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Montenegro apresentou a sua descida de IRS como “forte”. Oposição diz que é “irrisória”, “ilusória” e que dá em média três euros por mês

Uma redução de IRS é tema consensual entre todos os partidos, a forma como o Governo a decidiu fazer não é. Montenegro olha para o acrescento que fez à redução do anterior Governo e defende a sua medida como uma “forte” redução de IRS. A oposição, da esquerda à direita, vê ilusão

Ana Baiao

No final do Conselho de Ministros estavam três pulpitos: um para o primeiro-ministro, outro para o ministro da Presidência e outro para o ministro das Finanças. Joaquim Miranda Sarmento foi o único que não falou. Luís Montenegro quis assumir a apresentação da proposta de redução do IRS depois da polémica da última semana e fê-lo para defender a ideia que, apesar de a sua descida contemplar a do anterior executivo, é uma “forte redução do imposto sobre os rendimentos de trabalho que abrange pensionistas e trabalhadores”.

Luís Montenegro assumiu que o valor da medida será de 348 milhões de euros este ano, que soma aos 1191 milhões de euros da reforma feita de António Costa. O ministro das Finanças atualizou os cálculos e baixou o valor do efeito da medida em vigor, dizendo que não ultrapassa os 1300 milhões, como previsto no Orçamento do Estado, mas fica isso sim abaixo dos 1200. O porquê do novo cálculo não foi explicado, mas com isto, o Governo de Montenegro ganhou uma margem adicional para não se ficar pelos 200 milhões referidos pelo ministro das Finanças no final da semana, mas ultrapassar os 300.

A nova redução de IRS, que será em cima da que já existe não havendo agravamento em nenhum escalão, aplica-se a todos os escalões de IRS com excepção do último e, antecipando as críticas da oposição, o primeiro-ministro quis dizer que o alívio será superior nos escalões de rendimentos mais elevados (não foram apresentadas, no entanto, simulações para estes escalões) porque os “esta ordem de rendimentos não pode considerar-se uma ordem de grandeza elevada”.

Agora, Montenegro remete para o Parlamento e desta vez, apesar de ter apresentado a medida, não fez qualquer pressão sobre a oposição. Defendeu apenas a sua medida dizendo que é de “estímulo ao trabalho” e que não será “isolada” porque este foi apenas o “primeiro sinal”.

Um “sinal” que a oposição descreveu com adjetivos menos positivos e ainda sem se perceber como e que partido votará favoravelmente a esta descida de imposto.

PS insiste em “truque” e “ganhos residuais” de alívio fiscal

Os socialistas não demoraram a reagir à descida do IRS anunciada pelo Governo, insistindo na narrativa de "truque" após a AD ter prometido um “choque fiscal” em campanha.

O secretário-geral socialista, Pedro Nuno Santos, considerou que estarão em causa "ganhos residuais" para os contribuintes, sobretudo com melhores rendimentos. “Na realidade, na vida concreta, no rendimento mensal de cada português estamos a falar de poucos euros. Os ganhos mensais que os portugueses vão ter com a medida do Governo da AD são muito irrisórios”, disse em declarações aos jornalistas à porta da sede nacional do PS.

Pedro Nuno reafirmou que o principal alívio fiscal vem do Orçamento do Estado de 2024, do anterior Governo socialista, sublinhando que a preocupação do partido prende-se com a reforma patente no documento que “ favorece os trabalhadores que ganham menos”. "Estas são duas visões diferentes da sociedade portuguesa", atirou, numa critica à medida do Governo.

Após uma primeira leitura, o líder socialista prometeu que o partido irá analisar a pente fino a proposta, afirmando que tudo aquilo que sai do Governo de Luís Montenegro “exige muito cuidado e muita cautela para não sermos enganados”. Uma coisa é certa: “esperança e ambição foi o que não vimos na proposta que nos foi apresentada”, vincou.

Na mesma linha, a líder parlamentar, Alexandra Leitão, considerou que o alívio fiscal anunciado pelo Governo é “muito limitado” e confirma que não corresponde àquilo que o programa da AD prometia, incorporando “80 a 90%” o alívio fiscal em vigor desde janeiro.

Segundo a socialista, há também uma redução maior a nível de IRS para os escalões mais elevados, não indo a medida no sentido da progressividade de impotsos, tal como defende o partido.

Chega vai apresentar contraproposta de descida do IRS: "Isto é um remendo fiscal"

Para André Ventura, a descida de IRS até ao 8.º escalão anunciada pelo Governo resume-se a um “remendo fiscal”, indo pouco além da proposta socialista. Por isso, o líder do Chega admitiu que dificilmente o partido votará a favor da proposta do Executivo (no máximo abstém-se caso não seja possível aprovar uma proposta melhor), anunciando que irá avançar com uma contrapropoposta de alívio “real”.

"Este alívio fiscal é, na verdade, um remendo fiscal e não um choque fiscal. É uma desilusão", atirou o líder do Chega, acusando o Executivo de não cumprir com a sua promessa eleitoral de avançar com um “choque fiscal” já este ano, que ajudou a AD a vencer as eleições."E pior é continuidade daquilo que o PS já vinha a fazer, estamos a dar ao PS o argumento de que não há nenhuma mudança entre as políticas alternativas e aquilo que o partido já fazia", insistiu.

O alívio fiscal para um salário de 1000 euros é de “pouco mais de 1,5 euros”, exemplificou. A nível geral representa uma diferença de “cerca de 3 euros por contribuinte” face à proposta do Governo socialista, vincou ainda.

Questionado sobre a possibilidade de uma coligação negativa na votação deste diploma, Ventura sublinhou que a proposta do partido será certamente mais favorável, afastando qualquer eventual ‘aliança’ com o PS:"Não haverá condições para uma proposta Chega-PS", disse perentório.

O partido está ainda a preparar a contraproposta, que será apresentada para a semana no Parlamento, mas segundo o presidente do Chega deverá corresponder a um “acréscimo entre 750 e mil milhões de euros” no alívio total IRS, que “abranja os 8 escalões e com poupanças que nunca sejam abaixo dos 5 a 10 euros e não poupanças de 1,5 euros como” na proposta do Governo.

Iniciativa Liberal considera medida de IRS "incómoda, insuficiente, injusta e ilusória", mas irá abster-se ou votar a favor

O líder da Iniciativa Liberal foi o primeiro a reagir às declarações de Luís Montenegro na conferência de imprensa sobre a medida de descida do IRS. Rui Rocha apelidou o anúncio do alívio fiscal do Governo como o “anúncio dos quatro ‘i’s”: incómodo, insuficiente, injusto e ilusório.

O “incómodo” é referente ao primeiro-ministro por ser obrigado a confirmar que a medida que foi vendida como um “choque fiscal” - embora Rui Rocha tenha admitido que os sociais-democratas não utilizaram essa expressão - é, afinal, menor do que se esperava. “É extremamente incómodo para o PM vir dizer que ambição é diminuta como a IL sempre disse”, atirou o líder liberal.

Depois, o líder liberal considerou a medida também “insuficiente” por representar um alívio fiscal marginal para os escalões mais baixos. “Para quem ganha até mil euros brutos, [a medida da AD] representa uma redução de dois euros por mês face à proposta que estava em vigor do PS. Absolutamente insuficiente”, declarou. Além disso, a medida para o liberal é também injusta já que favorece as pessoas com menos de 35 anos. “O que é que as pessoas com mais de 35 fizeram de mal à AD para não merecer uma real redução de impostos?”, atirou. Por último, Rui Rocha considerou a proposta de Governo “ilusória” por ser uma “mera atualização dos escalões face à inflação”.

“Há falta de ambição. O Governo da AD deixa as pessoas sujeitas à asfixia que já existia, é um retoque fiscal”, concluiu. Ainda assim, o líder da IL avançou que o seu partido irá votar a favor ou abster-se na proposta do Governo.

Bloco de Esquerda vinca que medida se traduz em “três euros por mês”

Também sobre a proposta do Governo para a descida do IRS, Mariana Mortágua veio apontar o efeito marginal nos rendimentos mais baixos. “Na prática, se dividirmos os 200 milhões por todos os contribuintes estamos a falar de três euros por mês. É isto que o primeiro-ministro usa para dizer que vai trazer de volta os jovens que saíram do país”, ironizou a líder bloquista. Além de ser uma reforma fiscal “falsa”, continuou, ainda vem beneficiar os “escalões superiores”.

Perante as projeções dos escalões do IRS que estão a ser transmitidos “nas televisões”, Mariana Mortágua quis avisar que são fruto de decisões do anterior Governo de António Costa. “Havia 1300 milhões de euros de redução de IRS e que dão lugar a essas descidas chorudas que estão agora a aparecer nas projeções e que já estavam planeadas, já estavam em vigor no Orçamento do Estado de 2024”. Apesar do Bloco de Esquerda ter votado contra o último orçamento da maioria absoluta socialista, Mariana Mortágua considerou que é preciso “fazer justiça” aos autores da reforma.

A coordenadora bloquista não adiantou o sentido de voto sobre a proposta. O partido irá “avaliar o projeto”, apesar de estar “apreensivo”. Para o Bloco, a “prioridade” deve estar na descida de impostos indiretos que “penalizam na conta da eletricidade ou comunicações”. Essa deverá ser uma das propostas que Mariana Mortágua prometeu levar ao debate sobre IRS que acontece na próxima semana.

PCP considera que proposta contribui para “aprofundamento da injustiça fiscal”

Os comunistas olharam para a proposta do Governo sobre o IRS, em primeiro lugar, como forma de “fugir à discussão sobre os aumentos dos salários”. “Querem falar de impostos para não se falar de salários”, atirou Paula Santos, esta sexta-feira, a partir da Assembleia da República.

Com a medida a “incidir sobre os rendimentos mais altos”, o PCP considerou que esta redução do IRS apenas irá contribuir para um “aprofundamento da injustiça fiscal”. “Fica claro que [a medida] não alivia os rendimentos mais baixos, mas incide sobre rendimentos altos e muito altos”, acrescentou a líder parlamentar comunista.

Sem avançar com o sentido de voto, o PCP comunicou apenas que irá apresentar as suas próprias iniciativas que preveem um alívio fiscal para os “rendimentos mais baixos e intermédios”. Essas propostas, a par com as do Governo, serão discutidas e votadas na próxima semana.

PAN pede mais "ambição" ao Governo a nível fiscal

Pelo PAN, Inês de Sousa Real considerou que a proposta de redução de IRS fica aquém das necessidades dos portugueses e pediu mais “ambição” no alívio fiscal.

“É necessário que se vá mais longe. É preciso que haja mais ambição neste pacote fiscal, que haja mais abertura. Os portugueses não precisam apenas de ter revistas as taxas é preciso uma verdadeira justiça fiscal no sentido de rever e atualizar os escalões à taxa da inflação, algo que não se fez desde 2021", afirmou a porta-voz do PAN, apontando, mais uma vez, para o pacote de emergência fiscal proposto pelo partido.

Admitindo que não se trata de um “choque fiscal”, Sousa Real insistiu que é preciso melhorar a proposta do Executivo, uma vez que as famílias necessitam de sentir neste momento um “verdadeiro alívio fiscal” .

Para a deputada única, o aumento da inflação traduziu-se num “jackpot fiscal” para o Governo socialista, sendo preciso acomodar os efeitos da inflação nas taxas de IRS. “É da mais elementar justiça que se devolva esse dinheiro aos portugueses”, reforçou, salientando que quem ganha o salário médio não tem sido beneficiado pelo alívio fiscal.

Sousa Real reafirmou ainda que o PAN propõe um aumento das deduções fiscais, sendo também preciso, na perspetiva do partido, descer o IVA, nomeadamente nos serviços médico-veterinários e alimentação para animais de companhia.

Já o Livre sustentou que a descida no IRS vem comprovar aquilo que o partido já sabía desde o debate do programa de Governo. “Prometeram um grande choque fiscal, mas o que apresentam é apenas um toque fiscal que favorece quem mais tem”, acusou o grupo parlamentar.