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Património: entre a preservação e a divulgação e educação

Democratização do acesso à Cultura através do conhecimento do património nacional é o objetivo, mas quatro personalidades destacam diferentes necessidades e caminhos. Estratégia de longo prazo e criatividade são conceitos-chave nesta área

alexandre_delmar

Joaquim Ruivo, diretor do Mosteiro da Batalha

Em termos genéricos sobre a área da Cultura, aponta "a falta de visão estratégica", a incapacidade para "articular em complementaridade os paradigmas da 'democratização da cultura' e da 'democracia cultural'" - "Ainda estamos muito no primeiro paradigma, já discutido desde os anos 50 por esse mundo fora, que pressupõe uma visão hierarquizada da cultura, a cultura erudita, a que merece, pela sua 'qualidade" ser mostrada, difundida por todos".

"Não havendo um pacto para o futuro, não há estratégias de educação para o património, não há um encontro vinculativo e emocionante com as novas gerações. Os recursos serão sempre escassos porque falta sensibilidade e conhecimento aos decisores políticos. Tem que haver com urgência planos de ação de longo prazo entre cultura e educação", afirma.

Defende ainda que "a autonomia funcional - que pressupõe também a utilização das receitas próprias na gestão do património, mas sobretudo autonomia que permita, com os meios suficientes, promover processos colaborativos, criar conselhos consultivos, envolver a comunidade, ter capacidade e meios de promover a investigação e publicar os estudos, nomeadamente estudos regulares de públicos". "No âmbito do Património imóvel a grande revolução seria dar alguns monumentos e museus nacionais o mesmo estatuto que têm os teatros nacionais", conclui.

António Pinto Ribeiro, programador cultural

"Em cinquenta anos de democracia nunca nenhum Ministério da Cultura ou secretaria de Estado dispuseram de um orçamento tão elevado quanto goza o atual ministro por via das verbas provindas do PRR. Esta situação única e irrepetível a médio e a longo prazo devia acautelar para os trabalhos de uma reforma ousada e radical de estruturação de políticas culturais assentes numa visão de produção, disseminação, recepção e internacionalização da produção cultural feita a partir do território nacional e das diásporas.

Temo que o que está a ser levado a cabo sejam respostas a soluções imediatas e a uma continuada prática de viés assistencialista, nomeadamente no sector das artes contemporâneas. A continuar assim, a ressaca, passados os anos do benefício PRR, regressaremos a situações ainda de maior precaridade."

Para evitar esta "ressaca", António Pinto Ribeiro defende "a qualificação urgente dos quadros da administração central e local implicados na gestão das organizações culturais", o aumento da "literacia continuada no domínio das práticas mais avançadas das tecnologias da comunicação, o que implica a renovação geracional dos servidores da administração pública e por contágio das organizações culturais privadas" e ainda "uma maior autonomia dos sectores culturais".

Defende também "a conversão de instrumentos de grande difusão como a RTP/RDP e o Instituto Camões em verdadeiros instrumentos de literacia artística e cultural cultos" e que seja dado "protagonismo nos múltiplos fóruns e instituições internacionais e intercontinentais do governo, de modo a negociar mecanismos e situações que acolham as propostas portuguesas diferenciáveis na cena cultural internacional". Para concluir, dizendo que, “na verdade, o desejável mesmo era termos um Ministério da Cultura criativo”."

Raquel Henriques da Silva, historiadora de arte e ex-diretora do Instituto Português de Museus

Como uma das medidas para tornar a Cultura mais acessível, defende um aumento do financiamento para os museus, sublinhando que “são escandalosos os orçamentos para os museus que, sempre à míngua, nunca conseguem divulgar decentemente nem contratar colaboradores para mais visitas guiadas”. Além disso, considera premente o reforço das parcerias entre as escolas e os museus e monumentos.

“Desde os anos de crise financeira que as escolas se viram provadas de apoios para saídas, nomeadamente aos museus”, refere, acrescentando que a maioria delas não os recuperou. “Esse trabalho tem de ser permanente e emprenhado, baseado em parcerias com museus e monumentos”, acrescenta, dando do trabalho do Plano Nacional das Artes, dirigido por Paulo Pires do Vale, que considera um trabalho “notável”, apesar de ter “meios inacreditavelmente insuficientes”.

À semelhança do que está plasmado nos programas eleitorais dos vários partidos, defende a necessidade de uma “revisão profunda e criativa” da Lei do Mecenato, sublinhando que “é absolutamente necessário que coisas como lucros excessivos de empresas ou de bancos sejam, em parte, canalizados para a cultura”.

E não esquecem nem a regionalização, nem a papel da televisão pública. No primeiro caso, propõe “a criação de programas de financiamento regional, via CCDRs, para trabalho em rede quer ao nível da produção de eventos, da conservação e da educação, em lato senso”. E dá um exemplo de uma dessas parcerias que considera “fecundas”: as Universidades da Terceira Idade, criadas tomando em consideração o envelhecimento da população. Ao nível da televisão pública, defende que é “indispensável mais e permanente destaque às questões do património em horários capazes, com linhas de trabalho programático preparadas em conjunto com as equipas residentes em museus, palácios”, entre outros.

Paulo Pires do Vale, curador, responsável pelo Plano Nacional das Artes

"A cultura não é em extra na vida dos cidadãos. A cultura não é um luxo. A articulação entre cultura e educação é fundamental. A missão educativa da cultura junto de todas as instituições culturais, sejam museus, galerias, teatros, associações culturais, bibliotecas, arquivos, envolvendo as escolas e também o ensino superior é uma prioridade de um programa para uma política cultural, inclusiva, ampla e transversal.

Neste sentido, os ministérios da Cultura, Educação e o ensino superior, devem trabalhar com programas articulados entre si, de uma forma consistente, permanente, íntima. É muito importante desenvolver a ideia de que a Escola tem de ser também polo cultural.

É fundamental que este discurso seja acompanhado de políticas culturais e educativas, como a criação de legislação, envolvimento de instituições e financiamento. Deve ser pensado um novo dispositivo, sobretudo, um novo dispositivo que envolva o governo central e as autarquias.

Outra coisa muito importante é que as instituições se autoavaliem, tenham capacidade de reflexão sobre o que estão a produzir enquanto cultura e para quem.

Um programa para a cultura, abrangendo toda a criação artística, deve ter em conta todas as manifestações das suas expressões: da cultura popular à cultura erudita, sem hierarquizar.

E para terminar cita, Sophia, a poeta: “A cultura não existe para enfeitar a vida, mas para a transformar."