O Presidente da República “desmente que tenha convidado quem quer que seja, nomeadamente o Governador do Banco de Portugal, para chefiar o Governo, antes de ter ouvido os partidos políticos e o Conselho de Estado, e neste ter tomado a decisão de dissolução da Assembleia da República”, informa um comunicado da Presidência em resposta às declarações de Mário Centeno ao Financial Times.
Mais, acrescenta o comunicado emitido pelo Palácio de Belém, o Presidente da República “desmente que tenha autorizado quem quer que seja a contactar seja quem for para tal efeito, incluindo o Governador do Banco de Portugal”.
Na véspera da reunião da Comissão de Ética do Banco de Portugal, que o quer ouvir sobre ter ponderado trocar as funções de governador pelo lugar de primeiro-ministro, Mário Centeno fez uma declaração ao Financial Times onde diz que recebeu um convite do Presidente da República e do primeiro-ministro "para refletir" e "considerar a possibilidade" para liderar o Governo.
No sábado, em resposta aos jornalistas na sequência da declaração que fez em São Bento, António Costa já tinha vindo envolver o Presidente no contacto com o governador, ao dizer que tinha falado com Centeno “com o conhecimento” de Marcelo Rebelo de Sousa.
Agora, Marcelo vem garantir que não só não fez, como não autorizou algum convite. Tal como o Expresso noticiou, o Presidente abordou com o primeiro-ministro, entre outros nomes que este lhe apresentou, a hipótese de Mário Centeno, mas sem fechar decisões ou dar luz verde a convites e até terá tentado travar contactos. O Presidente não fechou logo a porta à hipótese que o primeiro-ministro lhe colocoupor querer trabalhar nos dois cenários até se reunir com os partidos e os conselheiros de Estado, que tinha convocado precisamente para auscultações prévias à sua decisão sobre o desfecho desta crise política.
Após ter falado com António Costa em Belém e ter chegado a analisar com o primeiro-ministro os quatro nomes que este lhe levara para eventualmente o substituírem no cargo e assim evitar eleições antecipadas, o Presidente - que filtrou a lista de Costa, considerando que nem Carlos César nem António Vitorino poderiam ser hipóteses - ainda pediu ao chefe da sua Casa Civil para telefonar ao chefe do Governo.
Fernando Frutuoso de Melo falou com o primeiro-ministro antes deste falar ao país às duas da tarde de terça-feira, quando comunicou ter apresentado a demissão, e o motivo do telefonema, segundo confirmou ao Expresso o próprio Chefe da Casa Civil, foi dizer ao primeiro-ministro que não deveria avançar com convites a ninguém.
Entretanto, o Público noticiou que o convite de Costa a Centeno tinha sido feito “com autorização” de Marcelo. Belém não reagiu. Tal como não reagiu à divulgação pelo primeiro-ministro de que tinha contactado o governador “com conhecimento” do PR. Mas a declaração de Centeno não passou em branco e à uma e dez da manhã de hoje, após surgir a notícia de que o Governador voltava à carga com a tese que Belém sempre desmentiu, saiu o comunicado da Presidência.
Boa parte desta história é feita de subtilezas de linguagem. Contactos “com conhecimento” é diferente de contactos com autorização, tal como contactar ou sondar é diferente de convidar. À semelhança do que aconteceu quando em 2004 o Presidente Jorge Sampaio chegou a receber do PSD propostas para que Manuela Ferreira Leite ou Marques Mendes substituíssem Durão Barroso, quando este trocou a chefia do Governo pela Presidência da Comissão Europeia, Marcelo analisou com António Costa todos os cenários, incluindo os nomes que este lhe levou.
Mas a tese do Presidente da República sempre foi que a análise dos dois cenários em aberto - nomear outro PM ou convocar eleições - apenas foi mantido por ele não querer fechar decisões antes de ouvir os órgãos que tinha convocado para o efeito.
Caso uma maioria expressiva de partidos e uma maioria dos conselheiros de Estado tivessem sido contra a dissolução do Parlamento, a decisão do Presidente ainda poderia ter sido equacionada. Mas a sua escolha, mal estourou o caso judicial no coração do Governo que levou o primeiro-ministro a demitir-se, sempre foi a convocação de eleições, coisa a que as auscultações acabaram por dar cobertura.
Dos partidos, apenas o PS e o PAN foram contra a dissolução. E no Conselho de Estado, cujo parecer não é vinculativo, houve um empate, tendo o Presidente desempatado a favor da decisão que sempre preferiu.