Política

Votos dos emigrantes: PS teme abstenção, PSD diz que o que importa é a “legalidade”

Repetição de votos dos emigrantes vai atrasar novo Parlamento e tomada de posse do Governo. PSD diz que é fundamental ter a “legalidade reposta”, enquanto o PS fala num passo “absolutamente desnecessário”

O secretário-geral do PSD, José Silvano. Foto: Estela Silva/Lusa

Novas eleições legislativas, velhos problemas. O sufrágio de 30 de janeiro – que deu maioria absoluta ao PS – desvendou alguns obstáculos e a necessidade de alterar a lei eleitoral. Com mais de 157 mil votos dos emigrantes no círculo da Europa considerados nulos, a repetição da votação naquele círculo eleitoral, decretada esta semana pelo Tribunal Constitucional (TC) vai atrasar o arranque dos trabalhos na Assembleia da República (AR) e a tomada de posse do Governo. Conclusão? Sem Orçamento do Estado até ao primeiro semestre, o país vai continuar a ser gerido em duodécimos.

Se o PSD insiste que é fundamental ter a “legalidade reposta”, o PS fala num passo “absolutamente desnecessário”, empurrando para finais de março ou início de abril a tomada de posse do novo Executivo de António Costa. Em causa esteve um recuo por parte dos sociais-democratas – que inicialmente acordaram que deviam ser validados os votos sem cópia do documento de identificação, mas depois acabaram por protestar contra essa decisão, à semelhança de 2019. “Foi um gesto absolutamente inaceitável e sem razão nenhuma”, diz ao Expresso Paulo Pisco, cabeça de lista do PS pelo círculo da Europa, acusando o PSD de ter rompido com o acordo estabelecido na reunião, do dia 18 de janeiro, com todos os delegados dos partidos, convocada pela Secretaria Geral da Administração Interna (SGMAI).

“Não há nenhuma ata que tenha qualquer outra posição”, vinca o deputado socialista. Na ata da reunião de 18 de janeiro, a que o Expresso teve acesso, foi decidido num ‘acordo de cavalheiros’ ilegal “aceitar como válidos todos os boletins cujos envelopes permitam a identificação clara do eleitor e descarga nos cadernos eleitorais desmaterializados, mesmo que o envelope não contenha cópia do cartão de cidadão ou bilhete de identidade”, uma decisão que a própria Comissão Nacional de Eleições (CNE) subscreveu numa deliberação aprovada em outubro de 2019, ao contrário do que prevê a lei eleitoral. Citando a CNE, justificava-se que “a remessa pelo eleitor de cópia do documento de identificação serve, afinal e apenas, como reforço das garantias do exercício pessoal do voto”.


PSD manifestou “dúvidas” que ficaram fora da ata

O secretário-geral do PSD, José Silvano, aponta, contudo, para outra reunião, a 4 de fevereiro, quando o partido se manifestou “contra” a aceitação de votos que não fossem acompanhados da cópia do documento de identificação. “Na primeira reunião estiveram delegados dos partidos, que depois transmitiram o que tinha sido decidido e o PSD, através do seu sector jurídico, disse depois que não podia concordar com isso, que era ilegal”, explica ao Expresso José Silvano, que depois de o partido ter tomado posições diferentes em momentos diferentes passou a ser o único autorizado a falar sobre este assunto.

O que aconteceu, contudo, foi diferente. Nessa reunião conjunta dos partidos com a CNE e a SGMAI,
a 4 de fevereiro, e todos os partidos voltaram a concordar com os procedimentos sobre a operação logística de contagem dos votos, como revela a ata dessa reunião. Ao que o Expresso apurou, a mandatária do PSD, Maria Emília Galego, manifestou apenas que o partido “tinha dúvidas” sobre o que tinha sido acordado na reunião de 18 de janeiro. Pormenor: pediu para que não se incluísse na ata nada sobre isso.

PS teme aumento da abstenção

Face às questões logísticas, a Comissão Nacional de Eleições (CNE) decidiu agendar para os próximos dias 12 e 13 de março a repetição das eleições no círculo da Europa, por voto presencial, sendo que até dia 23 serão recebidos os votos postais. Já os resultados devem ser conhecidos no dia 25, se não houver recurso.

Garantindo que o PSD está de “consciência tranquila”, José Silvano insiste que o mais importante é que se garanta a “legalidade” da votação dos emigrantes no círculo da Europa, após o protesto feito pelo partido, considerando que a situação que resultou da mistura de votos válidos e inválidos era “grave”. “Ninguém mais do que a CNE e a SGMAI sabe qual é o tempo que é preciso para repetir o ato eleitoral em condições logísticas”, afirma o secretário-geral do PSD acerca do calendário anunciado. Sobre o eventual aumento da abstenção, José Silvano desvaloriza e diz é uma “questão que tem que ser analisada por parte de quem vota”.

Do lado do PS, o deputado Paulo Pisco admite que a abstenção possa aumentar, porque os emigrantes estão “legitimamente zangados” visto que de forma “completamente gratuita” os seus votos foram “deitados para o lixo”. E lamenta ainda que o Governo não possa entrar mais cedo em funções para tirar o país da “semi-paralisia” em que vive, desde o chumbo do Orçamento do Estado para 2022. Esta era uma “eleição absolutamente desnecessária”, defende Paulo Pisco, mas, por outro lado, torna-se mais clara a necessidade de haver uma alteração à lei eleitoral para impedir que situações destas voltem a acontecer: “É uma desconsideração muito grande pelas nossas comunidades e dá uma imagem muito negativa do nosso país”, completa.

Uma discussão que já tinha arrancado no Parlamento e que deverá ser retomada, após a tomada de posse dos novos deputados.