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Política

Sampaio e Marcelo: a história de um debate decisivo na vida de ambos

O debate das autárquicas de 1989 na RTP foi decisivo para Jorge Sampaio ganhar a Câmara de Lisboa, que lhe serviria mais tarde de palco para avançar para Belém. Também foi decisivo para Marcelo Rebelo de Sousa passar mais uns anos de jejum político. As biografias dos dois homens e do país teriam sido outras se aquela hora e meia televisiva tivesse sido diferente. Se há momentos decisivos, aquele foi um deles. Mas se houve dureza na refrega eleitoral, continuaram amigos e com admiração mútua, como aliás se percebeu pela evocação emocionada de Sampaio feita por Marcelo em Belém

Marcelo Rebelo de Sousa, Fernando Gomes e Jorge Sampaio, em data desconhecida
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No fim dos anos 1990, quando Jorge Sampaio era Presidente da República, passou a dormir com um copo de água na mesa de cabeceira “por causa dos telefonemas às três da manhã” do noctívago Marcelo Rebelo de Sousa, então líder do PSD. “Para não ficar com uma voz de sono, dizia ‘Olá Marcelo, um momento’, e bebia água para falar com ele”, contaria o ex-PR mais tarde.

Em campos políticos opostos, eram dois políticos reconciliados. Tinham passado quase 10 anos desde a campanha de 1989 para a Câmara de Lisboa, determinante para o futuro de ambos e trampolim de Sampaio para Belém. Esta sexta-feira, no dia da morte do ex-Presidente socialista, Marcelo - derrotado nas autárquicas há 32 anos -, prestou-lhe homenagem com esta frase singela: “[Esteve] na Presidência da Câmara Municipal de Lisboa, após uma rara campanha de ideias, com visão estratégica, prioridade aos mais pobres e excluídos, preocupação com as pessoas, os seus sonhos, os seus dramas, a sua realidade”. Mas nos meses daquela “rara campanha” foram também raros os acontecimentos que a marcaram.

Os dois homens, que um dia seriam Presidentes da República - mas que naquela época sonhavam ser primeiros-ministros, e ambos falharam -, digladiaram-se por Lisboa em termos hoje difíceis de repetir. A campanha hiperativa e ultra criativa de um Marcelo que se queria dar a conhecer, tinha do outro lado uma campanha sóbria do secretário-geral socialista aliado ao PCP. O ponto que lhe mudou o destino foi um debate histórico na RTP, no tempo em que os debates televisivos contavam para virar o eleitorado. Sampaio esmagou Marcelo. O social-democrata perdeu, mas até o caminho para aquele duelo na televisão foi uma originalidade anacrónica aos olhos de hoje: uma troca de cartas pública entre os candidatos, em estilo cavalheiresco mas agressivo, para se agendar o duelo.

– Bolas, Marcelo, saiu-nos um touro de 600 quilos para a praça!..., desabafou António Pinto Leite, presidente do PSD/Lisboa quando soube que o candidato não seria João Soares, como os sociais-democratas desejavam, mas sim o próprio secretário-geral do PS, um peso-pesado, mais pesado do que Marcelo. “Quando decidi ser eu, foi uma surpresa para toda a gente”, recordaria Sampaio. A coligação do PSD com o CDS na capital passava a ter duas grandes dificuldades: a primeira era bater o líder da oposição; a segunda era enfrentar uma coisa nunca vista, a união do PS, PCP, Os Verdes e MDP/CDE.