Política

Primeiro dia de Cimeira termina azedo: o problema está no "travão de emergência"

A discussão durante o jantar expôs ainda mais as divergências entre os 27 líderes europeus sobre o Fundo de Recuperação e Orçamento Comunitário. O presidente do Conselho Europeu suspendeu os trabalhos, que vão ser retomados este sábado a partir das 10h00. À vista está "um travão de emergência" para convencer os Países Baixos, mas que está difícil de desenhar

Olivier Matthys/EPA

O primeiro-ministro holandês surge como o protagonista do primeiro dia de Cimeira. Mark Rutte entrou e saiu do encontro a defender que só pode aceitar um Fundo de Recuperação com uma importante fatia de subsídios se estes estiverem sujeitos a condições muito estritas. E pouco ou nada cedeu neste objetivo, para frustração de todos os países que, como Portugal, defendem 500 mil milhões de euros a fundo perdido.

No final do dia, o próprio Rutte reconheceu que havia alguma "irritação" na sala, como adianta o jornal holandês "Trouw". Ao Expresso, uma fonte dá conta de que o debate da noite "foi mais azedo", deixando claras as divergências. E antes que piorasse, o Presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, suspendeu os trabalhos - ainda não era meia-noite - e marcou novo encontro para as 10h00 de sábado (hora de Lisboa).

A expectativa é a de que durante a noite, Michel possa encontrar novas propostas de consenso, já que as desta sexta-feira ainda não deram frutos. Será também a oportunidade para os líderes reverem posições e estratégias.

Um dos grandes obstáculos ao entendimento está na governança do Fundo de Recuperação, nomeadamente dos 310 mil milhões de euros a fundo perdido para financiar os planos de recuperação, e ao qual Portugal poderá ir buscar entre nove e 12,9 mil milhões de euros. Haia quer ter poder de veto para travar o desembolso de verbas, caso um estado-membro não esteja a cumprir os objetivos de uma determinada reforma ou investimento com a qual se comprometeu.

Durante o dia, fontes europeias davam conta de que Rutte estava isolado nesta exigência. Porém, numa negociação que exige unanimidade, estar isolado não é propriamente um problema.

Um "travão de emergência" para convencer Haia

Para tentar ultrapassar o impasse, Charles Michel colocou uma proposta em cima da mesa, segundo a qual, em situações excecionais, um conjunto de países (a determinar) poderia pedir ao Conselho Europeu que discutisse desvios numa determinada reforma. Durante esse tempo de reavaliação, a Comissão Europeia não poderia fazer qualquer desembolso das verbas associadas a esse projeto. No entanto, Rutte não ficou convencido, exigindo que apenas um país - em vez de vários - pudesse acionar este "travão de emergência", sendo que a decisão deveria ser depois tomada por unanimidade.

Ao Expresso, é adiantado que já há consenso para que o "travão de emergência" exista, e para que possa ser acionado por um só país, caso este duvide da avaliação que a Comissão Europeia fez da implementação de determinada reforma ou investimento por outro Estado Membro.

Caberá ao executivo comunitário verificar que os países vão cumprindo os objetivos com os quais se comprometeram nos seus planos de recuperação antes de aprovar a transferência de verbas para financiar os projetos. Caso surjam dúvidas, então o travão entraria em ação e a questão seria levada ao Conselho - por exemplo, ao Ecofin, que reúne os ministros das Finanças - ou então ao Conselho Europeu - que reúne os chefes de Estado e de Governo. Essa parte não está fechada e o resto do desenho deste mecanismo também não.

Há quem defenda que o debate no Conselho Europeu deva ser uma mera orientação para a Comissão Europeia (proposta de Itália), ou então uma recomendação e há quem exija que a divergência se resolva por uma decisão vinculativa (caso dos Países Baixos). Nesta parte, que é fundamental, o consenso está ainda longe.

Outra questão por fechar passa pela aprovação dos planos de recuperação que os países têm de apresentar à Comissão Europeia. E, nesta fase, a aprovação desses planos deverá passar pelo Conselho (ministros dos 27) por maioria qualificada. Também aqui, Rutte poderá ainda insistir numa maioria qualificada reforçada.

E é com este impasse que os líderes partem para o segundo dia, numa altura em que tudo está ainda por decidir. Não só a governança do Fundo de Recuperação, mas também a sua dimensão final e a repartição: 500 mil milhões de euros em subsídios e 250 mil milhões de euros em empréstimos.

Ao mesmo tempo, falta fechar o próximo Quadro Financeiro Plurianual para 2021-27. Em cima da mesa estão 1,074 biliões de euros. Os chamados países frugais - Países Baixos, Dinamarca, Suécia e Áustria -, mas também a Finlândia, continuam a falar em cortes adicionais neste montante.