Política

Ventura tem “orgulho” em candidato condenado por, alega, “matar acidentalmente” uma criança. Mas qual foi a condenação de Ernano?

Hugo Ernano, militar da GNR que já tinha sido candidato pelo Chega nas legislativas de 2019, volta a uma corrida pelo partido, desta vez autárquica. Condenado em 2013 a nove anos de prisão pela morte de um menor durante uma perseguição policial, Ernano recorreu da pena, que viu reduzida para quatro anos. Ouvido em três tribunais, nenhum definiu a morte como “acidental”

Hugo Ernano foi condenado a quatro anos de prisão, com pena suspensa, pelo crime de homicídio simples por negligência grosseira. Em agosto de 2008, disparou cinco tiros para uma carrinha em fuga. Um deles matou um menor

Menos de uma semana após ser conhecida nova candidatura de Hugo Ernano pelo Chega (CH), desta feita à Assembleia Municipal de Odivelas nas próximas autárquicas, André Ventura recorreu ao Twitter, e ao artigo publicado pelo Expresso, para reafirmar o “orgulho” de ter o militar da GNR nas “hostes” do partido. Hugo Ernano já tinha sido cabeça-de-lista do CH pelo círculo do Porto nas legislativas de 2019, altura em que o crime pelo qual foi condenado voltou ao mediatismo que teve na altura dos factos.

Na publicação desta sexta-feira, o deputado e líder do CH refere-se ao crime nos seguintes termos. “O Hugo foi condenado por matar acidentalmente um rapaz cigano que estava a participar com o pai num assalto.”

De facto, Paulo Jorge, que tinha 13 anos quando foi morto por um dos cinco tiros disparados de dentro do carro-patrulha da GNR, estava numa carrinha conduzida pelo pai, um dos dois assaltantes apanhados em flagrante durante um furto a uma vacaria em Santo Antão do Tojal, concelho de Loures. O menor seguia no lugar “do pendura”, ao lado do pai, Sandro Lourenço, que à época estava fugido do Centro Prisional de Alcoentre.

À chegada da polícia, Sandro arrancou com a carrinha, que foi perseguida pelos militares. A defesa de Hugo Ernano alega que seguia também ao lado do condutor uma criança no interior do veículo, mas que a força de segurança não o sabia. Alega também que a bala disparada tinha como destino o pneu direito da carrinha. Nas imediações da zona, acrescentou ainda a defesa, havia o risco de atropelamento ou de ocorrência de outros danos a crianças e jovens - por estarem por perto as instalações da Casa do Gaiato.

O caso foi para tribunal e teve várias vidas, nenhuma a corroborar a versão de uma morte acidental propalada agora por André Ventura. Em 2013, o Tribunal de Loures condenou o militar agora candidato do CH a nove anos de prisão efetiva por homicídio com dolo eventual, uma forma agravada, que na prática diz que o militar não teve intenção de matar, mas “agiu com consciência dos riscos da sua ação”. O tribunal definiu a conduta de Ernano como “inadequada e desajustada”, e o próprio militar como sendo “inflexível, intolerante e impulsivo”. A pena previa ainda o pagamento de uma indemnização de 80 mil euros à família do menor.

No acórdão, lia-se que o militar tinha repetido durante o julgamento que, “se fosse hoje, voltaria a agir da mesma forma”, uma tese que Ernano mantém, a julgar pelo livro publicado em 2015, chamado Bala Perdida, em que o militar diz que, acima de tudo, “tinha de pará-lo [a Sandro]”.

Um ano antes do livro, na sequência de um primeiro recurso, o Tribunal da Relação de Lisboa reduziu a condenação do militar para uma pena de quatro anos de prisão, suspensa por igual período. Absolveu-o do crime de homicídio simples com dolo eventual, condenando-o antes por crime de homicídio simples por “negligência grosseira”.

A moldura penal para este tipo de crimes é mais baixa, o que fez também descer o valor da indemnização a pagar aos pais de Paulo para quase metade: 45 mil euros, 35 mil à mãe e 10 mil ao pai.

Ainda em 2014, a defesa de Hugo Ernano recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, que não só manteve a pena suspensa como subiu a indemnização para os 55 mil euros. À agência Lusa, o militar declarou-se “indignado com a decisão”.

Quanto a Sandro Lourenço, que se entregou um dia depois da morte do filho, teve de cumprir o resto da pena que o tinha levado ao Centro Prisional de Alcoentre, de onde se tinha evadido em 2000. Na altura, Sandro fora condenado por roubo.

Além disso, foi condenado pelos acontecimentos em Santo Antão do Tojal, não pelo roubo dos materiais de construção, mas pelos crimes de resistência desobediência à autoridade, prestação de falsas declarações e coação sobre funcionários. Dois anos e dez meses de prisão efetiva.