"Não me apresento a esta eleição com uma abordagem de soundbites por respeito aos militantes: quero dizer-lhes ao que venho". A declaração de apresentação de Jorge Moreira da Silva à liderança do PSD já ia longa, para lá de 25 minutos e 14 páginas (de 17) lidas quando, saindo por instantes do texto guionado, fez este à parte. Era uma, das muitas, indiretas que mandaria ao adversário interno, Luís Montenegro, e ao presidente demissionário, Rui Rio. Seguir-se-iam muitas mais: não faz política de calculadora na mão, saberá unir porque nunca andou a dividir, prefere as ideias à guerrilha, não perderá um minuto com o Chega e não "subcontrata" ideias - à atenção de Montenegro, que foi buscar Joaquim Sarmento à equipa de Rio.
A campanha que quer fazer é "pela positiva", a "estima" e "amizade" que Luís Montenegro disse ter por si é recíproca, mas Jorge Moreira da Silva fez questão de vincar que um e outro são "diferentes". E um é melhor do que o outro. "Conhecemo-nos há muito tempo, tivemos um percurso comum em várias fases, mas somos diferentes, temos perspetivas diferentes. Não se trata dos bons contra os maus, trata-se de saber quem está mais bem preparado para resolver os desafios que o país enfrenta".
Ou seja, não há bons e maus, há um melhor do que outro, e Jorge Moreira da Silva acha que é melhor do que Luís Montenegro para aproveitar os quatro anos de oposição e reformar o partido por dentro, mudar a forma de fazer oposição e apresentar-se como alternativa para governar - seja em 2026 ou antes. Constituir um "verdadeiro Governo-sombra" é a primeira promessa, afirmando que o PSD não vai lá com gabinetes de estudo apenas, mas sim com protagonistas na "linha avançada" a fazerem marcação cerrada aos ministros de Costa e a apresentarem-se como alternativa. O modelo inglês é a inspiração.
Depois, organizar um congresso extraordinário logo no primeiro ano de mandato para rever estatutos e linhas programáticas do partido: aproveitar a oposição para "mudar tudo", disse, sem receios ou rodeios. "Mudar a forma como as pessoas veem o partido". Como Tony Blair ou Bill Clinton fizeram "numa altura em que os seus partidos pareciam não conseguir descolar". Porque, em política, o contexto é tudo e o contexto do PSD neste momento não é animador: o risco de se tornar um partido média "existe, é real", logo, é preciso "minimizá-lo e combatê-lo".
Chega jamais e a união interna. As diferenças para Luís Montenegro
Com um autêntico programa de governo nas mãos, Jorge Moreira da Silva ignorou os tempos das televisões (que até estavam em direto mas não aguentariam 40 minutos de discurso lido em transmisão contínua mais outros tantos de respostas aos jornalistas) e prosseguiu. "Tenho uma ambição clara e tenho um plano para lá chegar: 4 metas, 17 objetivos, 13 missões". E enumerou todos.
O objetivo era só um: distinguir-se dos restantes candidatos a líder e líderes do PSD. Distingir-se na forma (Monsanto, "o pulmão de Lisboa", como pano de fundo não foi por acaso), na densidade (17 páginas de discurso e mais de 1 hora de intervenção), na forma de fazer política "sem oferecer lugares e sem andar de calculadora na mão", e no conteúdo: a linha vermelha ao Chega serviu de mote para o primeiro tiro a Montenegro.
Sem nunca referir o nome, Moreira da Silva acusou Luís Montenegro de ter estado "convenientemente calado" e de ter mantido a ambiguidade em relação ao Chega - apontando essa como a principal causa do fracasso do PSD de Rio nas urnas nas últimas legislativas. "O resultado das eleições legislativas confirma que tinha razão. Lamento que, em 2020, muitos tenham ficado convenientemente calados e, ainda pior, venham agora definir o PSD como 'a casa comum dos não socialistas'. Comigo, não. Na casa do PSD não cabem racistas, xenófobos e populistas", disse.
Em causa estava o facto de Luís Montenegro, quando apresentou a sua candidatura, ter procurando posicionar o PSD como o líder da "grande família não socialista", onde se incluem, por princípio, todos os partidos à direita do PSD. Para Moreira da Silva, essa linha é clara: "nunca, jamais, em tempo algum". "Não vou perder muito tempo com o Chega, um voto no Chega não servirá para nada na construção de uma alternativa política em Portugal", disse, sublinhando que dizer isso não é o mesmo do que dizer que não perderá tempo com as pessoas que votaram naquele partido de protesto "ao engano".
"Não somos um partido de nicho, com reservas quanto ao combate às alterações climáticas e ao papel essencial do Estado na provisão de serviços universais na saúde e na educação. Somos um partido que não admite, em qualquer circunstância, dialogar e negociar com forças populistas e extremistas", tinha começado por dizer, considerando esta uma questão central no processo de clarificação interna que entende que o PSD deve fazer. No que depender de si, não há cá famílias não socialistas, a linha vermelha está traçada.
"O meu pai chama-se Antero" (não Passos nem Rio)
De forma "deliberada", Jorge Moreira da Silva apareceu no Parque Florestal de Monsanto sem apoiantes ao lado, apenas a família (a mulher e o filho mais velho) e um "amigo de há mais de 30 anos", Miguel Goulão, seu número dois desde os tempos da JSD. Assumindo que está a "dar o flanco" às eventuais críticas dos adversários, que dirão que não tem apoios, ou que fez uma exposição de ideias demasiado longa, Moreira da Silva assumiu que a escolha foi propositada: primeiro, porque entende que não deve pedir apoios a ninguém antes de mostrar ao que vem e que ideias tem; depois, porque diz ter mais apoios do que as pessoas pensam. E essa fase vem depois: a ideia é partir para a estrada já no final desta semana, para falar com os militantes à moda antiga, "até de madrugada se for preciso", e contactar com os barões e ex-presidentes do partido - coisa que ainda não fez, mas fará a seguir, até para "pedir conselhos para a empreitada que temos pela frente".
"Quis estar hoje aqui sozinho para mostrar que não ando na vida política de calculadora na mão. Leio, estudo, oiço, a minha força vem dessa capacidade de pensar, reforma, entregar resultados. Mas também não ando nisto há dois dias. É altamente precipitada a avaliação que fazem de que não tenho apoio público - tenho recebido um nível de apoio que até me impressiona", disse.
Com Passos Coelho não falou (ainda). Com Marcelo Rebelo de Sousa falará provavelmente esta quinta-feira, sabe o Expresso. E curiosamente foram esses os dois exemplos que Moreira da Silva deu para citar importantes líderes do PSD que fizeram oposição estando fora do Parlamento, embora tenha procurado afastar-se do rótulo de "passista". Ou rioísta, ou até moreirista.
Quer unir. E foi aí que lançou talvez a maior das críticas veladas a Luís Montenegro: "Nunca deixei de me bater, frontalmente, por causas e ideias. Mas nunca perdi um minuto que fosse na guerrilha e na conspiração. Não tenho contas a acertar nem posicionamentos equívocos a justificar. Conseguirei facilmente unir porque nunca andei a dividir".
É na síntese do passismo, com o rioísmo, passando pelo rangelismo e até o montenegrismo, que Moreira da Silva quer encontrar o seu lugar, pedindo até que não haja moreiristas. "O meu pai chama-se Antero, não se chama Pedro nem Rui. Nem o Pedro nem o Rui têm filhos chamados Jorge ou Luís", disse, em resposta aos jornalistas, rejeitando lógicas "redutoras" e "seguidistas".
"Esses grupos acabaram, a última eleição interna acabou, nenhum dos últimos protagonistas se candidata, os militantes são todos livres e tenho apoios oriundos de muitos lados do partido", disse, mostrando-se disponível para fazer debates - até debates temáticos - com Luís Montenegro. "Fiz a minha parte e jogo tudo nesta eleição. Tenho 50 anos, e exerci, nos últimos 33 anos, variadíssimas funções partidárias, parlamentares, governamentais e internacionais", concluiu. Depois de muito ameaçar, Jorge Moreira da Silva está mesmo em jogo. Faltam "cinco semanas e meia" de campanha para convencer os militantes de que é melhor do que Luís Montenegro. Começou mais uma corrida.