Política

Marcelo: “Contam-se pelos dedos os responsáveis políticos que em tempos de pandemia são reeleitos”

Foi uma entrevista sobre o estado de emergência com as presidenciais em fundo. O irrequieto comentador Marcelo voltou subitamente aos écrãs e uniu-se a António Costa como um corpo só. Afinal, é ele, Presidente da República, "o responsável supremo" pelos "atrasos, improvisos e erros" que reconhece ter havido na gestão da pandemia. A dois meses de ir a votos, com o país dividido e cansado, Marcelo antevê desgastes eleitorais. Pela sua parte, está tranquilo, conta com PS e PSD e "se isto não é uma maioria!". Quanto a António Costa ...

HUGO DELGADO/LUSA

Longe vão os tempos de Pedrógão ou Tancos, quando o Presidente abanou o Governo das esquerdas. Agora, com o país mergulhado numa pandemia incontrolável cuja gestão Marcelo Rebelo de Sousa reconhece ter sofrido "atrasos, improvisos e erros", ele próprio dá o corpo às balas e poupa o Governo socialista, assumindo, dois meses antes de ir a votos, "a responsabilidade suprema por tudo isto".

Será música celestial para a direção do PS, que no próximo fim de semana decide que posição oficial assumirá nas presidenciais de janeiro, e o Presidente da República não escondeu estar atento ao impacto que a pandemia pode ter na ida a votos. "Todas as eleições havidas em pandemia, têm sido os Governos e Presidentes a perdê-las", afirmou, e "contam-se pelos dedos os responsáveis políticos que em tempos de pandemia são reeleitos".

Reconhecendo que "quem é eleito é para ser punido", Marcelo evocou os exemplos de Churchill e de Pedro Passos Coelho, que tendo feito obra marcante, um "ganhou a guerra mas perdeu as eleições" e o outro ganhou as eleições "mas não teve a maioria" e perdeu o poder.

Para já, o Presidente não antevê crises políticas que acharia uma loucura somar à crise económica e social, lembra que mesmo que as haja este ano "o Governo não cai porque o PR não tem poder de dissolução", e não se dispôs a ir além disso quando o entrevistador lhe lançou a dica: "Mas pode caír a seguir!". Sobre isso, Marcelo já tinha passado a mensagem - poucos resistem eleitoralmente a um embate como este.

Irrequieto e imparável no discurso, Marcelo Rebelo de Sousa deixou o jornalista da RTP em maus lençóis, atropelando-lhe as perguntas e mal deixando interromper o comentário que preparara ao estado da nação pandémica.

"Atrasos" foi a palavra que o Presidente mais repetiu no arranque da entrevista, quando se dispôs a criticar a gestão política dos últimos oito meses. "Houve atrasos, é um facto", afirmou. Atrasos quando antes do verão se percebeu que a "situação estava fora de controlo em Lisboa", atrasos "na contratação de profissionais de saúde", atrasos "administrativos", atrasos "e ziguezagues na comunicação", que admitiu "cansar".

Mas de quem é a culpa? O Presidente poupa o Governo de António Costa em toda a linha e assume que "não é papel do Presidente da República dessolidarizar-se do Governo porque temos que estar todos unidos".

António Costa não diria diferente. "Mas quem é que pode planear quando os problemas apareciam todos os dias?!"; "eu percebo críticas e angústias (...) mas isto da pandemia não parou, não deu para dizer, parou e agora vamos preparar a segunda vaga"; "já nenhum país pode dar lições" e "as medidas ajudam a controlar mas não são infalíveis"; Marcelo até falou "com os Presidentes Xi e Trump" mas nem a China nem os EUA escaparam.

Desdramatizar a tensão político-social em torno da profunda crise sanitária e económica foi um objetivo desta entrevista e o Presidente carregou nas tintas: "Eu não estou a absolver erros, eu sou o maior responsável e estou a assumir a responsabilidade suprema por tudo isto".

Até a organização da Festa do Avante mereceu elogio: "foi preparada com cuidado extremo". E nem as conferências de imprensa diárias da Direção Geral de Saúde escaparam à leitura benévola e (apesar da critica de que "cansam"), desculpabiizante: "Aquilo é um esforço muito grande".

Quanto ao estado de emergência, que o primeiro-ministro lhe pedira horas antes que decretasse, Marcelo Rebelo de Sousa alinhou a 100% pela lógica minimal do Governo: "Será um estado de emergência diferente e muito limitado porque nste momento o clima social aconselha que seja isto a ser adotado. A economia não aguenta outra coisa. Era uma precipitação e uma impossibilidade social adotar o confinamento geral".

Nem o papel dos privados na gestão da pandemia mereceu uma descolagem do Presidente face ao Governo. Depois de ter passado duas semanas a dar palco aos que acusam a ministra da Saúde de afastar os privados por preconceito ideológico, Marcelo também aqui foi 'soft': "O sistema permite que privados e setor social ajudem o SNS".

António José Teixeira ainda tentou saber quando é que Marcelo Rebelo de Sousa pensa anunciar a recandidatura, mas também aqui a resposta foi surpreendente: "Ainda não tomei a decisão". O que o Presidente não disfarçou foi o conforto que lhe oferecem os dois maiores partidos, PS e PSD, que apoiam o regresso ao estado de emergência e que ele sublinhou somarem uma "maioria clara, de dois terços". "Se isto não é uma maioria clara ...", rematou.

Também é com esta maioria que o Presidente da República conta para uma reeleição folgada. O anúncio não deve tardar.