Crise política

Costa atira a Marcelo em várias frentes: faltou “bom senso”, a dissolução “foi despropositada e desnecessária”

Costa desmente Marcelo sobre a revelação de que teria sido a seu pedido que a PGR foi a Belém. Faltou “bom senso” na hora de dissolver a Assembleia da República, a dissolução foi “despropositada e desnecessária” e as conversas entre primeiro-ministro e Presidente da República “não são entre duas pessoas que se conhecem”. Costa discorda, desmente e critica Marcelo de forma mais ou menos direta e ainda atira à justiça

MANUEL DE ALMEIDA

Não há volta a dar na relação entre António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa e o primeiro-ministro não esconde o desagrado. Ainda a Comissão Nacional do partido ia a meio quando António Costa saiu da sala e falou aos jornalistas. Durante cerca de 15 minutos foi deixando cair críticas mais ou menos duras ao Presidente da República que, de forma indireta, acusa de ter a culpa pela “crise irresponsável” que vai ter de ser resolvida pelos portugueses e da qual, espera, não saia nova necessidade de dissolução da Assembleia, avisando para os acordos com o Chega.

Pelo caminho, elogiou os dois candidatos à liderança do PS, mandou indiretas à Procuradora Geral da República que fala com ele pelos jornais e atirou direto ao PSD e ao Chega, um partido que só existe “para contestar e perturbar”. A linha de defesa política de António Costa está feita e o guião para eleições legislativas também.

O primeiro acto e talvez o mais forte destas suas declarações foi o ataque velado a Marcelo Rebelo de Sousa que apareceu em vários temas. Se dentro da reunião, que foi à porta fechada, Costa poupou nas críticas ao Presidente e pediu ao PS que não o defendesse, tal como o Expresso escreveu, cá fora, Costa puxou dos argumentos para não deixar pedra sobre pedra na relação com Belém.

Primeiro, defendeu que perante umcenário internacional que é muito pesado” era recomendado "que tivesse havido bom senso e não desencadear esta crise política”. Costa não se estava a referir à sua demissão, mas ao facto de o Presidente da República a ter aceitado algo, aliás que Carlos César criticou dentro da reunião e decidido, apesar do empate no Conselho de Estado, convocar eleições antecipadas quando o primeiro-ministro lhe tinha apresentado uma solução de um governo liderado por Mário Centeno. "Uma vez desencadeada a crise, o PS tem de falar aos portugueses, porque tal como os portugueses resolveram a última crise irresponsável, devem também resolver a nova crise irresponsável", disse.

Depois, não só criticou a postura do Presidente por ter revelado o que aconteceu em reuniões entre os dois, como o desmentiu. No diz que disse, o Presidente da República, de visita à Guiné Bissau, tinha referido que o primeiro-ministro tinha revelado que tinha sido a seu pedido que tinha chamado a Procuradora-Geral da República. Ora Costa nunca o disse e agora fez questão de desmentir o Presidente. "Terá de perguntar ao Presidente da República que comentário público terei feito, não me ocorre nenhum" e se o fez, referiu, terá sido em frente aos jornalistas.

Já antes, nas mesmas declarações, António Costa tinha atirado forte às revelações que têm acontecido sobre as reuniões que teve com o Presidente:Não será por mim nem por heterónimos que escrevem nos jornais que vão ouvir dizer o que acontece nas conversas entre mim e o Presidente da República. Não vou alterar essa prática”, disse. Para Costa, as conversas entre o primeiro-ministro e o Presidente ”não são conversas entre duas pessoas que se conhecem, são entre dois titulares de cargos de soberania e é nesse plano que se devem desenvolver" a bem da “confiança”. “No dia em que cada um começa a achar que pode dizer o que o outro disse ou não disse, seguramente as relações entre dois órgãos de soberania correrão com menor fluidez do que deverão correr”, disse. Essa ”fluidez", agora estragada, ainda vai levar quatro meses

As farpas ao Presidente conheceriam ainda outro momento, quando, quase no fim das respostas aos jornalistas disse que espera que o Presidente da República não tenha de voltar a dissolver o Parlamento depois das eleições por vir aí uma solução mais instável do que aquela que lhe apresentou: “Esta era totalmente despropositada e desnecessária, mas pronto, está feita. Agora vir a ser forçado de novo, não”, afirmou.

Farpas à justiça

Mas não foi só a Marcelo que Costa afinou pontaria. Fê-lo também à justiça, com a Procuradoria-geral da República à cabeça. Aos jornalistas disse nada saber sobre o processo que corre no Supremo contra si e aproveitou para enviar nova indireta: “Depois do segundo comunicado da PGR, ficou claro que não existe autonomia do meu processo, apesar de seguir num foro separado, vai ter o andamento do conjunto do processo. Ficou claro o que significou, durará muito e muito tempo. Se for diferente, ficarei a saber pela comunicação social que é o meio de comunicação que a justiça tem mantido comigo”.

Além disso, questionado sobre a notícia do Expresso que dava conta que tinha sido a própria PGR, Lucílila Gago, a escrever o parágrafo que levou à sua demissão, fez saber que para si, há notícias que em vez de esclarecer, “criam dúvidas” e que são “curiosas”, deixando no ar a ideia que continua a ter desconfiança em relação ao parágrafo que refere na sua demissão e que o Presidente da República já disse nada ter a ver.

“Uma maioria com Chega nunca será uma maioria governativa”

Este foi outro dos pontos das suas respostas e que metem também o Presidente da República pelo meio. Depois de atribuir a culpa pela “crise irresponsável” a Marcelo, Costa foi avisando para o perigo que é a escolha de eleições antecipadas nesta altura, podendo daí resultar mais instabilidade, a começar pela ideia de que poderá resultar um governo das direitas unidas, com apoio do Chega.

Se o Presidente não bloqueará uma solução, como, aliás não fez nos Açores, Costa avisa-o para os perigos. “Uma maioria parlamentar aritmética dependente do Chega, pode ser uma maioria parlamentar, mas nunca será uma maioria governativa”, disse. Isto porque "o Chega não é um partido igual aos outros e não é só por causa da ideologia, é por causa do seu comportamento. Existe para ser um fator de instabilidade”, disse. O guião para o PS levar a eleições começa a desenhar-se. Foi com estes avisos que há quase dois anos conseguiu uma maioria absoluta e será com estes argumentos que conta ajudar o partido a vencer a 10 de Março.

Daí que defende que é “essencial que a direita não seja maioritária na Assembleia da República e possa haver outras soluções de Governo porque o Chega não existe para governar, existe para contestar e perturbar”. “Não há ninguém que possa pensar que lá por fazer um acordo com o Chega e ter uma maioria na Assembleia da República cria condições de governabilidade, não cria, antes pelo contrário, é um fator de enorme ingovernabilidade como se está a ver nos Açores”, reforçou.

Costa não dá apoio e eleva fasquia: É possível vencer

Tanto dentro da reunião que decorreu esta manhã num hotel em Lisboa, como aos jornalistas, António Costa quis frisar que não vai manifestar apoio a nenhuma candidatura à liderança do partido, isto porque trabalhou com dois, Pedro Nuno Santos e José Luís Carneiro, e deixou elogios a ambos. "Não me ficaria bem estar a intervir na escolha de quem me vai substituir. Ainda para mais dos três, candidatos, houve dois que trabalhei com grande proximidade, admiração e estima por ambos”.

Os elogios trazem também um elevar da fasquia ao referir que não coloca em causa que é possível uma vitória socialista “com uma nova liderança, nova energia e programa renovado o PS terá todas as condições para vencer”, disse. Com essa ”energia", a nova liderança terá “todas as condições para ganhar e comparando com a alternativa que a direita apresenta que é de instabilidade”.