A 15 dias de os socialistas irem às urnas escolher o novo secretário-geral, Pedro Nuno Santos e José Luís Carneiro apresentaram as suas moções de orientação estratégica e vão deixando claro o que os divide. E não se limita a uma eventual política de alianças no day after. “O PS sempre contribuiu para a governabilidade do país”, escreve Carneiro, defendendo o PS como partido “charneira” e promotor de “consensos alargados” [com o PSD] para reformar o país, enquanto Pedro Nuno Santos, sendo omisso no texto da moção sobre política de alianças ou posicionamento político do PS, se limita a admitir falar com o PSD em questões pontualíssimas de regime e rejeita liminarmente qualquer viabilização de Governos minoritários se Luís Montenegro ganhar as eleições.
Nas prioridades e “desígnio estratégico” os dois projetos políticos também têm diferenças assinaláveis. Fazendo lembrar as duas grandes reformas que o PSD de Rui Rio sempre quis implementar, mas em que o PS de António Costa nunca se mostrou disponível, José Luís Carneiro aposta num “compromisso para a Justiça” que passe pelo fim dos chamados ‘megaprocessos’ e pela especialização dos tribunais e propõe que se avance com uma reforma do sistema eleitoral para preservar a democracia e aproximar os eleitores dos eleitos — algo em que o PS até aqui sempre recusou mexer, nomeadamente durante o processo de revisão constitucional aberto no Parlamento.
Além de propor a regulamentação do lobby e o “reforço dos padrões de exigência ética” do PS, numa alusão velada aos sucessivos casos que foram queimando a maioria absoluta por dentro, José Luís Carneiro centra as suas atenções nos “pactos” alargados, não só na justiça, como também na habitação e na saúde. E apesar de propor um programa para apoiar as “pequenas e médias empresas” e de propor continuar a ir mais além na política de valorização dos salários, nomeadamente do salário mínimo — prometendo aproximá-lo dos valores praticados em Espanha no horizonte de uma legislatura —, Carneiro, que tem Fernando Medina na primeira linha de apoio, defende o legado orçamental do atual Governo das “contas certas” e recusa utilizar o excedente orçamental para atender às “reivindicações” das várias carreiras da Função Pública. Aos médicos e professores prefere repetir o que Costa tem dito até aqui: o problema está nos entraves à formação de novos profissionais na base, e é aí que é preciso apostar.
Romper com Costa: dar tudo a todos
Já Pedro Nuno Santos, na moção entregue esta semana no Largo do Rato, faz um esforço em dois sentidos: primeiro, apostado em captar o voto do eleitor moderado do centro, concentra grande parte das suas prioridades na valorização das empresas e da produção nacional (em detrimento das importações). A palavra “esquerda”, curiosamente, aparece referida apenas uma vez no texto (e quatro vezes no de Carneiro), para dizer que o “legado” de António Costa da ‘geringonça’ “deve ser protegido”, enquanto a palavra “empresas” é mencionada 30 vezes. Depois, em consonância com a trajetória de descolagem da governação de António Costa que tinha vindo a ensaiar, o ex-ministro dedica grande parte das 46 páginas a explicar como o excedente orçamental e a redução da dívida pública não podem ser um fim em si mesmo: “Uma política de excedentes orçamentais acelera a redução da dívida pública mas pode reduzir excessivamente o espaço orçamental que o Governo precisa para fazer o investimento público em infraestruturas e em serviços públicos e para apoiar as famílias e as empresas”, alerta.
E é nesse sentido que Pedro Nuno Santos consolida o eixo em que mais rompe com a governação Costa/Medina: a devolução do tempo de serviço congelado aos professores, e não só. António Costa sempre recusou atender a esta exigência dos docentes, alegando que tal obrigaria a uma equivalência do resto da Administração Pública, mas é isso mesmo que agora o ex-ministro propõe.
Antes mesmo de falar dos docentes, o texto programático de Pedro Nuno Santos propõe “atrair para a Administração Pública pessoas qualificadas”, o que “passa pela valorização das carreiras”, incluindo “a recuperação faseada do tempo de serviço congelado”. Ou seja, compromete-se não só com a contagem total do serviço de carreira dos professores, como também das restantes carreiras da Administração Pública que tenham a mesma exigência.
Apesar de ainda não ter verbalizado o que fará se o PS não for o partido mais votado (mas ninguém duvida de que faça uma ‘geringonça’ se a esquerda for maioritária, o que não é provável), a ideia do candidato à liderança socialista é apostar tudo no voto útil e, acreditando que tem a simpatia da esquerda, piscar o olho ao centro. Nesse caso deixa um aviso aos antigos partidos da ‘geringonça’ numa matéria que foi central no chumbo no Orçamento de 2022: as leis laborais, nas quais o “neto de sapateiro e filho de empresário” não quer mexer. “É preciso evitar a tentação de fazer alterações sucessivas à legislação”, avisa.