Política

Plano de Recuperação. PCP disponível para convergir mas sem assinaturas, CDS quer evitar “lista de compras”, PSD recusa discurso destrutivo

PCP adianta estar alinhado com os planos do Governo no investimento a infraestruturas como a ferrovia ou reforço do SNS, mas avisa que não abdicará de criticar aquilo com o que não concorda no documento final a apresentar em Bruxelas. Veja as reações de todos os partidos

MIGUEL A. LOPES

Após a audiência com o primeiro-ministro, que esta segunda-feira recebe os vários partidos com assento parlamentar para discutir o plano de investimento estratégico, Jerónimo de Sousa garantiu que, nesta primeira fase de esboço do Plano de Recuperação Económica, o PCP irá elaborar um documento de propostas, mas que “não irá levantar dificuldades pela dificuldade”. o secretário-geral comunista defende que o Governo tem todas as condições para que o dinheiro da União Europeia seja bem aplicado. “Vamos ser uma força com sentido de causa público, corrigindo, contudo, o que é negativo ou insuficiente”, disse Jerónimo, que promete convergência em matéria de orçamento, sem acordos nem assinaturas.

O PCP diz que vai estar atento às questões prementes da saúde já anteriores à pandemia, sublinhando que irá acompanhar com especial relevância a construção de seis hospitais “repetidamente previstos em anteriores Orçamentos do Estado” mas sempre adiados. A título de exemplo, Jerónimo de Sousa lembra os projetados hospitais do Seixal, Lisboa-Oriental, Évora ou Algarve, “cujas construções estão atrasadas”.

Mais investimento na rede pública de creches e lares de idosos é outra das exigências do PCP, alertando que sem este contributo não haverá justiça social. Entre as divergências apontadas em relação ao documento de Costa Silva, o partido aponta a omissão na valorização do trabalho e dos trabalhadores, preconizando que os fundos comunitários de apoio à crise pandémica sejam aplicados nesta área.

O PCP adianta estar alinhado com os planos do Governo no investimento a infraestruturas como a ferrovia ou reforço do SNS, mas avisa que não abdicará de criticar aquilo com o que não concorda no documento final a apresentar em Bruxelas, apresar de não existirem de momento divergências insanáveis.

CDS quer evitar que bazuca seja um festim para o Bloco Central

Francisco Rodrigues dos Santos afirmou à saída da reunião com António Costa temer que os fundos europeus que chegarão a Portugal até 2026 para amortecer a a crise pandémica “se transforme numa lista de compras e de obras públicas, em vez de uma verdadeira reforma do modelo e desenvolvimento económico do país”. O líder do CDS defende que é prioritário apostar forte na valorização das empresas, de forma a captar investimento e apoiar o emprego, sob pena de “a bazuca de fundos não passar de um tiro de pólvora seca”.

Chicão adverte que é urgente que o Governo crie mecanismos de “controle e fiscalização acima de qualquer suspeita, com um máximo de transparência e um mínimo de burocracia”, um sistema de vigilância sem o qual receia “se sentem à mesa do orçamento do Estado os amigos do Governo e as empresas de sempre”. Francisco Rodrigues dos Santos não quer ainda que a máquina do Estado fique com “a fatia leonina dos fundos ou que o dinheiro seja uma festa para o Bloco central”, em detrimento do crescimento produtivo, que coloca no topo das prioridades.

Nass propostas que o CDS irá apresentar ao Governo antes da apresentação final do documento a Bruxelas, o CDS destaca a criação de um vale-farmácia para a terceira idade, para que “os idosos não tenham de escolher entre comprar um remédio ou pão”. No plano da saúde, o partido adianta ser urgente para diminuir as listas de espera que o Estado avance com a contratualização de serviços ao privado, alegando que “o combate à covid-19 tem sido feito à custa dos doentes não covid”.

Rio quer prioridade às empresas e recusa fazer discurso destrutivo

O presidente do PSD defendeu hoje que "o grosso" do Plano de Recuperação e Resiliência tem de estar virado para as empresas e recusou fazer um discurso destrutivo sobre o documento, para o qual prometeu olhar com "racionalidade e equilíbrio".

No final da reunião com o primeiro-ministro, em São Bento, Rui Rio foi questionado se, como outros partidos hoje referiram, saía desalentado do encontro. "Se o PSD se comportasse a olhar para o seu próprio interesse fazia um discurso desses, dizia que era impensável e estava tudo errado, mas o PSD está preocupado com a construção do país. Temos de olhar para este documento com racionalidade e equilíbrio, haverá coisas que, na nossa ótica, estarão bem e outras que estarão menos bem", afirmou.

O líder do PSD recordou que o partido vai apresentar em breve a sua própria visão para a recuperação do país e admitiu que, se haverá pontos coincidentes com o documento do Governo até pelas imposições de Bruxelas, poderá haver prioridades diferentes. "Mas não dava nenhum contributo ao país se viesse aqui destruir tudo e dizer que está tudo mal", reforçou.

Para Rui Rio, as verbas que virão de Bruxelas tÊM de assegurar uma "resposta de curto prazo, mas sobretudo de longo prazo" para a economia portuguesa. "Por isso, o grosso do objetivo tem de ser virado para as empresas, porque são as empresas que geram produção e são as empresas que pagam salários, sem querer esquecer a componente pública, que é complementar, mas no núcleo central têm de estar as empresas", afirmou, acrescentando que, dentro das empresas, a aposta terá de centrar-se sobretudo nas mais para a exportação e investimento.

Para Rui Rio, só com uma economia mais competitiva Portugal poderá pagar melhores salários. "O que pretendemos é que - não é amanhã, mas no médio e longo prazo - Portugal pague melhores salários e tenha uma classe média mais robusta - quanto mais forte for a classe média mais desenvolvido será o país", disse.

Questionado se o esboço do plano que lhe foi apresentado tem essa componente forte voltada para as empresas, Rio admitiu que "provavelmente menos" do que o PSD desejaria, mas remeteu para mais tarde uma análise mais detalhada.

BE reivindica mais médicos no SNS

Na maratona de auscultação dos partidos, Catarina Martins priorizou, acima de todos os investimentos de recuperação económica, o reforço urgente do SNS. Catarina Martins chamou a atenção para as instituições de saúde estarem a enfrentar a pandemia com menos médicos do que há um ano e com menos enfermeiros e assistentes operacionais do que na primeira fase do surto.

A coordenadora do BE alertou que houve um reforço de enfermeiros e auxiliares para o combate à covid-19, mas que estes profissionais de saúde foram contratados como precários, “por períodos de quatro meses, mais quatro”. Nas contas da dirigente bloquista, o SNS precisa pelo menos de mais 500 trabalhadores, não só para responder à covid, mas para os tratamentos, cirirgias e consultas em atraso, além dos que estão em funções “estão muito cansados devido à acumulação de horas extraordinárias”.

Catarina Martins lembra que esta reivindicação já fora feita antes da pandemia, estava prevista no Orçamento do Estado que o Bloco viabilizou no pressuposto que o investimento seria concretizado.

Plano obsoleto, atira PAN

André Silva saiu duplamente desiludido da ronda de audições com o primeiro-ministro. Além de criticar a falta de uma visão progressista do Plano de Recuperação Económica para o país, o líder do PAN aponta ainda o dedo ao próprio modelo em que assenta a estratégia do Governo, que titula de “obsoleto”. O partido aproveitou ainda o encontro para apresentar queixas pela forma como decorrem as reuniões sobre o Orçamento do Estado para o próximo ano, marcadas, alega, por “algumas dificuldades no diálogo com o ministro das Finanças”.

André Silva alerta mesmo que, caso o Governo queira contar com parceiros como o PAN para combater a pandemia, “terá de adotar uma postura diferente”, sob pena de minar “a narrativa de convergência” com o PAN.

Ventura diz que verbas para habitação social é “gozar com os contribuintes”

Líder do Chega centrou as críticas do Plano de Recuperação Económica no investimento e distribuição de habitação, cuja grande fatia será destinada à habitação social, “esquecendo” a classe média. “90% das verbas nesta área vão para o direito a habitação social, ou seja para os mesmos de sempre que querem viver à custa do Estado. É gozar com os contribuintes portugueses mas também com os contribuintes europeus”, declarou André Ventura, que frisa que se “envergonha com esta distribuição”.

Ventura assumiu clivagens com o Governo na forma como as verbas de Bruxelas vão ser concretizadas e que irá fazer oposição ao Plano de resiliência à pandemia do primeiro-ministro, que espera não seja o mesmo na próxima legislatura. Na mira do presidente do Chega estão ainda as Câmaras municipais, a quem caberá no terreno a gestão de verbas a nível local, prevendo que os fundos “vão ser distribuídas pelos do costume e pelo nicho da Administração Pública”.

Iniciativa Liberal critica “catálogo de ideias” de Costa Silva

João Cotrim de Figueiredo, líder da Iniciativa Liberal, entende que o plano pensado por Costa Silva, e que o Governo apadrinhou, pouco mais é do que um “catálogo de ideias” sem prioridades claras definidas.

À saída da reunião com António Costa, o deputado criticou o facto de o Governo, mais uma vez, colocar o Estado num papel impositivo que dá pouca margem às empresas e aos diferentes atores sociais de escolherem os seus projetos estratégicos.

"O Governo não mobiliza a sociedade como um todo. [Este plano] pode ser o início de uma oportunidade perdida”, criticou Cotrim de Figueiredo. Cotrim Figueiredo lembra que Portugal, nos seus melhores anos, apenas executou € 3.200 milhões de fundos europeus, advertindo que nos próximos sete anos o Executivo terá de executar se € 6 a € 7 milhões anuais. O deputado lamenta que o Executivo se tenha limitado a adotar um decalque do Programa para 2020-2030 do conselheiro escolhido por António Costa, sem ter em conta uma gestão que mobilize empresas e parceiros económicos no terreno.

'Verdes' contra esquecimento de um plano de soberania alimentar para Portugal

A deputada do Partido Ecologista 'Os Verdes' (PEV), Manuela Cunha, considera que o Plano de Recuperação Económica do Governo para o horizonte 2020-30 arrisca ser “mais uma oportunidade perdida” para o país, repisando a conclusão da Iniciativa Liberal. Após a audiência com António Costa na manhã desta segunda-feira, Manuela Cunha advertiu que a bazuca de fundos da União Europeia a caminho de Portugal deveria contribuir para consolidar “o arranque da recuperação económica”, mas, analisado o programa proposto pelo Governo, a “rara exceção” de investimento direto nas sequelas da pandemia, “é no Serviço Nacional de Saúde, que já era necessário com ou sem covid-19”.

A deputada adianta que “não lhe parece” que os outros investimentos previstos venham criar novas oportunidades de desenvolvimento para o país, que continua “longe de garantir a sua soberania alimentar”. “Continuamos altamente dependentes de importação no sector alimentar, uma situação preocupante se surgir o fecho de fronteiras”, alerta.

Manuela Cunha frisa ainda que fora das orientações do plano ficaram verbas para reequilibrar a demografia, bem como a questão ambiental e a “relação do homem e com o meio que o rodeia” e que, diz, esteve na “origem do vírus pandémico”.

“É tempo de recriar o nosso meio ambiente”, afirma a deputada, que critica o facto de o documento do Governo ser omisso em relação a investimentos na conservação da natureza.“ Limita-se a repor área ardida e a lorestação, sem cuidar de uma estratégia de resiliência ambientale ou de reprodução de riqueza a níível nacional”, diz Manuela Cunha, salientando a importância da consolidação dos recursos naturais de forma sustentável “e não o uso desgarrado dos mesmos”.

O PSD é o último dos partidos com assento parlamentar a ser ouvido sobre o plano que vai ser discutido, quarta-feira, na Assembleia da República,

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