Legislativas 2024

É preciso “rever com muita urgência as condições de exercício de funções políticas”, alerta Mendonça Mendes

Secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro e dirigente do PS, António Mendonça Mendes acredita que a democracia tem muito a perder se não forem alteradas as condições para o exercício de cargos públicos. Acredita que António Costa pode ser o que quiser, mesmo sem o fim da investigação de que é alvo, porque não tem direitos políticos limitados e aponta baterias à direita, a área política do Presidente, como faz questão de lembrar

José Fernandes

Escolheu não tomar posição nas eleições diretas, mas vai para a comissão política do PS escolhido por Pedro Nuno Santos. Em entrevista ao Expresso, António Mendonça Mendes diz que Costa pode liderar o Conselho Europeu mesmo sem investigação judicial concluída e considera que vai “custar muito caro à democracia” a incapacidade em mexer nas condições de exercício de cargos políticos.

Como viu o facto de o Presidente da República (PR) ter feito ontem uma nota a dizer que vetou a alínea do licenciamento industrial?

Com toda a naturalidade. Faz parte do processo legislativo. O que é importante nessa matéria é a prioridade do Governo desde 2016, que é uma prioridade de simplificação dos licenciamentos (política de licenciamento zero), mas que tem como pressuposto que se mantenham todas as garantias de qualidade dos projetos do ponto de vista ambiental, urbanísticos, de construção. Há uma alteração de paradigma de licenciamento com comunicação prévia, projeto de simplificação administrativa que vem em curso ao longo dos governos e esta era apenas mais uma peça desse mesmo projeto.

Mas o Presidente, de acordo com essa nota, assume que vetou a primeira versão, e fê-lo mais de um mês depois de o PM se ter demitido. O que se passou nesse período? Houve negociação com o Governo?

Vamos desdramatizar. O diploma foi promulgado numa versão mais reduzida, foi só isso que se passou.

Fica a sensação de que o PR quis lavar as mãos desse processo, garantindo que "expurgou" a alínea da suposta "lei malandra".

Não vou fazer nenhum comentário relativo à decisão do PR. Estamos perante um processo perfeitamente normal que decorre do processo legislativo e de normas que correspondem ao programa político do governo.

A expressão do Presidente é que "expurgou" tudo o que lá houvesse que dissesse respeito a licenciamento industrial. Como não conhecemos a versão inicial do decreto, o que é que foi exatamente expurgado? E foi expurgado por pressão do PR ou porque há uma investigação em curso?

Não vou especular sobre esses temas, as alterações seguramente estarão públicas na pasta de transição que faremos. Estamos a falar de um decreto de lei que resulta de uma alteração legislativa, que teve o voto de mais partidos para além do voto do PS na Assembleia da República. Portanto, é o culminar de um processo normal, a versão do decreto-lei é mais reduzida e as normas que entretanto não foram aprovadas agora o Governo mantém naturalmente a sua importância para a simplificação dos licenciamentos e estará seguramente na pasta de transição.

No congresso do PS, foram muitas as intervenções a responsabilizar o Presidente pela instabilidade. O António Mendonça Mendes também tem dito inclusive que “nos últimos 8 anos, o PS foi impedido de governar duas vezes”. Impedido por quem?

Nesta fase temos é de nos concentrar no futuro, e o adversário do PS nestas eleições não é o PR, o adversário do PS é a família política à qual o PR pertence, que é a direita. E estamos focados no futuro.

Mas ninguém se tem poupado a acusar o PR - e a Justiça - de ter sido o bloqueio que impediu o PS de governar, mesmo que a queda do governo tenha partido da demissão do primeiro-ministro. Esta estratégia de vitimização serve para quê?

Não há nenhuma estratégia de vitimização. O congresso do PS é um momento de todos os militantes tomarem a palavra. O que muitos têm expressado é que vamos a eleições, não porque tenhamos desejado ir a eleições, mas porque a maioria que há no parlamento foi dissolvida e houve a decisão de convocar eleições. E nós, com toda a naturalidade, estamos focados nessas eleições.

Havia alternativa? Acha mesmo que o Presidente podia não convocar eleições?

Essa é uma questão que não me pode colocar a mim. A única pessoa que tem esse poder é o PR, que tem esse poder e que o exerce de forma legítima, de acordo com a avaliação que faz a cada momento.

Então se exerce de forma legítima porque é que há esta culpabilização pelo que fez? É um condicionamento para o futuro?

Nós temos de desdramatizar a diferença de opiniões. E o facto de se afirmar publicamente quando não se concorda com determinada posição não tem nenhum tipo de leitura que não seja essa: a afirmação da avaliação política que cada um faz no momento. Mas no PS não estamos minimamente presos ao passado nem ressentidos. Estamos convictos de que o projeto que o PS tem desenvolvido nunca foi derrotado nas urnas, aliás, desde que assumiu o governo em 2015, em todas as eleições os portugueses voltaram a confiar maioritariamente no PS - em qualquer eleição, autárquicas, europeias, legislativas -, e por isso é com o espírito de construção do país nos apresentamos a mais um ato eleitoral, para continuar o projeto do PS.

Diz que o adversário do PS é a direita. O combate à direita parece ser feito através de uma colagem do PS ao Chega, mesmo que haja quem avise que esse caminho pode ser perigoso. O combate à não devia ser feito mais pelas ideias do que pela mera colagem teórica?

Não há a menor dúvida de que temos de nos centrar na diferença de propostas que há nos diversos campos políticos. Mas em relação ao que é o PS, o Chega e a direita hoje em Portugal, a minha avaliação é muito clara: foi o estado a que chegou o PSD que permitiu o crescimento dos partidos à sua direita. A responsabilidade pela ocupação do espaço político da IL e do Chega é do PSD. E o que verifico é que o PSD, em todas as oportunidades que tem para se diferenciar do Chega, não o faz. Quer do ponto de vista tático, quer político. Do ponto de vista tático, nos Açores fez uma coligação com o Chega para poder chegar ao governo, e do ponto de vista político é ver por exemplo as propostas de emigração que o PSD tem vindo a apresentar, numa evolução que do meu ponto de vista é negativa, e que lhe valeu críticas internas dentro do PSD.

Luís Montenegro tem garantido que 'não é não' e não fará qualquer acordo com o Chega. Não acredita de todo em Luís Montenegro?

Há questões táticas, que aproximam o PSD do Chega, e questões políticas. Não tenho dúvidas de que o PSD, se precisar do Chega para chegar ao governo, não hesitará em fazê-lo. Se isto custar fazer uma alteração do atual líder do PSD, estou convencido de que o PSD atuará nesse sentido.

Está a falar de Pedro Passos Coelho?

Não me compete escolher os líderes da direita. Mas a avaliação que faço é que o PSD não hesitará em fazê-lo, avaliando a trajetória de tem vindo a fazer.

Essa foi a estratégia do PS nas últimas eleições e acabou numa maioria absoluta. A ideia é mesmo repetir a estratégia?

A estratégia do PS é sempre a mesma: apresentar as suas propostas para o país e bater-se por elas. Em 2022, os portugueses votaram porque quiseram continuar um caminho de recuperação de rendimentos. Iremos com a mesma estratégia de sempre, os portugueses conhecem muito bem o PS e é isso que irá ser a pedra de toque da campanha.

Mas uma coisa são as propostas políticas, outra coisa é a tática, como dizia. Esta estratégia não é perigosa para o regime? Francisco Assis dizia no congresso que o PS não devia fazer campanha com base no ressentimento e no medo.

Os portugueses conhecem bem o posicionamento político do PS, como tem contribuído para o fortalecimento da democracia nestes 50 anos, e por isso nós nunca vamos pela negativa. Vamos lutar pelo projeto que apresentamos. E depois temos os nossos adversários, com quem debatemos democraticamente.

A diferença é que na campanha anterior Rui Rio estava a ser dúbio em relação a uma possível aliança com o Chega. Agora, Luís Montenegro é claro. E o PS mesmo assim não deixa de colar o PSD ao Chega, portanto isto é uma estratégia eleitoral.

Quem está a pressionar o PSD é o Chega. O Chega é que tem dito que para viabilizar um governo de direita só viabilizará se fizer parte da solução. Esta é a posição do Chega, portanto essa pressão não pode ser imputada ao PS. O que o PS deve fazer é apresentar a sua proposta e bater-se para ter o melhor resultado possível, e eu estou convencido que terá uma vitória nas próximas eleições.

O Chega é um problema da direita ou do sistema?

O Chega é um problema do sistema, mas nasce à direita. Os líderes da direita têm de conseguir travar e conseguir travar é não imitar o Chega. Muitas vezes, no debate político, o estilo com que partidos como a IL tem vindo a evoluir aproxima-se muito mais do estilo do Chega do que de um estilo institucional. Portanto, o que é importante que a direita perceba é que cabe à direita fazer a sua linha de separação clara relativamente ao Chega como foi feito em muitos países da Europa ao longo destes últimos anos. Porque este fenómeno não é exclusivo de Portugal, e o que se observa nos vários países é que, quando há um maior equívoco relativamente à forma como o centro direita lida com estes fenómenos, faz com que eles possam crescer ainda mais.

O PS não tem clarificado o que fará no dia seguinte. Se o PSD for o partido mais votado, e se o Chega apresentar, como já disse que fará, uma moção de rejeição àquele governo, como é que o PS deve votar?

Só em situações muito excecionais, os dois partidos centrais do governo devem viabilizar mutuamente os governos. Isto porque não basta viabilizar a constituição de um governo, é preciso que esse governo funcione. Ou alguém está à espera que o PS pudesse apoiar as propostas do PSD, que na maior parte dos casos, vão ser para reverter propostas que já foram aprovadas pelo PS? Portanto, a constituição do governo em si não é o mais importante. Implica condições para o governo levar a cabo o seu programa. Não acho normal que os partidos do centro se devam responsabilizar pela viabilização de governos de um e de outros, porque o resultado disso é que não há alternativas e isso é que é mau para o funcionamento do sistema democrático e é isso que faz crescer fenómenos populistas.

Em 2015, António Costa quando derrubou o muro da esquerda disse que só derrubaria o governo PSD/CDS se tivesse uma solução alternativa. Se Pedro Nuno Santos não tiver essa maioria à esquerda, faz sentido rejeitar um governo do PSD se o PSD for o mais votado?

O exemplo que dá é um exemplo da tradição do PS: o PS é consequente com as iniciativas que toma. Em 2015, quanto tomou iniciativa de rejeitar o governo, tinha uma alternativa preparada e uma alternativa que dava estabilidade ao país como aliás se veio a provar que aconteceu. Do ponto de vista da saúde democrática do país, é importante preservar a existência de duas alternativas em termos de governo. Naturalmente, é no quadro parlamentar que se deverá construir a estabilidade dos governos.

Uma das vezes que o PS foi "impedido" de governar, foi pelo PCP e BE. Continuam a ser parceiros confiáveis num cenário futuro?

A primeira legislatura entre 2015 e 2019 foi uma legislatura em que os portugueses guardam boas memórias: virou a página da austeridade, conseguiu vencer situações difíceis como a saída do procedimento por défices excessivos, devolvemos rendimentos às pessoas. Foi um governo que funcionou bem e uma maioria estável. Quando se apresentou o OE para 2022 a esquerda decidiu votar contra, e devolvida a palavra aos portugueses, os portugueses foram muito claros em relação a quem tinha razão. Olhar para trás não nos deve inibir para o futuro. Porque naturalmente, o PS tem mais pontos de contacto com a esquerda do que tem com a direita, isso é evidente.

Pedro Nuno Santos já disse que se ficar em segundo não fará diferente do que António Costa fez, se tiver essa possibilidade. Também não vê problemas nisso, suponho.

Não vejo problemas, mas quero sublinhar que o PS está a disputar a vitória nas eleições e estou convencido que o PS vai ganhar as legislativas.

Só para ficar claro: o que diz é que não vê como o PS possa viabilizar um governo minoritário do PSD porque depois não lhe dará continuidade. Por isso, defende que deve votar a favor de uma moção de rejeição?

O que estou a dizer é em abstrato: a viabilização dos governos em si só não é um valor. Porque um governo tem de ter condições para funcionar. O que faria um governo do PSD viabilizado pelo PS? Estaria sempre à espera que fosse o PS a aprovar e a votar propostas que são contrárias ao programa eleitoral que apresentou aos eleitores? Não faz sentido, portanto, acho que a preservação do sistema democrático implica a preservação dois blocos de alternativa.

Como é que o PS governa sem maioria de esquerda?

Como sempre governou ao longo dos 50 anos de democracia. O PS é, desde Mário Soares, o partido charneira da nossa democracia.

E o PSD não pode fazer o mesmo?

O PSD já fez a sua opção: coligar-se à direita e, se necessário, com o Chega.

Não tomou posição, assim como outros nomes próximos de Costa, na corrida interna. Porquê?

Não tomei posição por ser dirigente partidário, como presidente da federação de Setúbal, se tivesse entrado na corrida interna teria de ter despendido energia nessa mesma corrida. E o lugar que tenho no governo implicou que a minha energia estivesse concentrada no que era a atividade do Governo, por isso entendi que não devia tomar posição pública. Mas formulei o meu juízo e votei.

Agora vai ser membro da comissão política do PS indicado por Pedro Nuno Santos. Qual será a conta peso e medida da participação de António Costa na campanha eleitoral? Como é que se rompe com o passado sem fazer ruturas?

Caberá ao atual secretário-geral definir os momentos em que os vários protagonistas entram na campanha eleitoral, não há nenhum drama relativamente a isso. O PS não tem nenhuma tradição de ruturas. Nós não estamos a fazer nenhuma rutura com o passado, o que acontece é que se fecha um ciclo e abre-se um novo. Há uma nova geração, é aliás o primeiro líder do PS nascido depois do 25 de abril, e é agora o tempo de o novo líder do PS comandar o partido, apresentar a proposta do partido, e todos os militantes estão ao serviço.

E a partir de dia 15 teremos um Governo com dever de recato?

É o que resulta do entendimento da Comissão Nacional de Eleições e, naturalmente, o Governo vai procurar cumprir com todo o escrúpulo. Nestes últimos meses era importante que se entendesse que o facto de o Governo estar em gestão não significava que o país estivesse em gestão. O país tem de continuar. As obras que estão em curso têm de continuar, as reformas que estão em curso têm de continuar, a vida dos portugueses tem de continuar. A forma como o governo tem procurado contribuir para essa ideia é mantendo a sua ação e mostrando ao país muito do que está a ser feito e que não pode parar.

Esse roadshow não ofusca a afirmação da liderança de Pedro Nuno Santos? Cria-se a ideia de uma liderança bicéfala.

A nossa obrigação é manter a agenda do Governo, servir o país, trabalhar pelo país.

E fazer campanha pelo PS?

O Governo não está a fazer campanha eleitoral pelo PS, está nas suas funções e, estando em funções, está limitado à prática de determinados atos e é dentro desse enquadramento que o faz.

Mas não é possível dissociar nem estes oito anos do novo líder, nem dizer que não é este Governo que vai a votos. Também são estes oito anos que vão a votos.

Evidentemente. O PS tem uma história, uma história de que se orgulha, mas há o início de um novo ciclo com novas ideias e nova energia. Aliás, o secretário-geral do PS, no discurso de encerramento do congresso, fez mais propostas para o país, do que a direita tem feito ao longo destes últimos anos.

Como vai Pedro Nuno Santos resolver problemas que não resolveu em oito anos como ministro? Exemplo da Habitação, que tutelava, e onde propõe agora a criação de um novo indexante para calcular as rendas em função dos salários. Eram António Costa e Fernando Medina que não o deixavam fazer?

É normal que em cada ciclo possa haver um renovar de ideias e aprofundar de ideias. Todas as propostas que o PS apresenta são incrementais: não põem em causa o que está feito. Essa proposta parece-me bastante correta. Há muitos anos que temos um sistema de atualização de rendas que está indexado à inflação, considera apenas a inflação. Em momentos excecionais como os que aconteceram nos últimos anos, a inflação muito elevada faz com que não se torne óbvia a aplicação daquelas regras. Por isso é que o Governo, no ano passado, limitou mesmo o aumento das rendas a 2%, este ano reforçou o apoio ao arrendamento. O que está a ser proposto é que, em anos em que a inflação está anormalmente alta, possa também ser tido em linha de conta o factor da evolução dos salários para fazer uma correção.

Porque não se fez antes?

O PS não vai deixar de fazer novas propostas em relação a cada uma das áreas só porque já governou 8 anos. Temos de ter sempre a capacidade de andar para a frente, de nos reinventarmos, e a intervenção do secretário-geral do PS é a prova de que o PS tem muita capacidade de se renovar.

Carlos César disse mais: disse que havia cansaço a mais e criatividade a menos.

É normal que haja uma nova liderança e que essa nova liderança tenha novas ideias

E isso é mais fácil de fazer por Pedro Nuno Santos do que seria por José Luís Carneiro porque Pedro Nuno Santos já estava numa lógica de alguma crítica interna há muito tempo?

O que lá vai, lá vai relativamente às eleições internas. O congresso deste fim-de-semana provou a unidade do PS na pluralidade do que são as nossas opiniões. O PS tem uma grande capacidade de se unir naquilo que é essencial que é o projeto político que temos para o país.

Há uma pluralidade que achei muito curiosa no congresso. Por um lado, muitos dirigentes, incluindo o novo secretário-geral, a recusar falar de processos judiciais e a fazer o possível para que o congresso não fosse tomado por questões judiciais, mas na manhã de domingo uma série de senadores socialistas (Vieira da Silva, Ferro Rodrigues, Ana Gomes, António Vitorino) a lançarem críticas sobre a forma como o Ministério Público tem conduzido a investigação. Isto é o PS a falar a duas vozes ou é a pluralidade e indisciplina do PS?

O PS está empenhado em apresentar as suas propostas políticas para o pais, em não se deixar condicionar na sua atuação por aquilo que é o caso do dia. Temos de ter capacidade de apresentar as respostas que temos para os problemas do país.

Pessoalmente e como dirigente do país, faz parte dos que estão preocupados com o Estado de Direito ou dos que não estão?

Vamos fazer 50 anos do 25 de Abril, o facto de ter nascido em democracia faz com que o conhecimento que tenho dos tempos duros da ditadura seja através do que os meus avós e a minha mãe me contavam e, pro isso, tenho consciência de que só valorizamos a democracia a liberdade quando não a temos Mas nunca é um dado adquirido. A nível mundial, o número de democracias tem vindo a reduzir, ao nível europeu o irromper de uma direita populista que ataca os direitos LGBT e chega a proibir peças de teatro, como está a acontecer em algumas regiões de Espanha. Quando essas coisas acontecem, não há nenhum democrata que não possa estar preocupado.

Mas no que diz respeito à justiça, acha que o Estado de Direito está garantido em Portugal?

O Portugal democrático conseguiu construir um ordenamento jurídico que é equilibrado, com uma separação de poderes, com mecanismos de responsabilização.

Ferro Rodrigues disse que não há coincidências na política, Ana Gomes falava numa central de manipulação. Há no PS uma nova ideia da cabala?

Não. O PS é um defensor radical da democracia e do Estado de direito democrático. Devemos sempre enquadrar as opiniões que são expressas como opiniões livres, legitimas para poder questionar aquilo que cada um, em determinado momento, entende que deve fazer. E não há nenhuma área da sociedade em que nos devamos inibir de emitir as nossas opiniões.

Esta não é uma área qualquer. O Governo caiu por causa de uma investigação judicial e até podemos alargar a questão também ao PSD e à divulgação de uma investigação à casa do líder do PSD

O princípio é sempre o mesmo: há temas que devem ser discutido no fórum próprio. Nós, na política e na comunicação social, não temos a informação toda que nos permita formular juízos que não caba a nós fazê-lo. Essa separação de poderes é também importante que seja respeitada no espaço público.

Vai manter-se como "militante disciplinado", como Pedro Nuno Santos pediu e não falar desses temas?

Os temas da justiça devem ser tratados pela justiça. Quando eles começam a ser tratados no espaço público, seja por que motivo for, estão a ser tratados de forma desgarrada porque não conhecemos a origem nem a extensão dos factos e não conhecemos aquilo que não é relatado. Não temos as peças suficientes e não nos cabe a nós fazer. É essa maturidade democrática que se exige para que também no espaço político a campanha eleitoral se possa concentrar na diferença dos projetos políticos para o país.

Quando António Costa no seu discurso disse que podem derrubá-lo, mas não o derrotaram isso não foi dar o mote para o PS se atirar à justiça?

Desde 2015, o programa do PS foi sempre sufragado nas urnas pelo eleitorado, portanto não foi o eleitorado que derrotou este governo. Estamos de olhos postos no futuro para lutar pela vitória eleitoral.

Vamos viver um período mais ou menos longo em que temos um primeiro-ministro que não é o líder do PS e um secretário-geral do PS que lidera o partido que tem maioria absoluta. Como é que se coordena isto?

Com naturalidade. O projeto político do Governo é o projeto político do PS e, portanto, há uma grande sintonia entre a bancada do PS, o Governo e os órgãos dirigentes do PS. A ideia de que há uma liderança bicéfala não corresponde à realidade. As circunstâncias é que fazem com que, durante algum tempo, coexista um primeiro-ministro com um secretário-geral do PS. Já aconteceu com Ferro Rodrigues a líder do PS quando Guterres era primeiro-ministro. Lembro que a direita teve uma coexistência muito mais traumática com aquilo que o prof. Cavaco Silva fez ao dr. Fernando Nogueira e que tenho a certeza absoluta que o dr. António Costa nunca fará ao dr. Pedro Nuno Santos.

O quê em concreto?

O prof Cavaco Silva foi em determinadas alturas da campanha de 1995 um grande engulho para o dr. Fernando Nogueira, nomeadamente quando desmentiu o dr. Fernando Nogueira, que tinha dito que já sabia qual era a decisão do prof. Cavaco Silva sobre a candidatura a Presidente da República, que aliás depois se veio a provar. O prof Aníbal Cavaco Silva é daquelas personagens políticas da nossa história cuja componente política e de mercearia partidária ainda tem muita história para fazer, como se pode ler no livro de memórias do dr. Balsemão.

Não gostaria de ter alguém mais institucionalista como ele na Presidência da República do que alguém mais informal

Concordo com o secretário-geral do PS de que o PS deverá apoiar um candidato de esquerda à Presidência da República nas próximas eleições.

Neste sprint final foi possível um consenso com o PSD que não se opôs ao lançamento do concurso do TGV. Também foi possível aquele consenso, por vezes tremido, sobre os critérios para a escolha da localização do aeroporto. Teria sido desejável haver mais consensos com o PSD? Ou os consensos devem ser sobretudo sobre grandes obras que atravessam governos?

Vivemos muito obcecados em Portugal ou com reformas estruturais ou com consensos. Os consensos são importantes do ponto de vista da estabilidade das decisões para o país. Não podemos tomar decisões que impactam várias legislaturas e, portanto, são passíveis de serem revertidas ao longo dos anos e, com isso, fazer atrasar decisões. O caso do aeroporto é paradigmático.

Outra reforma que o PSD, na altura liderado por rui rio, queria fazer era da justiça. Não houve consenso com o Governo. José Luís Carneiro queria incluir esta reforma no futuro próximo. Faz sentido?

Acho que a arquitetura do nosso sistema de justiça é correta: assente numa magistratura judicial e numa magistratura do Ministério Público que, tendo autonomia, é hierarquizada. Essa hierarquia é designada pelo poder político, proposta do Governo ao Presidente da República e responde à Assembleia da república.

Essa hierarquia está a falhar?

Não estou a fazer nenhuma apreciação, estou a dizer que quando se fala da reforma da justiça do dr. Rui rio era uma reforma que punha em causa a forma como construímos a magistratura desde o 25 de Abril. O tema na justiça não é de leis, é de organização, com a modernização. Aquilo que se espera sempre - e bem - é celeridade, mas com segurança das decisões que são tomadas.

49’40’’ - Uma das questões que acabou também por cair no congresso do PS foi a sucessão do presidente do Conselho Europeu. Charles Michel anunciou que vai ser candidato às eleições europeias de junho e que sairá do cargo a meio desse mês. Isto é um calendário que se tornou curto demais para António Costa?

Sobre isso só quero dizer que concordo com a posição do Presidente da República de que o atual primeiro-ministro daria um excelente presidente do Conselho Europeu.

E daria também um bom candidato ás eleições europeias?

Também daria. O dr. António costa é um grande ativo político do PS e do país.

Nas circunstâncias atuais ou quando o processo tiver algum tipo de desfecho?

Nas circunstâncias em que o dr. António Costa entender que tem condições para se candidatar ou exercer o cargo que entender. cada pessoa que exerce cargos público avalia as suas condições para os poder exercer.

Mas António Costa entendeu que não tinha condições para continuar como primeiro-ministro por haver uma investigação aberta

Foi uma decisão muito corajosa e muito importante para o funcionamento do sistema democrático. Foi uma decisão puramente para preservar a imagem que os cidadãos têm do cargo de primeiro-ministro. Essa decisão está tomada, o dr. António Costa não tem nenhuma inibição para o exercício de cargos políticos.

António Costa já assumiu que não tem lugar de recuo quando deixar de ser primeiro-ministro. Considera difícil a ser advogado, tendo em conta todas as funções governativas que exerceu. Não é hora de voltarmos a rever as condições para o exercício de cargos políticos?

Não tenho a menor dúvida de que dentro da classe política há uma total incapacidade de enfrentar um problema que é muito real e vai custar muito caro à democracia, se não está já a começar a custar e que é precisamente as condições para o exercício de cargos públicos, seja quando se está, seja quando se sai. Aquela ideia peregrina de que vamos terminar com privilégios dos políticos…Uma coisa são privilégios, outra coisa são condições para o exercício. Por exemplo, os presidentes das entidades reguladoras têm um enquadramento quando saem que os inibe de exercer muitas funções, mas têm uma garantia de subsistência.

Como os primeiros-ministros tinham.

Os primeiros-ministros, os ministros tinham e deixaram de ter. Isso é, do meu ponto de vista, absolutamente errado. Há muito pudor de quem está no exercício de cargos públicos decidir como se parecesse que está a decidir em seu favor, mas não tenho a menor dúvida de que, com muita urgência, a classe política tem de rever para o futuro as condições de exercício de funções políticas, no exercício e após o exercício.

Inclusive a nível remuneratório.

Por veze´s cinge-se a questão apenas a esse tema, mas não é apenas esse tema. Tem de haver um enquadramento claro das condições de saída, quer em relação aos impedimentos, mas que dê a garantia a quem vai exercer um cargo público que, a seguir, tem condições de regressar à sua vida. Aquilo que, de forma muito demagógica e até governos do PS fizeram relativamente a esta matéria é muito prejudicial par ao funcionamento da democracia porque afasta as pessoas da política.