O secretário-geral do PCP alerta contra o preconceito que diz existir em relação ao partido, que tem o "direito político" de fazer o seu congresso, e critica o "silêncio de chumbo" sobre a reunião magna do Chega, que "parecia uma feira".
A menos de uma semana do congresso de Loures, marcado para 27 a 29 de novembro, Jerónimo de Sousa afirma, em entrevista à Lusa, que a preparação das condições sanitárias para a reunião do partido tem sido acompanhada pelas "autoridades de saúde", que deram o acordo à sua realização. Havendo condições, não faz sentido adiar para o "dia de São Nunca à tarde", frisa.
"Não somos tontos. Se não estivessem criadas condições não o faríamos", mas elas existem para o "exercício de um direito político importante", disse o secretário-geral do PCP, admitindo que seria mais confortável, aos comunistas, ficar em casa "no sofá".
E dramatizou a realização do congresso, dizendo que, a seu ver, não se pode por em oposição "as medidas de segurança e o exercício das liberdades". "Tivemos essa experiência durante 48 anos e o povo português não gostou", sublinha Jerónimo, que diz não ter medo da incompreensão da opinião pública por os comunistas se reunirem em congresso quando parte dos cidadãos está sujeita a restrições de deslocação e obrigados a recolhimento obrigatório.
É até uma posição que até "devia ser valorizada", disse, porque é uma forma de mostrar que "não está tudo perdido", apesar da pandemia, e que é possível manter a atividade. O secretário-geral do PCP comparou a polémica em torno do congresso com a da festa do Avante, em setembro, e apontou a diferença com que foi comentado o congresso do Chega, em setembro, em Évora, no qual os delegados andaram sem máscara.
"Aquilo parecia muito pior que uma feira", critica Jerónimo de Sousa. "Tanta preocupação com o PCP e [houve] um silêncio de chumbo em relação aquilo que aconteceu em Évora."
O congresso do PCP realiza-se no Pavilhão Paz e Amizade, em Loures, de 27 a 29 de novembro e a organização reduziu o número de delegados para metade (cerca de 600), com regras de circulação, incluindo o uso de máscara.
A lei do estado de emergência não proíbe reuniões partidárias, estipulando mesmo que "as reuniões dos órgãos estatutários dos partidos, sindicatos e associações profissionais não serão em caso algum proibidas, dissolvidas ou submetidas a autorização prévia".
"A vida tem de continuar", apesar da pandemia
Na entrevista, Jerónimo de Sousa advertiu o Governo de que deverá encontrar "outro caminho" que não acentuar medidas repressivas para combater a pandemia.
Há medidas "que não se entendem" e que "são incoerentes", critica o líder dos comunistas. "Não passo um atestado ao Governo de que está mais virado para a proibição e repressão, não está, mas devia encontrar outro caminho, fazer um esforço para, num quadro de gravidade que todos reconhecemos, encontrar formas de não perder a vida no plano social, no económico e até no plano da esperança", disse.
Para o secretário-geral do PCP, em consequência da estratégia do Governo para conter a pandemia, tem havido uma degradação do exercício de direitos em particular nas empresas e locais de trabalho, além das "sequelas" económicas.
Segundo Jerónimo de Sousa, há hoje "situações de injustiça nas empresas, onde em nome da pandemia se proíbem plenários, se proíbe a intervenção dos representantes dos trabalhadores nessas empresas, que começam a ter dificuldade de fazer face à vida".
"E noutra componente que são os pequenos e médios empresários que estão num sufoco que pode levar à destruição de milhares de empresas", acrescentou, considerando que é tempo de fazer um "balanço" dos resultados objetivos das medidas de contenção da pandemia.
"Uma das perguntas que mais me fazem é: Explique lá isto, por que é que à uma hora da tarde as pessoas tem de ir para casa?", contou o líder comunista, admitindo é uma pergunta de "resposta difícil" e que compete ao Executivo explicar o significado dessas medidas.
O pior que pode acontecer, advertiu, é "alimentar as campanhas do medo" e optar por "uma resposta resvaladiça limitando as liberdades". "O que receio é que se desenvolva uma campanha que agite o medo, fundamentalmente sustentada na ideia do medo e não na pedagogia da proteção", criticou, defendendo a ideia de que "a vida tem de continuar" apesar da pandemia.
É cedo para escrever memórias
Jerónimo de Sousa admitiu, implicitamente, continuar como secretário-geral do PCP no congresso de Loures, e disse que ainda é cedo para escrever as suas memórias.
"Eu hoje não estaria em condições de escrever um livro de memórias. Continuo a pensar que meu futuro, seja como secretário-geral seja como membro do comité central ou como militante, é ainda a olhar para frente. Continuo com mais projeto do que memória", afirmou, na entrevista à Lusa.
Aos 73 anos, o líder dos comunistas afirma, com um sorriso, que, apesar das leis da vida, se tem "aguentado muito bem", mas remete a decisão quanto à escolha do secretário-geral para o comité central a eleger no congresso nacional do próximo fim de semana.