Política

Geringonça ferve com "birra" dos apoios sociais

Braço de ferro do Governo com o Parlamento (e o Presidente da República) em torno do reforço dos apoios sociais para fazer face à crise pandémica continua a aquecer debate na AR. BE lembra quando esquerda recorria ao TC para impedir cortes, e não o contrário. "Guerra", "birra", ou "rasgar de vestes": oposição juntou-se para atacar Governo em uníssono

Marcos Borga

O reforço dos apoios sociais aprovados no Parlamento à revelia do PS continua a aquecer o debate na Assembleia da República. Depois de o Presidente da República ter ignorado os apelos do Governo e ter promulgado os diplomas que alargam os apoios em tempos de pandemia, o deputado socialista Tiago Barbosa Ribeiro subiu esta tarde à tribuna do hemiciclo para fazer a defesa da honra do Governo no Parlamento: disse que em tempos de estado de emergência era fundamental preservar os princípios da Constituição, mas, do lado de lá das bancadas, não recebeu fogo amigo. Esquerda e direita voltaram a deixar o PS isolado, com o Bloco de Esquerda a recordar os tempos em que ia de mão dada com o PS ao Constitucional pedir que direitos não fossem cortados.

Agora, diz, aconteceu o contrário. "Fica muito mal ao Governo vir aqui rasgar as vestes e fazer uma guerra em torno disto em vez de aplicar. Noutras legislaturas recorríamos [BE e PS] ao TC para impedir cortes, não para impedir reforço de apoios", disse o deputado José Soeiro, recordando os tempos da legislatura do PSD/CDS em que o Tribunal Constitucional foi muitas vezes um aliado da oposição, que recorria aos juízes para ver muitos dos cortes da troika declarados inconstitucionais. Desta vez, aponta o deputado bloquista, é o Governo do PS que se prepara para recorrer ao TC para fazer o mesmo que o governo de Passos Coelho fazia -- cortar. Ou, melhor, não alargar os apoios.

Um argumento que o deputado socialista Tiago Barbosa Ribeiro classificou de "atalho populista", por entender que não está em causa "qualquer corte" em matéria de apoios sociais. "Isso é uma fucção, um atalho populista", disse em resposta a José Soeiro durante o espaço de discussão de declarações políticas no plenário do Parlamento.

Em causa estão três diplomas aprovados apenas com a oposição do PS: um alarga o universo e o âmbito dos apoios sociais previstos para trabalhadores independentes, gerentes e empresários em nome individual; outro aumenta os apoios para os pais em teletrabalho; e um terceiro estende o âmbito das medidas excecionais para profissionais de saúde à recuperação dos cuidados primários e hospitalares não relacionados com covid-19. Nas contas do Ministério das Finanças, trata-se de um acréscimo de 40 milhões por mês face ao que estava orçamentado -- daí que o Governo alegue que os diplomas violem a lei travão, que impede a Assembleia de aprovar legislação que mexa com a despesa ou a receita prevista no OE em curso.

Mas não foi só o deputado do Bloco de Esquerda que partiu ao ataque esta tarde no Parlamento. José Soeiro acusou o Governo de "enganar as pessoas" quando anunciou a atribuição de apoios aos trabalhadores e micro empresários tendo como referência valores de faturação de 2020 e não de 2019, pré-pandemia, daí que tenha aprovado a alteração à lei, por uma questão de justiça. Também a deputada do PCP Diana Ferreira foi dura nas palavras: "O objetivo do Governo não pode ser o de cortar no défice, não se pode regatear apoios sociais e depois transferir milhões para o Novo Banco", disse.

Mariana Silva, dos Verdes, foi pelo mesmo caminho, lembrando que a guerra política que está a ser feita pelo Governo em torno deste tema "não corresponde ao espírito que presidiu à viabilização do Orçamento para 2021" -- na qual os Verdes também tiveram um papel fundamental.

Do lado direito da bancada as críticas não foram mais brandas. A deputada do PSD Ofélia Ramos citou indicadores que mostram que o Governo português é um dos que menos gasta em apoios sociais na resposta à crise no âmbito da União Europeia: "Estão em causa apoios a cidadãos que viram os seus rendimentos reduzidos a zero. Em vez de um ato de contrição, o PS invoca a lei-travão", comentou Ofélia Ramos, antes de o líder do Chega, André Ventura, ter acusado o Governo de estar a fazer "uma birra" com a decisão do Presidente da República de promulgar diplomas para "dar alguma coisa a quem precisa".

Foi a André Ventura que o deputado socialista Tiago Barbosa Ribeiro atirou o argumento que José Soeiro já tinha invocado: o dos tempos da troika, em que o Parlamento recorria ao TC para travar cortes implementados pelo Governo da altura. "O senhor deputado André Ventura tem memória muito curta, porque era do PSD quando o Governo de Pedro Passos Coelho cortou rendimentos aos trabalhadores e pensionistas. E a primeira medida do Governo Regional dos Açores, apoiado pelo Chega, foi cortar apoios sociais", atirou.

Para o deputado socialista responsável pela área do Trabalho e da Segurança Social, o Governo, através da Segurança Social, tem feito "um esforço titânico" para pagar os apoios extraordinários em dez dias. Segundo o socialista, até 23 de março, "a Segurança Social pagou em apoios extraordinários 847 milhões de euros, ou seja, mais 40% face à despesa mensal de 2020". O PS, diz, foi "ainda mais longe" no que o Governo tinha proposto para o OE 2021 em matéria de apoios, por isso ninguém está a ser deixado para trás e não é preciso o Parlamento violar a lei-travão para acautelar esses apoios.

Seja para impedir cortes ou para impedir o reforço dos apoios, facto é que o Tribunal Constitucional voltou ao centro da vida política. Em tempo de emergência, a Constituição não pode ser ingonada, defendeu o deputado socialista. Em tempo de emergência, o reforço dos apoios sociais a quem precisa também não, defendeu a oposição.