Borges, de 25 anos e militante da JS há 10, no 24º Congresso do PS.

“Não tenho grande memória anterior a António Costa”, admite Mateus Cruz, de 20 anos e militante da JS há apenas dois meses. Afinal, tinha apenas 12 anos quando Pedro Passos Coelho não conseguiu manter-se no governo, apesar de ter ganho as eleições em 2015, e foi substituído por um executivo de esquerda que uniu, pela primeira vez, PS, Bloco de Esquerda e PCP. “António Costa vai ficar marcado para a nossa geração como a primeira grande figura política”, afirma João Dias, de 21 anos e militante da JS há dois anos e meio.

João Dias, de 21 anos e militante da JS há dois anos e meio, de Olhão
TIAGO MIRANDA

Contudo, também há quem tenha memórias marcadas dos anos da Troika. “Quando vinha o Pedro Passos Coelho costumavam rolar lágrimas em minha casa”, lembra Sara Rodrigues, de 27 anos e militante do PS há dois. Apesar de já ter passado quase uma década, também Mariana Borges garante que o “clique” para a política surgiu exatamente durante esses anos. “Lembro-me de a minha irmã querer entrar na universidade e a minha mãe não saber se tinha possibilidades para ela continuar os estudos”, disse já emocionada.

Esta marca da figura de António Costa fez a sua demissão repentina cair com ainda mais estrondo na vida destes jovens socialistas. “O dia da saída fica-me eternamente marcado. Quando o Costa se demitiu foi quase como uma perda, um tirar de chão. Os nossos projetos [da JS], feitos ao longo de todo este tempo... Ficou tudo a meio”, lamenta Mariana Borges. Mesmo para os jovens socialistas fora da atividade partidária, a notícia da demissão não poderia ter sido mais inesperada. “Foi um grande choque para todos, foi um repensar da estabilidade que pensávamos ter”, lamenta João Dias.

Mariana Borges, de 25 anos e militante da JS há 10 anos
TIAGO MIRANDA

As “justificações” pedidas ao Ministério Público

Perante esta ligação a António Costa, é de esperar que a saída de cena, tal como aconteceu, não agrade a estes jovens militantes. À semelhança de nomes do PS como Augusto Santos Silva – que foi dos poucos que mais acentuou as críticas à atuação do Ministério Público e que pediu que a investigação estivesse concluída até às eleições –, também os jovens socialistas deixam palavras amargas sobre a justiça. “Como é que se cria uma crise política tão grande, tão profunda e tão prejudicial sem haver uma prova concreta? António Costa demite-se e ninguém consegue perceber porquê. Dizem que há escutas e as escutas que saíram cá para fora não têm nada de concreto. O Ministério Público e a justiça deixaram muito a desejar aos portugueses”, atira Maria Queimado, de 21 anos e militante da JS desde os 14 . A presidente da JS da Concelhia da Golegã chega mesmo a sugerir uma “reforma da justiça” no futuro.

Com uma “investigação pouco sólida” a fazer cair a maioria absoluta socialista, também Sara Rodrigues pede uma “reflexão” aos cidadãos sobre o estado da justiça. “O Ministério Público deve vir dar justificações”, acrescenta.

Sara Rodrigues, de 27 anos e militante do PS há dois anos
TIAGO MIRANDA

Ainda assim, as opiniões convergem quanto ao desfecho escolhido por António Costa. É unanime que o primeiro-ministro fez bem em demitir-se do cargo – por uma questão de “dignidade” – e que as eleições antecipadas foram o melhor caminho a seguir.

“Muito esperançosos com Pedro Nuno Santos”

António Costa pode ter sido a “primeira grande figura” na política para estes jovens, mas há uma “grande esperança” depositada em Pedro Nuno Santos. A ligação à Juventude Socialista, que presidiu durante quatro anos, é vista como garantia de uma maior proximidade às causas dos jovens. “Nós, jovens, estamos muito esperançosos com Pedro Nuno Santos. Ele já foi o nosso líder [da JS], sabe quais são as nossas preocupações e motivações”, diz Mariana Borges. Sem querer falar por toda a juventude socialista, também Sara Rodrigues afirma que o novo secretário-geral do PS é a “cara dos jovens”. “É impossível não nos revermos nele”, acrescenta.

Além da esperada ligação aos problemas da nova geração, Pedro Nuno Santos é visto também como a “pessoa indicada” para os cenários políticos que podem surgir após as eleições de 10 de março. “Se houver a necessidade de fazer uma coligação, o Pedro vai ser a pessoa indicada para conseguir gerir isso da melhor forma”, garante Maria Queimado depois de lembrar o papel de destaque que o novo secretário-geral do PS teve na gestão da gerigonça, quando ainda era Ministro.

Para a maioria destes jovens, um novo acordo à esquerda é visto com bons olhos. “A geringonça foi um dos melhores momentos da nossa democracia. Não podemos dizer, por exemplo, que as creches gratuitas foram uma luta só do PS, foram uma luta da esquerda. A questão dos manuais escolares gratuitos, a questão da diminuição da propina, tudo isto foi o PS, o Bloco e o PCP”, lembra Sara Rodrigues. Mariana Borges partilha da mesma opinião. “A geringonça correu bastante bem porque os partidos de esquerda acabaram por se unir em prol das causas comuns. Se tiver de acontecer [uma repetição], acontecerá”.

Mateus Cruz, de 20 anos e militante da JS há apenas dois meses
TIAGO MIRANDA

Ainda assim, ambas as jovens não desistem da ideia de que o seu partido pode voltar a conquistar uma maioria absoluta. “O que queremos é a maioria absoluta e é para isso que vamos à luta”, lança Mariana Borges.

Já Mateus Cruz tem um outro olhar sobre os últimos dois anos do PS. “Os portugueses não têm confiança numa nova maioria absoluta e com toda a razão. [Um entendimento à esquerda] poderá fazer bem ao próprio PS para repensarmos as coisas a partir de dentro, para conseguirmos ouvir opiniões dos outros e trabalhar juntamente com as outras pessoas”.