Política

Oposição insiste na responsabilização do Governo no caso Alexandra Reis

Da esquerda à direita, os partidos reagiram ao relatório da Inspeção Geral de Finanças com pedidos de maior esclarecimento sobre a responsabilidade política do Governo. PSD atira diretamente a Medina, liberais apontam para Costa

Rui Duarte Silva

As conclusões da Inspeção Geral das Finanças (IGF) e as decisões do Governo são “óbvias” para a maioria dos partidos que reagiram qause de imediato à conferência de imprensa dos ministros das Finanças e das Infraestruturas. Uns querem manter a TAP pública, outros defendem a privatização, mas todos insistem na responsabilização do Governo no caso da indemnização a Alexandra Reis, que agora levou à demissão da administração da TAP. E para essa responsabilização têm a comissão de inquérito parlamentar.

PSD – tiro a Medina e “dia infeliz” para a TAP

O PSD apostou no desgaste do ministro das Finanças e considerou que Fernando medina fica “ainda mais diminuído politicamente”, mas ainda assim sem pedir a sua demissão. Em conferência de imprensa, na sede nacional do partido, o vice-presidente do PSD Miguel Pinto Luz disse que decisão cabe ao próprio e ao primeiro-ministro.

Já sobre a decisão do Governo de exonerar o presidente do Conselho de Administração e a presidente executiva da TAP, Manuel Beja e Christine Ourmières-Widener, na sequência do relatório da IGF sobre a saída de Alexandra Reis da companhia, o dirigente do PSD considerou-as “ilações óbvias”. No entanto, e por considerar que existem ainda “muitos esclarecimentos por dar” neste caso concreto, o PSD irá insistir na audição de ambos na comissão parlamentar de inquérito já em curso.

“Esse será o palco por excelência para conhecer a verdade e o PSD quer conhecer a dimensão deste descalabro. O PSD assume todas as responsabilidades pelo passado, mas exige ao Governo, a Fernando Medina e a António Costa, que assumam as suas”, afirmou. Para o PSD, as ilegalidades da indemnização de Alexandra Reis “não podem ser consideradas apenas um problema do foro interno da TAP, são um assunto político e de responsabilidade direta das tutelas da companhia”.

Teremos de esclarecer cabalmente razões de Fernando Medina para escolher Alexandra Reis para sua secretária de Estado do Tesouro”, defendeu, considerando que esta segunda-feira “foi mais um dia infeliz para a TAP”.

Chega – parecer “irrepreensível”

O presidente do Chega, André Ventura, considerou que fica por esclarecer qual a responsabilidade do Governo e do administrador financeiro da TAP no processo de atribuição da indemnização à ex-secretária de Estado Alexandra Reis. Em declarações aos jornalistas, no parlamento, após a conferência de imprensa do Governo sobre o relatório da Inspeção-Geral das Finanças (IGF), André Ventura defendeu que ficou por esclarecer "a responsabilidade direta do administrador financeiro, que é nomeado pelo ministro das Finanças" e a "responsabilidade do próprio executivo" neste caso. “[O Governo] aqui fica como que protegido, como se a única responsabilidade disto tivesse sido de Alexandra Reis ou do ‘chairman’, ou da própria TAP", sustentou.

Para o dirigente do Chega, o Governo teve responsabilidades. "E é agora preciso perceber se João Leão [antigo ministro das Finanças] e outros, e o próprio Fernando Medina, não tiveram aqui responsabilidades e isso, o relatório para já não nos diz muito”, defendeu, insistindo na necessidade de “perceber qual a real responsabilidade do governo socialista nesta matéria”, sustentou.

Na ótica de Ventura, a exoneração pelo Governo do presidente do Conselho de Administração e a presidente executiva da TAP foi a “demonstração cabal” que o Chega “tinha razão”. “Era evidente e nós dissemo-lo desde o dia um, que a CEO da TAP não tinha condições para continuar e que isto estava a prejudicar gravemente o interesse nacional”, vincou.

Quanto à conclusão da Inspeção-Geral das Finanças de que o acordo celebrado para a saída de Alexandra Reis da TAP é nulo, e o pedido da devolução desses valores, o presidente do Chega disse que “não era preciso um grande esforço jurídico” para chegar a esta conclusão, salientando que o parecer é “juridicamente irrepreensível”.

IL pede “julgamento político”

O líder da IL (Iniciativa Liberal), Rui Rocha, defendeu que deve haver um “julgamento político” sobre a gestão da TAP, acusando o primeiro-ministro, António Costa, de ser o “grande responsável político” pela situação da companhia aérea. “António Costa é o grande responsável político por toda esta situação. Como a IL tem dito desde do início, muitas vezes sozinha e não acompanhada, estamos perante uma péssima decisão política que foi a renacionalização da TAP”, afirmou Rui Rocha, em declarações à comunicação social na cidade açoriana da Horta.

Para Rui Rocha, existe uma “tentativa” de “ilibar o poder político” da situação, considerando que deve existir um “julgamento de censura politica muito forte” sobre o primeiro-ministro António Costa. “Tem de haver um julgamento político sobre a gestão da TAP no seu conjunto. Nós não podemos ver o poder politico, o governo, a ficar de fora de uma avaliação sobre a condução de todas estas situações”, reforçou.

O presidente da IL afirmou que o relatório da IGF confirma o “óbvio”, referindo-se à existência de uma “gestão inadequada” na saída de Alexandra Reis da transportadora. “Temos uma consequência grave. A demissão em direto na televisão de uma equipa de gestão da TAP. Isso contraria aquilo que o primeiro-ministro foi dizendo ao longo do tempo de que se tratava de casos e casinhos. Isto não é um casinho. É um caso grave”, realçou.

“Tudo isto não devia ter acontecido. A TAP deveria ter permanecido uma empresa privada porque quem paga no final todos estes atos de gestão e todas essas decisões politicamente erradas são os portugueses. É preciso chamar a António Costa à responsabilidade”, insistiu.

PCP – há mais Alexandras Reis?

Para o PCP as decisões anunciadas pelo governo são "uma inevitabilidade". “Estávamos perante uma prática verdadeiramente inaceitável, perante uma ilegalidade que tinha de ter uma consequência”, disse o deputado Bruno Dias, em declarações aos jornalistas na Assembleia da República. O deputado do PCP defendeu que é preciso saber “quantas Alexandras Reis mais poderão existir”, uma vez que o relatório atual da IGF só abordou o caso em concreto da indemnização de 500 mil euros da ex-secretária de Estado.

Bruno Dias salientou que esse tipo de indemnizações constitui "uma prática verdadeiramente inaceitável, que é a marca da gestão privada que impuseram à TAP", e que "levanta as maiores preocupações" ao partido. Nesse âmbito, Bruno Dias referiu que o PCP não vai desistir “de apurar e de ter o esclarecimento do conjunto dos factos e das explicações que a gestão privada teve na companhia, nomeadamente em situações como esta”, mas vai também procurar perceber como foi feita a privatização da TAP em 2015.

“Queremos saber todo o conjunto de opções estratégicas, profundamente lesivas, penalizadoras para a TAP e para o interesse nacional, que foram levadas a cabo ao longo destes anos e que valem 800, 900, mil Alexandras Reis, tendo em conta o valor que está em causa”, disse. Bruno Dias referiu ainda que a questão que se coloca agora é perceber se a conclusão do Governo perante a atual situação “é insistir e acelerar no processo de privatização da TAP”, incluindo do ponto de vista “das nomeações para a próxima gestão da companhia”.

“Há uma conclusão que claramente devia ser retirada e que o Governo está a negar, é que a TAP está em risco no caso de voltar a ficar em mãos privadas e dos grupos económicos, e deve ser defendida a TAP, os trabalhadores da TAP, e isso significa parar este processo de privatização”, defendeu.

Questionado sobre a escolha de Luís Silva Rodrigues, atual CEO da SATA, para presidente executivo da TAP, Bruno Dias considerou que essa nomeação levanta “as maiores preocupações”, uma vez que Silva Rodrigues também seguiu uma estratégia de privatização da companhia açoriana. “A orientação que claramente está a ser dada é ‘tudo para a frente com a privatização da companhia, dê lá por onde der, custe o que custar’, e isto é verdadeiramente inaceitável, é algo que tem de ser travado no nosso país pela defesa do interesse nacional”, disse.

Mariana Mortágua, deputada do BE
ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA

Bloco de Esquerda - administração da TAP foi leviana

Também para o Bloco de Esquerda as exonerações na TAP eram um “desfecho inevitável”, mas a deputada Mariana Mortágua considera que ainda há explicações a dar, em particular sobre a responsabilidade do ministério das Finanças. “A partir do momento em que houve uma pressão pública para que o caso fosse investigado (…) toda esta pressão tornou completamente inevitável este desfecho de, uma vez detetada uma irregularidade, exonerar os principais responsáveis por essa irregularidade”, afirmou a deputada do Bloco de Esquerda (BE) Mariana Mortágua, em declarações aos jornalistas na Assembleia da República.

Mariana Mortágua defendeu que há algumas perguntas às quais a comissão de inquérito à TAP poderá responder, afirmando que é preciso perceber se o ministério das Finanças e o administrador financeiro da TAP tinham conhecimento da indemnização de 500 mil euros atribuída à ex-administradora da TAP Alexandra Reis. “Continua a ser uma perplexidade como é que foi necessário que todo este caso viesse a público e que o ministro das Finanças tenha tido conhecimento dele ao mesmo tempo que qualquer cidadão teve, sendo que o ministro das Finanças tinha uma responsabilidade acrescida que era a tutela sobre a TAP”, disse.

A deputada do BE disse querer ainda perceber que outras decisões a atual administração da TAP tomou de "forma leviana" e "cometendo irregularidades", uma vez que “a mesma CEO e a mesma administração tomou levianamente a decisão de dar uma indemnização de 500 mil euros" a uma administradora. “Esta administração e os atos lesivos desta administração têm de ser passados a pente fino, porque há indícios de uma administração que toma este tipo de decisões contra os interesses da TAP e cometendo até algumas irregularidades”, disse.

Por último, Mariana Mortágua referiu também que é preciso olhar para o processo de privatização da TAP de 2015, tendo em conta as notícias recentes segundo as quais o ex-acionista da companhia aérea David Neeleman terá concretizado essa privatização com dinheiro da própria companhia. “Quem é que sabia desta operação de David Neeleman, será que o Governo atual tinha ou não tinha conhecimento desta operação? Tendo conhecimento, quais seriam e quais foram as consequências para a nulidade da privatização em causa e sobretudo qual o sentido de voltar a insistir na privatização de uma empresa que é estratégica?”, perguntou Mariana Mortágua.

Referindo-se às palavras utilizadas por Fernando Medina na conferência de imprensa, a deputada do BE considerou que não cabe ao ministro das Finanças “decidir quando é que se vira a página”. “Espero que este virar de página não seja concluído com uma privatização que volte a entregar a TAP a um fundo abutre, a um qualquer acionista que a vai destruir”, disse.

Livre quer “empresa pública viável”

O Livre considera que o relatório da IGF sobre a indemnização atribuída a Alexandra Reis esclareceu a questão legal e defende a necessidade de a companhia aérea se tornar numa “empresa pública viável”. “Com o anúncio do relatório, a questão legal parece ter ficado esclarecida, com a identificação da nulidade do acordo que foi celebrado. A questão ética era para nós também já clara”, defendeu o dirigente do Livre e membro do Grupo de Contacto (direção) do partido Paulo Muacho, em declarações aos jornalistas no parlamento após a conferência de imprensa do Governo.

Para o Livre, “este acordo representa uma forma de funcionar da TAP” na qual o partido não se revê, além de ser “especialmente perversa no momento em que a administração da TAP mantinha, e continua a manter, cortes salariais nos trabalhadores da empresa, e é uma forma que o Governo e os gestores públicos não devem trabalhar”.

“Relativamente ao futuro da empresa, àquilo que o ministro das Finanças nos disse, à vontade de virar a página, é precisamente importante virarmos a página deste capítulo, destas tentativas de privatização da TAP, de podermos construir uma empresa pública que é viável e que serve o interesse público do país e que possa trazer retorno ao país, garantir condições de trabalho dignas aos seus trabalhadores e servir o interesse público. E não servir interesses privados ou dos seus administradores”, concluiu.

O dirigente lembrou que o Livre, que tem no Parlamento como deputado único o historiador Rui Tavares, não está representado na comissão parlamentar de inquérito sobre a TAP, mas vai “continuar atento ao assunto”.