“Isto não está bem. Isto não pode ser assim”, disse Jerónimo de Sousa. A frase é de maio deste ano, na altura em que os comunistas interpelaram o Governo no Parlamento sobre as propostas de alteração à lei laboral. O PCP insistia no horário das 35 horas de trabalho e no aumento geral dos salários, mas, acima de tudo, queria um compromisso político — e público — de que o tema teria prioridade na agenda. O caso era sério, já que nas negociações do último Orçamento do Estado (viabilizado graças à abstenção comunista), o Governo deixara no ar a promessa de revogar algumas das normas gravosas do Código do Trabalho e ir mais além na meta de aumento do salário mínimo. Mas com os meses a passar, a cobrança da promessa mostrou ser uma tarefa impossível para os comunistas e a partir de então, o termómetro da ‘geringonça’ não parou de subir. A crise esteve à vista de todos e o PS assistiu a tudo na primeira fila.
As leis laborais e os aumentos salariais foram um dos motivos principais para o corte entre PCP e Governo. Mas não foram nem os únicos nem os primeiros a agigantar a crise. Para perceber melhor a genealogia desta rutura é preciso voltar ao início de março, altura em que o primeiro ministro enviou para o Tribunal Constitucional a proposta de alargamento dos apoios sociais no quadro da pandemia. O Parlamento tinha aprovado a medida com os votos do PCP, Bloco e PSD, António Costa não gostou e alegou ser necessário pôr “a democracia e o Estado de Direito a funcionar” porque o Orçamento, “depois de aprovado, é da competência do Governo”. A mensagem não podia ser mais clara de que os comunistas tinham o seu espaço de manobra reduzido ao mínimo. O PS está a “dramatizar”, respondia o líder parlamentar do PCP, classificando esta como uma “opção inconcebível” e um “erro tremendo” que só podia ser interpretado com o facto de os socialistas terem iniciado “o caminho para a maioria absoluta”. Em abril, João Oliveira não tinha dúvidas: “É evidente que há uma crescente fricção política”, disse ao Expresso.