A Câmara de Setúbal vai enviar para a Polícia Judiciária e Inspeção-Geral de Finanças o resultado de uma auditoria que indica utilização indevida de cartões de crédito do município pela ex-presidente Maria das Dores Meira, segundo a autarquia.
Maria das Dores Meira, que cumpriu três mandatos consecutivos como presidente da Câmara de Setúbal eleita pela CDU em 2009, 2013 e 2017, e que agora é candidata como independente com o apoio do PSD, afirma numa declaração publicada na rede social Facebook que está a ser alvo de "perseguição política" e de "assassinato de caráter" e reforça que não cometeu nenhum crime.
"Esta auditoria é a continuação da perseguição política que teve o seu início quando anunciei que seria candidata à Câmara Municipal de Setúbal. Serve apenas para me visar e perseguir politicamente. É uma tentativa de assassinato de caráter, por parte dos meus opositores políticos, para tentarem tirar vantagens eleitorais", refere a ex-autarca e agora candidata adiantando que desconhece a auditoria e o seu resultado, que não lhe foi facultada e que nem sequer foi ouvida na mesma.
Por outro lado, afirma estranhar que a auditoria vise apenas a sua pessoa e que seja divulgada a 30 dias das eleições autárquicas.
Questionada pela agência Lusa, a Câmara Municipal de Setúbal indicou através do seu gabinete de imprensa que a autarquia vai enviar a auditoria para a Polícia Judiciária, que já havia feito o pedido da mesma, e para a Inspeção Geral de Finanças.
A auditoria, a que a agência Lusa teve acesso, tem data de 11 de setembro e foi realizada por proposta dos eleitos do PS e aprovada pela maioria CDU, PS e PSD na câmara de Setúbal, após uma notícia do jornal Público de 29 de agosto de 2024 e uma investigação da estação televisiva SIC transmitida no dia 23 de outubro do mesmo ano sobre a alegada utilização abusiva dos cartões de crédito do município sadino e recebimento indevido de ajudas de custo no mandato de 2017/2021.
Estiveram em análise os movimentos bancários de todos os cartões de crédito do município, dos boletins itinerários, pagamento de ajudas de custo, bem como os extratos de portagens rodoviárias no período compreendido entre 01 de janeiro de 2017 e 31 de outubro de 2021. Alguns deles estão descritos na auditoria.
Nas conclusões, a auditoria refere que, "a atuação da então presidente da Câmara Municipal de Setúbal, Maria das Dores Meira, no período compreendido entre 01 de janeiro de 2017 e 31 de outubro de 2021, se revelou desconforme com diversos normativos legais e regulamentares".
A atuação da então presidente, indica a auditoria, revelou-se desconforme com o Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais (POCAL), pela inexistência de um sistema de controlo interno eficaz, designadamente no que respeita à utilização dos cartões de crédito, movimentos bancários não devidamente documentados e insuficiente segregação de funções.
As ações, adianta a auditoria, estão ainda desconformes com o Sistema de Normalização Contabilística para as Administrações Públicas (SNC-AP) por incumprimento dos princípios de fiabilidade e regularidade da informação financeira, pela omissão de suporte documental adequado em diversas operações e ainda com o Regime Jurídico das Autarquias Locais (RJAL) "ao se constatar a duplicação de ajudas de custos com despesas de representação e a realização de pagamentos sem prova de interesse público direto".
"Os factos apurados, tais como a acumulação indevida de ajudas de custo com despesas pagas por cartão de crédito, utilização de verbas municipais para fins de natureza pessoal ou recreativa e ausência de documentos justificativos para diversos movimentos bancários, configuram potenciais violações dos princípios da legalidade, da prossecução do interesse público, da economia, da eficiência e da eficácia, consagrados no artigo 266.° da Constituição da República Portuguesa e no artigo 5.º do Código do Procedimento Administrativo", refere o mesmo documento.
A auditoria adianta que "a apropriação indevida de património público, que lhe tenha sido confiado pelo desempenho de funções para as quais foi eleito/mandatado, conferindo por isso uma vantagem patrimonial ilegítima, é crime de peculato tal como definido no artigo 375.° do Código Penal".
Maria das Dores Meira foi presidente da Câmara de Setúbal entre 2006 e 2021, primeiro em substituição de Carlos de Sousa (também eleito pela CDU), que renunciou ao mandato por ter perdido a confiança política do PCP, e depois como presidente eleita em 2009 (com 38,83% dos votos), tendo sido reeleita por duas vezes com maioria absoluta, em 2013 (41,93%) e 2017 (49,95%).
A Câmara Municipal de Setúbal é atualmente liderada por André Martins e tem um executivo camarário constituído por cinco eleitos da CDU, quatro do PS e dois do PSD.