Armando Valente, co-diretor do festival Citemor, programador e produtor
"Quando falamos de cultura, neste contexto, estamos a falar de serviço público, ou seja, facilmente a discussão se torna ideológica e é difícil escapar à dicotomia esquerda vs direita.
Na direita, há partidos que não considero aqui por falta de credibilidade, mas em relação ao PSD fico triste, face às responsabilidades que entendo o partido ainda tem na sociedade portuguesa.
É notória a falta de empatia com o sector e o lugar da cultura é acessório, periférico, por vezes complementar ou instrumental. Parte de pressupostos mal enunciados e sem adesão à realidade; apresenta metas pouco ambiciosas que evidenciam ausência de estratégia; algumas medidas já estão em prática com sucesso, outras não apresentam uma relação causa-efeito e até a sua hierarquização denuncia o desconforto.
O Partido Socialista e Bloco de Esquerda são os mais estruturados. O PS beneficia de ter desenvolvido políticas para o sector na esfera da governação e o Bloco de Esquerda acompanhou as matérias de forma ativa e demonstra ligação à sociedade. Ambos revelam conhecimento dos problemas e propõem medidas concretas em documentos coerentes. O Livre também aborda o tema com propriedade e competência. O PCP não detalha tanto as propostas, mas está em linha, no essencial, com PS, BE e Livre. Uma conjugação destes programas, implementada em diálogo com o sector, seria uma boa solução para o país.
De uma forma geral, todos os partidos reconhecem a necessidade de reforçar o financiamento ao sector cultural e de desenhar uma nova Lei para o Mecenato.
Nenhum programa refere projetos de missão como a Casa do Artista, ou mais recentemente a Mansarda, que insuficientes. É urgente encontrar respostas adequadas para uma geração de artistas muito desprotegida, que não pode continuar a trabalhar, e a que devemos tanto. É uma responsabilidade moral de toda sociedade.
Eu não quero ver outra vez um governo de direita tomar posse, como aconteceu com o PSD/CDS em 2011, e rasgar os contratos que o estado português assinara com a comunidade artística. Os representantes eleitos não eram, ou não foram, pessoas de bem? Não quero voltar a ouvir expressões, como “os cortes não serão cegos”. E afinal foram.
Já agora, a referência aos 900 anos da Batalha de São Mamede inscrita em programa eleitoral da AD, é apenas ridícula. Influência de uma loja maçónica ou do fadista marialva?!"
Rui Horta, coreógrafo, fundador de “O Espaço do Tempo”
"Após uma semana de debates televisivos constantes, uma coisa é clara: a Cultura, mas também a Educação e a Ciência estiveram sempre ausentes. Não existe, por isso, qualquer interesse em discutir a importância estratégica da Cultura, dando-lhe um papel menor numa futura governação, não entendendo uma sociedade de conhecimento e inovação onde o pensamento crítico e criativo é essencial. No entanto, quando lemos os programas eleitorais, as propostas lá vão aparecendo, das mais vagas às mais detalhadas.
O problema da análise dos programas eleitorais é que a discussão nunca sai do nicho para o grande público, num país onde os apoios para a Cultura continuam endemicamente nos últimos lugares das estatísticas europeias. É essencial de uma vez por todas investir somas significativas na Cultura, pois elas trarão retorno ao desenvolvimento do país e à qualidade de vida dos cidadãos.
Cito algumas: reforçar as verbas afectas à criação artística, nomeadamente à descentralização, e às redes de cine teatros, bibliotecas e programas de apoio à leitura e à literacia - os nossos jovens lêem mas não entendem, da mesma forma que não entendem os problemas matemáticos.
A articulação dos Ministérios da Cultura e Educação é fulcral: a cultura e a criatividade devem entrar decididamente em todo o ambiente escolar. Dignificar as instituições públicas da Cultura, mas não esquecer o sector independente nem o movimento associativo cultural amador disseminado pelo território.
Promover a acessibilidade aos bens culturais e incentivando a sua fruição através das mais sofisticadas estratégias de mediação cultural. Garantir uma RTP e uma Lusa a prestar serviço público de qualidade, e lançar uma estratégia decidida para uma comunicação social como espaços de liberdade e opinião crítica independente, preservar e aumentar a autonomia dos museus e património cultural, tornando-os locais vivos da ação cultural.
Ter uma estratégia forte face aos desafios digitais, promovendo espaços protegidos de liberdade. A lista é interminável, traduzindo a complexidade do sector cultural e do respectivo ministério. Tão complexo que este deveria governar em permanente auscultação e aprendizagem, durante toda a legislatura.
O papel da cultura no discurso político da nação é essencial para o seu desenvolvimento - sem este, continuaremos eternamente num ciclo de crises que nem entendemos, com soluções que nunca descobrimos. O maior activo do futuro é um povo culto."
Patrícia Portela, autora e directora das Gaivotas 6
"São vários os partidos que referem a importância da autonomia das instituições culturais tuteladas pelo Estado ou avançam com propostas de aumento do orçamento para a cultura sem uma orientação específica. No entanto, todos parecem apostar numa necessidade de tornar este num sector mais lucrativo, financeiramente independente ou com um orçamento mais ou menos participativo (consoante as ideologias), cumprindo lacunas que deveriam ser obrigações transversais do estado (acessibilidade, luta contra a descriminação, temáticas actuais como a revolução ou a crise climática) esquecendo a natureza subjectiva, orgânica, rizomática e desconhecida do trabalho artístico, assim como o seu papel fundamental na reflexão sobre a sociedade e os seus males maiores.
O anterior governo dedicou-se com afinco a construir programas de apoio, redes de teatros, cinemas e galerias, planos nacionais de artes leitura e de coesão territorial que consomem grande parte do orçamento para as artes e regulam de forma sufocante o sector impondo condições e percentagens de envolvimento com câmaras, instituições sociais ou culturais da dgartes ou outras que afunilam o apoio e a criação para um grupo muito reduzido de grandes companhias e deixa de fora a grande maioria das associações e artistas que desempenham, muitas com carácter diário e intensivo, um papel dinamizador nas suas regiões longe do olhar e influência do estado central.
Nos últimos anos assistimos a uma proliferação de medidas teóricas que se concretizaram em projectos desmesuradamente burocráticos e permanentemente publicitados pelos órgãos estatais como um sucesso que na prática não existe. Multiplicam-se em observatórios, em conselhos culturais, instituições de serviços públicos da Cultura, em departamentos de apoio, atribuição e avaliação de medidas de implementação culturais que consomem os orçamentos que deveriam ser aplicados no terreno.
A Rede de Teatros e Cineteatros Portugueses (RTCP) apoia-se numa relação entre as câmaras municipais e a Direcção Geral das Artes que afunilou as programações das câmaras que são obrigadas a cumprir percentagens de espectáculos com apoio da DGArtes e com itinerâncias garantidas já com outros teatros; privilegiando os artistas e companhias que já têm um circuito organizado e sólido e uma relação estabelecida com as instituições.
O Rede Portuguesa de Arte Contemporânea (RPAC), cujo logotipo já percorre o país assim como a sua merchandising com saquinhos e canetas bonitas, ainda não distribuiu um único apoio, tendo o primeiro concurso fechado a meio de janeiro, desconhecendo as datas para os resultados.
Os programas de apoio da DGArtes são feitos através de candidaturas e formulários que uniformizam as propostas e as avaliam por critérios de majoração políticos e financeiros ao invés de artísticos (que são considerados subjectivos). Deixam-se cair financiamentos a projectos fundamentais por décimas na avaliação geral de um projecto, não havendo mecanismos de resgate e avaliação de projectos que são no terreno imprescindíveis mas não obedecem aos critérios burocráticos das plataformas de candidatura.
Neste momento, as artes performativas que se desenvolvem no país obedecem a temas e a objectivos estatais ou são realizadas por artistas que têm acesso a financiamentos próprios, não estando dependentes dos apoios do estado ou da comercialização das suas obras para sobreviverem. Isto implica que temos uma arte que não é feita por diferentes classes, com diferentes perspectivas sobre a sociedade; e sim uma arte realizada por uma elite privilegiada (e ainda assim grande bem haja pelo amor à camisola) ou por um sector exausto que trabalha em quatro turnos por dia para manter a casa, reduzindo, em muito, a variedade de temas, de linguagens e de propostas artisticas ou, simplesmente a sua qualidade.
Deveríamos apostar em incentivos fiscais e condições laborais para exercer a actividade artística e para usufruir de objectos artísticos como espectadores, ao invés de burocratizarmos a distribuição dos seus apoios ou de sobrecarregar as companhias com obrigações (financeiras contratuais e sociais) que deveriam ser condição 'sine qua non' transversal a todas as profissões e não um critério de majoração de um projecto artístico que, como se sabe, pode ser construído de muitas formas e seguindo muitos modelos.
Fala-se na realidade do sector mas ninguém o conhece nem existe vontade de dialogar. Os mecanismos de acompanhamento e de avaliação são descorados ou existem em regime de recibos verdes tornando também precária a própria fiscalização e avaliação dos processos de criação.
Em suma, um país que deseja ensaiar o seu futuro e experimentar novos formatos de sociedade e de comunhão tem de aposta nas artes performativas, visuais e literárias como veículo primordial de reflexão e experiência de novos modelos. Não pode ser um país que prefere exibir a arte e a cultura como um crachá que confirma as suas políticas (culturais e outras), correndo o risco de cristalizar a sua sociedade e o seu progresso."
Rodrigo Francisco, director do Festival de Teatro de Almada, da Companhia de Teatro de Almada, do Teatro Municipal Joaquim Benite, encenador e dramaturgo
"Gostava de que os decisores políticos abandonassem definitivamente uma certa perspectiva utilitarista da cultura, que tem vindo a instalar-se paulatinamente de há uns anos a esta parte.
De facto, como muito bem explicou Nietzsche, se defendermos que a Arte tem de ter uma utilidade à partida, então corremos o risco de confundir as coisas úteis com Arte. Suspeito, de resto, que este afã de procurar vergar a cerviz da criação artística aos desígnios da acção social - por mais nobres e 'úteis' que esses anseios aparentem ser - emanem das chancelarias em que os burocratas da União Europeia vão hoje em dia fazendo as vezes dos pensadores.
No que diz respeito ao teatro, para mim é muito claro que os sucessivos regulamentos de financiamento público à criação artística se inspiram nessas matrizes aparentemente bem-intencionadas das 'boas práticas europeias', nas quais abundam chavões que já me custa um tanto ouvir, como 'sustentabilidade', 'inclusão' e 'boas práticas'. A 'Arte vaselina' a mim não me interessa.
E, se é verdade que o anterior Governo tomou duas medidas absolutamente providenciais para o futuro do teatro português - falo do alargamento do apoio às companhias independentes de um período de quatro para oito anos, e da criação da Rede de Teatros e Cine-Teatros Portugueses -, também não me esqueço de que foi durante a vigência de um Governo liderado pelo Partido Socialista que o Teatro da Cornucópia fechou, por financiamento insuficiente."