Marcelo Rebelo de Sousa não quis falar do debate do estado de nação que disse mal ter ouvido, mas a coincidência temporal não podia ser mais sugestiva. Pelas sete da tarde, estava o Governo a sair do Parlamento após horas de (fácil) discussão com as oposições, quando o Presidente da República chegava ao Centro de Congressos de Lisboa para fazer um discurso a uma plateia de empresários a quem decidiu pedir que vão "à luta" por "protagonistas políticos mais fortes" que dêem "mais eco" em momentos eleitorais e que constituam uma solução alternativa.
Marcelo Rebelo de Sousa deixou esta mensagem no encerramento de uma conferência do Fórum para a Competitividade. E foi muito claro a apelar aos presentes para que trabalhem por uma mais clara e forte demarcação do Governo: "os protagonistas políticos, económicos e sociais defensores de um percurso diferente não têm logrado alcançar força persuasiva para que o seu discurso constitua um discurso alternativo e, sobretudo, constitua uma solução alternativa", afirmou.
No epicentro do seu discurso esteve a dicotomia Estado/setor privado e o deficiente crescimento do país, com o qual Marcelo mostrou estar preocupado e que considera só poder arrancar se os privados assumirem "um papel central" na recuperação económica do país.
"Não é impunemente que fomos das primeiras monarquias absolutas da Europa e das últimas a deixarem de o ser - se é que em quadros mentais o deixámos de ser, no que respeita à supremacia do Estado sobre a sociedade civil", afirmou o Presidente, que terminou a incentivar o setor privado a "prosseguir o seu empenho ou, se quiser, a sua luta, para ter protagonistas institucionais, políticos e outros, mais fortes, para ter discurso político com mais eco nos momentos de decisão popular e eleitoral".
Apesar de assumir conhecer de perto o descontentamento que existe entre os patrões relativamente ao PRR (Plano de Recuperação e Resiliência), Marcelo pediu-lhes que não desistam da luta. "Nomeadamente distinguindo o que é seu efetivo papel e o peso do investimento privado, daquilo que pode ser um desperdício irreversível".
Sem criticar abertamente o PRR que o Governo exibira horas antes como peça-chave da recuperação do país, Marcelo Rebelo de Sousa deixou perceber as suas dúvidas, receios e reticências relativamente a um documento que disse ter tido "uma génese, percurso e epílogo diferentes dos de países nossos vizinhos". E diferentes em quê? Entre outras coisas, "no papel reconhecido aos privados".
Alertando que "sem crescimento não há justiça social e sem investimento (e aqui o privado é decisivo) não há crescimento", o Presidente desfez a bandeira muitas vezes usada pelo Governo de António Costa por Portugal estar a crescer alinhado com a média europeia.
De pouco serve, alerta Marcelo, porque a média europeia é baixa por estarmos a falar de países muito mais ricos do que o nosso, quando, em comparação com outros estados membros que estavam atrás de nós, vimos "caindo para a cauda da listagem dos estados membros".
"Agora temos de escolher - defendeu o PR - ou resignamo-nos e vamos vivendo o dia a dia ou apostamos tudo em metas mais ambiciosas e criamos melhores condições", concluiu. Sem se deixar entusiasmar com a meta anunciada pelo chefe do Governo de que até 2022 já estaremos a crescer 9%.
Para Marcelo, é preciso ver se esse crescimento "é estrutural ou apenas conjuntural". E a sua preocupação não é só com o estado da economia mas também da política - se nada de estrutural mudar, Marcelo alerta que é mais difícil travar o crescimento "dos radicalismos".
Pedro Ferraz da Costa, presidente do Fórum, ainda deixou uma indireta ao Presidente quando o lembrou que quando ali estivera há dois anos, Marcelo tinha dito "O povo é quem mais ordena". Na altura, estava-se a poucos meses das legislativas e Ferraz da Costa defende que ao terem prolongado "a dependência da extrema esquerda" essas eleições traduziram-se num "resultado muito negativo para o desenvolvimento do país".
Marcelo Rebelo de Sousa não chega a tanto. Mas já pede ajuda para encontrar um líder para a direita.